Movi rapidamente minhas mãos em direção ao meu estômago, imaginando que poderia haver órgãos que poderiam sair pelo buraco deixado pela mão do alienígena.
Apesar de tudo que eu já havia passado e vivido, ainda me impressionava ao levar sustos como este!
Olhei para o elfo percebendo seus olhos puxados me olharem arregalados. Agora sim, eu havia entendido. Esse treinamento, pelo visto, seria muito mais que um treinamento de lutas e filosofias.
— Mentira que você passou a mão dentro de mim!
— Mentira que ainda te impressionas com isso! — Mais uma vez sua gargalhada alta se espalhava pelo lugar.
Ele tinha razão! Nossa! Claro! Lembrei-me do dia em que o Bruno atravessou minha parede, entrando e saindo do meu quarto como se fosse um fantasma. Naquele dia não me preocupei em perguntar como ele havia feito aquilo, pois minha preocupação era outra: tê-lo perto de mim. Mas agora era diferente: eu estava aqui para aprender.
— Me ensina! — Era impossível conter a empolgação!
Olhando fixamente para mim, Jagnar me acessava profundamente, certamente medindo meu entendimento. Eu podia sentir que ele estava observando atentamente a quem ele ensinava... se a mim ou à Réptil que já havia iniciado seu despertar e a qual eu tinha a obrigação de conter se quisesse conhecer Ishtar-Tiam.
— Já sabes que tudo que há é feito de energia. Não há lugar vazio no universo. Tu não és exceção. — Ele falava como um professor.
— Tá, mas... Me ensina! — E eu queria objetividade e rapidez.
— Entender vem antes de agir, criança. — Ele me olhava daquele jeito atento novamente.
— Criança quer aprender. Vai, me ensina! — Eu ria um riso ansioso.
Eu não queria perder tempo com filosofia galáctica ou física espacial, ou seja lá o que for. Era só me dizer o que fazer e pronto. Simples assim.
Me olhando fixamente, Jagnar moveu seus lábios em um pequeno bico que rapidamente se desfez logo antes dele falar.
— Por hoje é só. Medite sobre o que experimentamos hoje e amanhã tu serás chamada para mais uma lição comigo. Darnlanik!
Como assim, “vá em paz”? Acabou? Justo no momento em que estava ficando bom!
Senti a intenção em Jagnar. Ele achava que eu não estava com o estado mental adequado para aprender o que ele tinha para ensinar. Isso não era brincadeira e eu estaria aprendendo habilidades importantes para a causa e conhecimentos sobre o universo que mudariam ainda mais minha percepção da realidade. Não pude deixar de sentir uma boa pontada de vergonha.
— Naj-Darnlan... — Eu disse, resignada, com voz miúda a resposta que significava “permaneçamos em paz” enquanto o via desaparecer como se nunca tivesse estado aqui.
Diante dos meus olhos, o lugar onde ele estava ficou vazio de um segundo para o outro. Essa é outra coisa que ele teria que me ensinar, com certeza.
Sozinha e em pé no meio do salão, me dei conta de que a fase de repouso e adaptação havia passado. Era hora de fazer algo de útil para ajudar do cotidiano das cavernas, que, aliás, estavam estranhamente vazias nessa hora. Onde estavam todos?
Caminhei em direção ao salão alto onde os vegetais eram cultivados, na esperança de poder cuidar de algumas plantas que, carinhosamente, me alimentavam.
Enquanto eu caminhava, pensei no Wellington e no seu irmão. Não pude deixar de pensar no pessoal da comunidade. Como estariam todos eles agora? Tentei expandir minha consciência até o morro, mas era como se eu batesse em uma muralha que me impedia de ir além. Era como se eu estivesse presa nesse lugar.
— Não presa. Protegida.
A voz de Vunteran adentrou minha mente com suavidade. Às vezes me sentia como se estivesse em um reality show onde todos sabiam onde eu estava, o que estava fazendo e pensando. Mas, na verdade, eu sabia que não era bem assim. Falar e acessar as pessoas era como fazer ligações entre mentes. Ninguém ficava ouvindo o pensamento dos outros ou bisbilhotando aqui e ali. Não havia propósito e nem interesse em pessoa alguma fazer isso. Todos confiavam que cada um respeitaria o espaço um do outro, simplesmente porque era assim que deveria ser e era assim que todos agiam. E isso era tão natural quanto respirar.
— Quero saber como estão meus amigos.
— Estão todos bem. Nenhum deles pereceu no conflito o qual foi esquecido por cada um deles. Seus amigos acreditam que você está em outro país, em viajem de intercâmbio pela faculdade, por pelo menos um ano. Estão felizes por você.
— Um ano! Então eu ficarei um ano sem vê-los?
A ideia de perder contato com todos por tanto tempo me trouxe um vazio no peito e a vontade de chorar de saudade.
— O tempo não existe. É apenas uma referência nessa dimensão.
Como o tempo não existe? Claro que existe! Por isso pessoas envelhecem, plantas crescem, metais enferrujam. Tudo tem uma relação com o tempo. Não dá para imaginar uma realidade sem tempo! Preferi deixar o assunto para lá ao invés de debater sobre a estrutura do tempo com ele.
— E onde eles acham que estou?
— No país que chamam de Estados Unidos da América.
— Vocês hipnotizaram todos para que pensassem assim? — Como se coloca uma informação como essa na cabeça das pessoas? Como é possível manipular a vida e a cabeça das pessoas como se fossem computadores reprogramados, como se suas lembranças fossem meros rascunhos.
— Não nós. Os Manahti criaram uma realidade nas consciências dos seres na esfera de relacionamentos da qual você e Masnik participaram. Foi uma forma de remediar as consequências do ocorrido, enquanto lidam com o seu desaparecimento.
— Desaparecimento? Como assim, desaparecimento? — Mas eu não sumi. Sumi?
— Os Manahti acreditam que você, assim como da vez em que se projetou para a rocha, transportou-se para algum lugar do tempo e do espaço ainda desconhecido. Estão procurando você com a ajuda de Masnik. Uma das teorias, na qual os Thrazi depositam sua fé, é a de que você foi, de alguma forma, destruída.
Muita informação de uma vez. Então, para os meus amigos eu estava estudando no exterior enquanto que para os Manahti eu estava sumida, sendo que os Thrazi torciam para eu estar morta, mas na verdade eu estava escondida em um sistema de cavernas imensas no subterrâneo do estado do Amazonas em meio a um treinamento Ishtar conduzido pelos Shey! Wow!
Parei no meio do caminho, no lugar onde eu estava, sentindo como se toda a energia de meu corpo estivesse migrando para meu cérebro para dar conta do processamento de tanta informação.
— Você e seus amigos estão seguros. Relaxe, Ishtar.
Sim... Relaxar. Respirei profundamente e voltei a caminhar lentamente, como se fosse a única coisa a fazer agora.
— Sim. Seguros. Obrigada pela informação. — Minha voz saiu sem emoção. Eu não sabia ainda o que sentir, o que pensar...
Enquanto eu caminhava, eu podia perceber a presença invisível e silenciosa de Vunteran me observando e acompanhando.
Após muitos passos, que pareciam bem poucos, me encontrei contemplando o grande salão cheio de plantas cujo teto não dava para ver, de tão alto que era. As esferas replicadoras de energia do sol passeavam sobre os diversos arbustos e árvores que cobriam tudo de verde. Diferentemente das plantações da superfície, não havia separação entre tipos de plantas. Todas se misturavam em uma grande miscelânea verde. Pequenos seres voadores passeavam entre elas, transferindo pólen de uma para a outra e contribuindo, como todos, com seu trabalho.
O perfume aqui era delicioso. A vibração das plantas parecia deixar tudo mais leve e tranquilo.
Entrei no meio do verde, percebendo pequenas trilhas que se espalhavam por toda a parte sobre o chão de terra preta e roxa. Eram trilhas formadas pelos pés daqueles que trabalhavam colhendo e preparando o alimento para os demais habitantes desse lugar.
Enquanto eu olhava ao redor, percebi um cesto enorme se movendo em minha direção. Não demorou para eu perceber uma senhora bem magra e cerca de dois palmos mais baixa do que eu. Seus olhos eram grandes e brilhantes, sua pele era muito clara e suas bochechas mostravam a protuberância dos ossos de sua face. Com dedos longos, ela me estendeu uma cesta e, com um sorriso quase imperceptível, me transmitiu sua intenção: “junte-se a mim”. Ela era linda e não parecia ter mais que 60 anos. Mas eu tinha certeza que, na verdade, ela era muito mais velha do que aparentava.
Ela sabia que eu era nova aqui. Além disso, minha aparência real destoava completamente da aparência dos habitantes daqui. Mas, mesmo assim, eu não era tratada de forma diferente. Ela queria me integrar ao trabalho e eu precisava disso.
Com alegria, apanhei o cesto e a acompanhei, caminhando por entre a vegetação densa e perfumada.
A longa trança solitária de cabelos prateados e luminosos parecia acariciar suas costas enquanto ela caminhava.
A mulher se movia suavemente, como se dançasse por entre a vegetação. E eu observava, animada, cada gesto dela em relação a mim e às plantas. Sua atitude era a de alguém que alegremente compartilhava o que sabia para que eu pudesse aprender e colaborar com o todo, e eu era grata por isso assim como ela era grata por eu estar ali.
Sempre que parava após uma curta caminhada, ela ficava por algum tempo diante da planta, como que pedindo sua autorização. Após um segundo, ela estendia sua mão e se abaixava para colher o fruto que se soltava como se estivesse sendo entregue àquela senhora. Nesse suave gesto, sua trança levemente deslizava para frente de seu ombro, como se quisesse cumprimentar a planta também.
Logo após colher o primeiro fruto, ela gesticulou para mim com a cabeça, me transmitindo que eu deveria continuar o serviço. Então, me posicionei onde ela estava, enquanto a mulher, atenta, observava meus movimentos.
Eu me aproximava e acessava a planta que parecia já me aguardar. Em seguida, a planta me acessava de volta, com assertividade e doçura.
Era como se a planta fosse muito mais antiga do que eu poderia imaginar. Ela carregava a memória de seus antepassados, como se fossem dela, a mesma planta eternizada através de suas sementes.
Ela me acessava como se fosse ela a querer algo de mim, com a curiosidade de quem já viu muito e, mesmo assim, estava ansiosa por ver mais. Eu era a novidade que essa planta ansiava em conhecer.
Suas folhas eram pequenas e grossas, com beiradas brancas, delicada e bela. Percebi que não se tratava de um pequeno arbusto e sim de uma grande planta que se espalhava por uma boa parte daquela caverna.
Era como se ela olhasse para mim, intensa e fixamente, enquanto eu a admirava de volta. E esse ser, tão antigo, nobre e humilde, se dedicava a produzir frutos para nos alimentar.
— Obrigada. — Eu disse, emocionada pela gratidão e admiração.
Para minha surpresa, eu senti quando a planta se comunicou comigo.
— Eu agradeço a você por me receber com gratidão.
Meu peito se aqueceu e eu tive vontade de abraçar cada galho e folha. E a planta, ao perceber, emanou um perfume delicioso enquanto se conectava comigo através do que eu sentia. Nesse momento, era como se o tempo tivesse parado. Ou melhor, era como se ele não existisse e foi então que entendi um pouco do que Vunteran disse sobre o tempo não existir.
Minha mão se estendeu para a planta que parecia me indicar quais frutos eu deveria tocar e colher. Quando meus dedos se aproximavam, era como se o fruto se soltasse para que viesse ao encontro da minha mão. Eu simplesmente sabia quais eram os frutos certos para retirar. A planta estava em mim.
Algum tempo depois, com o cesto já quase cheio, abaixei e aspirei profundamente o delicioso aroma. A folhagem parecia me envolver e era muito bom.
— Obrigada, planta.
— Sahtin.
— Obrigada, Sahtin. Meu nome é Brigitilene.
— Obrigada, Brigitilene.
Eu havia feito uma nova amiga!
Retirei as sementes que eu levava dentro do bolso, como quem carrega os embriões de uma nova vida. Coloquei-as no chão ao meu lado e cavei um pequeno buraco com as mãos. Em seguida, deslizei minha mão sobre o chão, depositando as sementes com cuidado no buraco que eu havia acabado de fazer.
— Amanhã volto para ver vocês, bebês.
Levantei e me virei para dar de cara com a mulher que, por todo aquele tempo, permaneceu parada ao meu lado. Ela estava satisfeita em ver como Sahtin e eu nos conectamos tão rapidamente. Seu trabalho comigo havia acabado e então ela se virou, permitindo que sua trança deslizasse do ombro para as suas costas e se afastou de mim, parando perto de um arbusto para colher frutos os quais depositava no bolso de seu avental.
Caminhei em direção a uma das grandes mesas que se espalhavam por aquela caverna sobre trilhas maiores nas quais dava para ver com ainda mais clareza os tons de preto e de roxo da terra. Outros seres, semelhantes à mulher que me acompanhara, separavam os frutos, enquanto outros os transportavam para uma grande pedra um pouco mais afastada de onde estávamos.
Essa pedra se assemelhava a uma enorme estante circular de cor quase branca, que ficava ao lado de uma parede alta, mas não alta o suficiente para tocar o teto, com certeza. Assim que os frutos, assim como raízes e enormes vagens, a tocavam, uma frequência fazia a superfície da pedra vibrar e então, cada fruto deslizava para uma abertura em um dos lados da parede, onde desapareciam.
Aquilo era algum tipo de máquina. Fiquei por um tempo observando cestos de alimentos serem depositados sobre a pedra e seguirem pelo mesmo trajeto até desaparecem na parede.
Quando eu estava prestes a dar a volta e tentar descobrir o que acontecia atrás da pedra, senti uma vibração muito familiar tocar a minha consciência.
O Bruno retornou.
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Nova Ordem (Livro #2)
Science FictionEm Nova Ordem, a sequência de Nova Drasskun, Brigitilene é agente da causa Shey infiltrada na Sociedade, o governo oculto. Ela terá que descobrir o máximo que puder para derrotar os opressores da Terra, enquanto controla a réptil dentro de si, a fim...