Capítulo 27

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Audrey


Sinto-me livre no segundo que o último ponto remanescente é retirado de minha pele. Quando Verônica termina seu trabalho, salto da cama e respiro aliviada. Sem pontos para sempre, assim espero.

— Agora o Lucas me deixará em paz — comenta divertida.

— É mesmo? — murmuro, meio curiosa e ansiando que ela fale só um pouquinho mais.

Não que eu seja curiosa, mas gostaria de entender melhor o que rola entre ela e Lucas. Afinal, ambos são meus amigos.

— Unhum — confirma. — Ele me enchia o saco todo santo dia perguntando se havia algum perigo ou não. — Ela se inclina em minha direção e adota um tom conspiratório. — Ele é todo sério, mas ficou totalmente desestabilizado com o seu ferimento, achei que ia acabar surtando. Ele realmente gosta de você — afirma, se afastando de mim e seguindo para a mesinha branca que há no canto, de frente para a porta e de costas para o armário de vidro que contém diversos frascos.

— Ele estava comigo quando aconteceu tudo, estava se sentindo culpado — explico.

— Audrey, de alguém que sempre observou as pessoas para alguém que ainda está conhecendo o mundo: ele não estava se sentindo culpado. O sentimento ali é mais forte e poderoso.

Engulo em seco e me sinto levemente confusa. Ela é mais sutil que Lettie, mas subentendo o que diz. Ou as duas são amigas íntimas e tiraram a semana para ficar falando nesse assunto em específico ou... ou nada, não consigo pensar em outra possibilidade.

Se ela concorda com Lettie, significa que não existe nada entre Lucas e ela?

E por que isso me deixou animada?

Fecho os olhos momentaneamente para dissipar a confusão que me toma.

— Obrigada por tudo, Verônica e desculpa pelo incomodo que gerei.

— Não tem o que agradecer e nem do que se desculpar. — Seu sorriso ilumina seus olhos de um jeito encantador. Verônica poderia estampar os cartazes que ficam em frente as lojas de roupas, de tão linda que é. — E pode me chamar de Vê, Dri.

Minhas sobrancelhas se arqueiam ao ouvi-la me chamar da forma que as crianças me chamam. Aparentemente o apelido já se espalhou nos últimos dias.

"Pode me chamar de Vê."

Sorri ao perceber que ela me pede algo simples, mas que significa muito. Quantas pessoas me pediram para chamá-las por seus apelidos? Ninguém além da Lettie porque até então nunca fiz parte de nada. Eu era a prisioneira do rei e prisioneiros não podem ter intimidades com empregados. Eu era a futura noiva do príncipe e alguém que será da realeza não se encaixa com os menos abastados.

Mas aqui...

Aqui sou a Audrey, alguém sem família de sangue ou nome importante. Audrey, irmã de consideração de um órfão, melhor amiga de uma ruiva alegre e amiga de um homem que perdeu a todos. Sou semelhante a eles, não alguém de fora. Aqui posso ter apelidos e tratá-los de forma carinhosa.

Cerro os dentes pela súbita vontade de chorar. Respiro profundamente e estico meus lábios.

— Obrigada, — agradeço e sigo para longe.

Quando dou conta de meus passos, estou no telhado, observando o céu azul que está sendo tomado por estrelas tímidas. O anoitecer é lindo, mesmo depois que o sol sumiu, levando com ele os diversos tons que encerram o dia.

Nunca achei que me sentiria tão bem acolhida em um lugar que me confunde. Amo o Abrigo, mas não posso simplesmente fingir que é tudo normal, sendo que estamos na Consolidação. Vivo em conflito comigo mesma, já que uma parte — a maior — não se importa muito, não mais pelo menos. Pra que me importar com o fato de termos tantos e eu encontrei meu lugar no mundo? Pra que me preocupar com a origem dos remédios que me trataram quando ganhei uma família?

Esperança na Liberdade [COMPLETO E EM REVISÃO] - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora