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|| Manuela Costa Brava ||

André estava andando pra lá e pra cá enquanto eu escovava boteco. Ele estava falando sem parar, pois não acreditava que realmente nossa mãe iria mexer na herança do nosso avô por culpa dele.

Depois que o Dr. João foi conversar com a minha mãe sobre a situação de André, ela me chamou pra falar sobre dividir a herança entre eu e meu irmão, ela já tinha planos para que essa herança fosse pra gente, mas não achou que ainda era o momento certo, a não ser hoje. Meu irmão não tinha onde dormir, com o dinheiro dava pra ele arrumar um cantinho pra ele. Talvez ele arrumasse uma casa, e um amigo para dividir as despesas, e com calma procurar um trabalho.

Mas André não tinha gostado da ideia, e eu não entendia o porquê disso.  Enfim termino de escovar boteco e dou atenção para meu irmão, ele também estava surtando pelo fato de Heloísa o ter chamado pra ir com ela, em sua viagem.

"André chega, ok? Você não é uma garotinha pra ficar surtando desse jeito." Digo a ele, que me olha feio. Continuo; "Olha a mamãe ia dar esse dinheiro pra gente, cedo ou tarde. Então aceita e para de ficar fazendo doce, você precisa do dinheiro. E segundo, por que você ta tão relutante com a viagem da Heloísa?"

"Eu não sei se vou aproveitar muito bem essa viagem."

"É claro que vai."

"Não vou não."

"Ah,então você quer deixar a Heloísa sozinha? Ela pode conhecer um gringo melhor do que você."

"Para. Não tá ajudando."

"André, pelo o que você me falou, essa viagem é importante pra ela. Ela já adiou muito isso  e agora ela precisa realizar isso, ela te chamou pra ir junto, ela quer você lá com ela. Não deixa ela, não ir nessa viagem por sua causa."

"Eu vou. Eu disse pra ela que ia."

"Vai mesmo? Ou vai amarelar? Ou vai ficar reclamando a viagem inteira, e estragar o momento dela?" Pergunto a  meu irmão que abaixa o olhar.

"Eu queria ficar, organizar minha situação antes de pensar em sair de girassol pra qualquer coisa."

"Eu acho que você precisa de um tempo fora daqui. Quem sabe quando voltar o papai não tenha mudado de idéia? Ele tá sentindo sua falta."

"É mais fácil o mundo acabar, do que ele voltar atras no que disse. E mesmo que ele faça isso, eu não quero só isso. Quero que ele aceite o que eu escolhi pra mim. Aí sim, podemos voltar a se falar."

Respiro fundo, não queria discutir com meu irmão por ele estar sendo teimoso. Eu não tinha dito a ele, mas estava morrendo de medo, de quando ele voltasse a montar o pior poderia acontecer. Isso estava me matando. Talvez ele devesse parar, mas eu não sabia como dizer isso a ele, sabia como ele amava montar. Mas as coisas eram diferentes antes do acidente,quando a gente passa por situações assim, a gente quer preservar ainda mais nossa vida. Mas acho que meu irmão não concorda com isso. Ou gosta desse risco.

"André, pega a grana do vovô, vai nessa viagem aproveita cada minuto de tudo que você ver, e aproveita todos os instante que você passar ao lado da Heloísa."

"Será que enquanto eu estiver fora, você consegue arrumar um canto pra mim? Claro se não for incomodar minha linda irmãzinha."

Reviro os olhos, acho que Heloísa esqueceu de dizer pra André que ele é folgado também.

"Eu vou pensar no seu caso."

"Obrigada maninha." André me abraça. Ainda abraçado ele me diz. "Eu fiquei sabendo que o Felipe deu trabalho pra você."

"As vezes eu odeio cidade pequena, por causa disso. Língua grande desse povo." Me afasto de André, e me aproximo de boteco.

"O que aconteceu?" Meu irmão pergunta e pelo seu tom de voz, ele estava preocupado. Eu não queria contar o porquê de tudo aquilo, mas eu não podia simplesmente dizer que foi uma bebedeira rotineira. André já tinha cismado com Felipe antes, essa cisma não podia voltar agora.

"O Felipe tinha bebido além da conta, pra afogar seus sentimentos. Já que era o aniversário de morte da noiva dele." André arregala os olhos.

"Uau." André diz, ele fica em silêncio por alguns instantes. Até voltar a falar. "Não é estranho isso pra você?"

"É. Mas é uma parte do Felipe que nao da pra apagar da vida dele. Esse passado doloroso faz part dele, ele  teve uma história com alguém muito especial que foi interrompida por uma fatalidade.  E Ele tá seguindo em frente, de verdade.  Mesmo que ele fique mal toda vez nessa data. Eu tento me por no lugar, eu ia querer ter alguém que entendesse esse sentimento, e me ajudasse."

"Mas será que nessa você não vai se machucar?"

"Não tanto quanto ele tá machucado hoje. Eu sei que um dia isso pode simplesmente  acabar por causa do passado dele, ou por outro motivo. Mas vai ser mil vezes pior pra ele, do que pra mim. Eu posso superar. Ele não."

"Você ama ele, não é!?"

"Amo. Mas não vou dizer isso a ele."

"Você nem precisa dizer. Ele já percebeu isso, no momento que você ficou com ele, em meio ao caos dele." Ele sorri fraco e da de ombros.

Meu irmão tinha razão, pela primeira vez na história. Ele tava certo.

Eu amava o Felipe, e ele ja sabia disso. Mas será que ele também me amava, apesar de tudo?

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