Capítulo 20

100 24 3
                                    

VALIENTE


A sensação de estar submerso em águas e as vozes das pessoas soando ao longe me acompanha desde o segundo que a Audrey tropeçou e vi seu sangue escurecer as roupas que ela usava.

Eu me descuidei. E o meu vacilo resultou no ferimento de uma pessoa que eu mal conheço e já toma a maior parte dos meus pensamentos.

Acompanhei todo o alvoroço que sucedeu após a nossa chegada, mas ao mesmo tempo, não acompanhei. Lembro de pessoas desesperadas ao ver o tanto de sangue que nos cobria. Lembro de José falando e falando e falando. Não dei atenção a ninguém. Segui direto até a enfermaria e estou observando enquanto o médico cuida do ferimento.

Segundo ele, Audrey poderia estar bem pior se o tiro tivesse sido um pouco mais para o lado ou, se a bala tivesse ficado alojada. Mas, da mesma forma que entrou, saiu e não acertou nada além de pele e carne. O problema mesmo foi a fraqueza dela.

Após ouvir um pequeno relato sobre a vida dela antes de nos conhecermos, o doutor deduziu que ela estava anêmica e que a perda de sangue foi mais do que ela poderia ter.

Uma mão esmaga meu coração e tenho dificuldade para manter a respiração controlada.

É tudo minha culpa...

Vivo nas ruas a tempo o suficiente para saber quando as coisas vão virar de cabeça para baixo. Eu notei isso no momento que os guardas se espalharam entre a população. Mas eu fui lento.

Deveria ter saído no minuto que as vaias começaram, eu não deveria ter continuado lá. Não com a Audrey ao meu lado. Eu deveria ter colocado ela em primeiro lugar e não a causa rebelde.

Esfrego meu rosto e levo as mãos ao meu cabelo, os arrumo e logo os prendo em um coque — o que nunca faço. Eu realmente estou desesperado.

O médico de cabelos grisalhos se afasta dela e acena com a cabeça na direção da enfermeira que o auxilia. Ela some da enfermaria rapidamente, sem me lançar um olhar antes. Forço a saliva pela minha garganta e penso na forma mais educada possível de fala.

— Ela está bem? — indago, após um bom tempo.

— Irá ficar. — Ele me olha e vejo o canto de seus lábios se inclinarem para cima. — Ficará no soro nos próximos dias e dormirá muito.

Franzo minha testa para ele e me aproximo de seu leito. A pele pálida dela me deixa apreensivo.

— Por que ela irá dormir muito? — Não desvio o olhar dela para questioná-lo.

— Naturalmente ela iria dormir por um tempo para se recuperar do sangue perdido. Entretanto, percebi que ela estava com dor e os únicos remédios que temos aqui costumam dar muito sono. — Pela visão periférica percebo que ele tira os óculos finos e os guarda no bolso de seu jaleco. Ele parece meio culpado. — São remédio fortes, então ela dormirá.

Meu sangue esquenta e finalmente passo a olhá-lo.

— Isso pode afetá-la de alguma forma?

— Não. Não — diz rapidamente, com os olhos arregalados. — Não são os remédios mais recomendados para um ferimento a bala, mas não a fará mal de modo algum. São apenas analgésicos, mais forte do que eu daria caso a estivesse tratando em outra situação, mas nunca faria mal a senhorita Audrey.

Semicerro meus olhos na sua direção e constato que ele diz a verdade. Meus músculos relaxam automaticamente e eu volto a observar seu rosto sereno.

Parte de mim se sente aliviado por saber que ela não sente dor alguma. Pelo menos se recuperará em breve. Quando Audrey acordar, garantirei que ela nunca mais fique anêmica na vida.

Esperança na Liberdade [COMPLETO E EM REVISÃO] - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora