Capítulo 12

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VALIENTE

Desço as escadas energicamente enquanto procuro a cabeleira grisalha de José. Não o vejo e decido ir comer primeiro, depois de um longo dia como o de hoje, preciso preencher meu estômago com algo quente.

Aspoucas coisas que Audrey falou me ajudou a ter uma ideia geral da vidadela antes do dia de hoje. Não sei dizer quantos lares adotivos ela teve enem se todos foram ruins, mas sei que o último foi horrível. Pela forma queela agiu perante as poucas informações que passamos, percebi que a Audreyconhece muito pouco do mundo. Não me parece justo ela cair de paraquedasna loucura que é a vida de quem está no Abrigo. Se eu encontrassea Ana, não iria querê-la nessa loucura toda, então manterei Audrey o mais longe possível.

Pego uma xícara de caldo e sigo para o escritório de José, pelo horário, ele já deve estar pronto para dormir. Cumprimento algumas pessoas que acenam conforme passo e em poucos minutos chego à porta dele. Bato no metal e entro antes de receber uma resposta.

— Bem que imaginei que era você — a voz divertida preenche o pequeno escritório.

— Preciso falar com o senhor — respondo sorrindo, tomando um curto gole da minha xícara. 

Acabo queimando a ponta da língua, mas o sabor faz valer a pena. Caldo de mandioca com ervas, entendo bem a expressão de contentamento da Audrey ao experimentar o líquido quente.

— Sente-se para comer direito. — Ele aponta para uma cadeira que há na frente de sua mesa.

Ele se dirige a própria cadeira, do outro lado e se acomoda. José sempre teve uma expressão cansada e meio triste — compreensível depois de tudo o que viveu —, porém agora, ele parece estar relaxado e contente. É bom vê-lo dessa forma.

Continuo tomando o meu caldo enquanto analiso suas feições alegres.

— Você veio falar sobre a garota nova — afirma e acabo sorrindo.

É tão óbvio assim?

— Sim, vim sim. José, estava pensando comigo mesmo e acho que você vai concordar. — Ele acena com a cabeça enquanto se inclina para frente e junta as mãos a frente do corpo. — Pelo pouco que pude conversar com ela, percebi que a Audrey não conhece muito da cidade e acho que hoje foi a primeira vez que ela saiu em muitos anos.

— Você acha que ela vivia em cativeiro? — indaga curioso, e eu apenas confirmo com a cabeça. — Me pareceu o mesmo — ele conclui com um suspiro triste.

— Não acho certo ela entrar nos nossos assuntos sem nem conhecer o mundo direito.

José recosta em sua cadeira e fica pensativo por alguns segundos. Termino o meu caldo enquanto o silêncio se prolonga. Sei que tenho razão e sei que José irá concordar comigo. E se não concordar, um pouco de eloquência e paciência ajudarão.

— Convoque uma assembleia. Não precisa ser todos, mas a maioria — ele diz sério, e me apresso a cumprir sua ordem.

Aspessoas parecem ansiosas pela assembleia conforme anuncio, José nãocostuma convocar reuniões desse tipo a essa hora da noite e muito menosdispensar a presença de todos. No Abrigo vivem quase cem pessoas, nemtodas pertencem ao grupo, mas sabem de sua existência e participam dasprincipais assembleias — para se manterem situados. Sabem que estão segurosaqui e não precisam ajudar em nada, mas gostam de saber tudo o quepode acontecer. Ouvir que haverá uma assembleia e que nem todos precisamparticipar fez com que literalmente todas as pessoas se reunissem no meio do Abrigo.

Checoas escadas para garantir que uma morena não esteja descendo e vou avisar José que todos o esperam.

—Nem cinco minutos, você está cada vez mais rápido, Lucas. — Ele sai de seuescritório sorridente. — E todos presentes? — me pergunta, com as sobrancelhasarqueadas. — A curiosidade é um combustível muito bom.

Esperança na Liberdade [COMPLETO E EM REVISÃO] - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora