Diário de bordo 010620

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Click.

As coisas...

Respiração profunda.

As coisas estão saindo do controle.

Suspiro.

Há algumas horas, nós sofremos uma... Uma perda. Mira... Morreu. Estávamos... Estávamos tentando fazer um teste sobre as fraquezas legítimas da tenebris. Nós nos separamos e então fomos atacados. Lance não conseguiu proteger Mira e então ela morreu. É isso.

É estranho. Eu nem era próxima dela. Nós nos conhecemos nessa bagunça toda e mal tivemos tempo para conversar sobre qualquer coisa que não fosse relacionada com a nossa sobrevivência, mas mesmo assim... Aqui estou eu... Sofrendo. É a empatia, eu acho.

Eu conheci um ser humano que estava só... Tentando manter a própria vida e agora... E agora nada. Ela se foi.

E de repente nós teremos que seguir em frente como se nada tivesse acontecido, porque nós mesmos ainda não ficamos longe do destino que ela teve...

Então foi isso que a vida se tornou? Uma competição pra ver quem sobrevive por mais tempo? Não, eu não quero isso pra mim. Não quero. Me recuso a ter esse tipo de pensamento deprimente.

Ela tinha uma vida inteira pela frente...

Suspiro. Fungada.

Acho que é isso que me comove.

Sabe, todo esse tempo eu nunca... Nunca tinha realmente pensado que poderia morrer, que algo poderia dar errado. Eu fiquei viva por tanto tempo e superei tantas vezes de "quase morte" que estava começando a acreditar que o universo estava a meu favor. Na verdade, eu tinha até criado uma teoria de que, na verdade, eles não queriam nos matar. Isso porque, em primeiro lugar, até onde eu sabia o objetivo dessa... Coisa... Desse ser vivo gigante que dominou Primux era continuar se multiplicando. Mas para fazer isso eles precisavam de hospedeiros vivos, tanto é que a tenebris abandona os corpos no instante em que o corpo morre.

Em segundo lugar, aquele ser nunca me atacou para me matar. No máximo, era para me deixar inconsciente. Eu já o vi em ação ao matar outros mutantes. Ele faz isso com extrema facilidade, o que me faz perguntar: como eu ainda não morri? Quero dizer, se o objetivo desse ser era me matar, então por que ele enrola tanto?

E pensando nisso eu reparei que já sofri outros ataques que não geraram mais do que ferimentos para me imobilizar ou impedir que eu fugisse.

Eu não posso considerar o ponto de Lance, acho, afinal ele já é um mutante. Quase não vi ataques contra Ryan, mas ele também parece se sair bem. Quanto a Mira... Também vi ataques insuficientes para formar alguma síntese. Os únicos dados que posso considerar são os meus próprios e isso dificulta a utilização do velho método científico.

De qualquer forma, o fim de Mira é uma antítese para a minha tese. Isso gera duas opções: ela não era um dos que "devem ser capturados vivos" ou todos nós não somos dessa categoria.

Se a primeira tese estiver correta, eu me pergunto: o que tornava Mira diferente de nós? Ou o que eu, Lance e Ryan temos em comum que não havia em Mira?

Se a segunda tese for a correta, as ações do ser se tornam incoerentes. Seria ele então apenas um predador se divertindo com a caçada?

Eu já não sei o que fazer. Agora a perspectiva de que cada um de nós pode morrer a qualquer instante voltou a ser um fantasma constante que eu tinha deixado de lado tempos atrás...

Suspiro.

Lance parece arrasado e permanece com a ideia fixa de religar os aquecedores, mas agora por meio da sala das máquinas na Ala Norte. Lá está cheio de criaturas enormes e perigosas, mas com certeza deve ser algo mais certeiro do que passar por alguma ponte vacilante e depois torcer para achar ao acaso o computador que vai religar o sistema. Ryan se manteve contra a ideia, dizendo que é perigosa e só vai aguçar a instabilidade dos motores. Ele continua firme na ideia de consertar as cápsulas de fuga e fugir antes que tudo exploda.

Ele e Lance tiveram uma briga feia sobre ligar ou não o sistema de aquecimento.

No fim, cada um foi para seu próprio lado. E eu? Bem, eu resolvi aproveitar o tempo sozinha para gravar o que houve. Assim que eu terminar aqui vou ver as gravações antigas, como Mira sugeriu. Eu queria muito saber o motivo para ela sugerir isso.

Suspiro.
Click.

Contágio: O terror no espaçoOnde histórias criam vida. Descubra agora