Capítulo 23

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Audrey


Com o cair da noite e o frio invernal, as pessoas do Abrigo tiveram a brilhante ideia de fazer uma fogueira. Uma fogueira enorme. No meio do Abrigo. Um espaço com telhado. Fechado. Com pessoas dentro.

Uma loucura.

Se tivessem pedido a minha opinião, diria que perderam a cabeça por cogitarem tacar fogo em madeiras dentro do galpão. Já seria loucura fazer isso do lado de fora, onde a fumaça atrairia atenção indesejada.

Contra tudo o que eu tinha certeza, o ambiente não fica tomado pela fumaça e um calor gostoso chega até onde estou, em pé, há poucos metros da tal fogueira. Muitos se acomodam ao redor, sentados juntos em cima de mantas enquanto saboreiam a última refeição do dia, sopa com pão.

Fico tentada a acompanhá-los, mas sentar-me no chão me parece uma péssima ideia nesse momento. Já faz um tempo que meu ferimento começou a doer, apesar de ter ido procurar Verônica e tomado algumas pílulas, a dor não se foi. Ir para o chão seria muito esforço e, Marcos e Lucas teriam razão ao dizerem que eu deveria ter descansado um pouco.

Como se fosse possível tal ato após dois dias dormindo, alguns pontos no corpo e muitas questões na cabeça.

Esse lugar é muito estranho.

Não sou uma especialista no mundo. Não conheço muito da vida, mas tem algo que já aprendi. A vida não é fácil. Esse país não é fácil. E mesmo com toda a dificuldade do mundo, aqui estamos em um lugar clandestino, com muitas pessoas, comida para todas, água encanada — que Lucas explicou e eu não acreditei muito —, energia elétrica e remédios.

Esse último é o quemais incomoda. Não que eu seja uma ingrata, os remédios me ajudaram com esseacidente, mas eles são caros e de difícil acesso. Como eles podem terremédios?

E mais além, como conseguem ter uma enfermaria tão equipada quanto a do palácio? Quando fui atrás de Verônica e informaram que ela estava na enfermaria, esperava encontrar uma salinha com curativos empilhados e a morena no meio. No entanto, encontrei toda uma ala, em cores claras e com diversas camas — que não aparentavam ser confortáveis — e com direito a armários com frascos dentro. Todo o ambiente me lembrava a enfermaria no palácio que eu havia visitado uma vez quando mais nova.

As pessoas daqui são gentis em me oferecer abrigo, mas eu não posso fingir que não há algo errado. O detalhe é descobrir o que está errado.

— Ei! — a voz grave soa atrás de mim. Mesmo com o pouco tempo de convivência, meu corpo reconhece a voz de Lucas, mas reconhece de uma forma estranha, um arrepio por toda espinha e uma leve acelerada em meu coração. Se bem que não posso atribuir essas sensações apenas pela voz dele, seu cheiro maravilhoso também me desconcerta.

Olho em sua direção e tento analisar qual dos dois Lucas de hoje terei. Primeiro ele havia defendido a minha permanência fora do quarto, para que eu não passasse o dia trancafiada. Depois ele queria que eu subisse de qualquer jeito. Confesso não ter entendido sua mudança de ideia e não a apreciei.

— Oi — respondo, quando ele para em minha frente.

Ele parece agitado, julgando pela quantidade de vezes que passa as mãos pelos seus cabelos, os jogando para trás. Me pego pensando como seria se ele prendesse os prendesse. Será que passaria a mão da mesma forma? Não creio que descobrirei, nunca o vi os prender e duvido que o faça.

— Desculpa — ele pede. Seus olhos de chocolate brilham em expectativa. — Eu estava nervoso e cansado e quando a vi cambalear... Eu exagerei.

— Pedido de desculpas aceitas. — Seu sorriso começa tímido e logo toma toda a sua face. — Você se preocupa comigo e fico feliz por isso. Existem poucas pessoas no mundo que se preocuparam com a minha existência.

Esperança na Liberdade [COMPLETO E EM REVISÃO] - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora