Capítulo 4

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Oi!?

Como assim, lutar as batalhas dos felinos? Eu sequer havia começado a lutar minhas próprias batalhas!

— Mas eu fiz nada!

— O seu gesto de resposta fez.

Bruno respondeu em voz baixa e comedida, como se estivesse pensando em alguma forma de remediar o que eu havia feito.

Cláudia mais uma vez tomou a frente em me explicar o que tinha acontecido.

— O gesto de saudação feito por Monikin, representante de Cramos, significa “ofereço minha força em sua batalha”. O gesto que eu e o Bruno fizemos significa nossa aceitação da oferta com gratidão. Você não só aceitou, como ofereceu sua força ao povo dele da mesma forma que ele ofereceu a dele à causa.

Eu me enfiei numa enrascada sem saber...

— Você sabia. Só não estava consciente de que Ishtar-Tiam deseja lutar por Cramos.

Vulteran poderia ter me avisado antes.

— O que eu faço agora, Bruno?

— Preparar-se. Eu te ajudo.

Lembrei-me imediatamente das imagens que resgatei nas memórias de Hashimea, a Réptil cujo DNA está em minhas células. Nessas memórias, o dragão alado Masnik, o meu amigo Bruno, a ensinava a lutar como uma guerreira. O que ainda há para buscar em minhas células? Certamente Hashimea ainda tem muito para me ensinar... E agora o mesmo dragão se oferecia, como Bruno, para me ajudar a me tornar uma guerreira...

— Nós ajudamos.

Meus devaneios foram interrompidos por Cláudia que pelo visto não ficaria fora dessa e me ajudaria a ficar pronta para uma eventual guerra em Cramos.

— Obrigada, vocês dois. Espero que Cramos seja um lugar pacífico.

O silêncio dos meus amigos berrou que não era bem assim. Senti que a urgência em aprender o máximo, e o mais rápido possível nesse treinamento Ishtar só aumentava.

— Quando começamos?

Sorri tentando replicar a mesma empolgação que Cláudia demonstrava de forma nada contida. Eu sentia que ela, assim como muitos outros, tinham certa expectativa quanto a mim. O que eles sabiam de Ishtar-Tiam era muito mais do que eu poderia imaginar. Minha grande dúvida é se eu poderei corresponder a essas expectativas.

— Assim que descansarmos um pouco, começaremos.

Bruno parecia agora mais determinado que há um segundo. Era como se o dragão nele resolvesse tomar a frente, como uma reação instintiva frente a uma situação de necessidade. Talvez ele mesmo também tivesse que lutar contra o Réptil dentro dele.

Olhei para meus amigos e senti um ligeiro peso no meu peito, como se isso tudo estivesse se tornando grande demais para mim, seja lá quem eu fosse ou quem eu viesse a me tornar.

— Sim! Vocês dois devem estar cansados!

Eu ainda forçava um sorriso e uma empolgação na tentativa de afirmar Cláudia e confortar o Bruno, que estava com um olhar focado e profundo que eu não havia percebido antes. Estranhamente, ele não me deixava acessá-lo, como se quisesse ficar sozinho.

— Eu, mais faminta que cansada. Vamos ao rancho.

Cláudia mudou o foco de minha preocupação ao falar em comida. Assim percebi que eu realmente poderia comer alguma coisa agora.
Olhei para o Bruno com o mesmo olhar empolgado que a Cláudia olhava para nós, aguardando que ele viesse conosco até o restaurante. Essa seria a primeira vez que eu comeria no rancho. Até então minha comida era gentilmente levada até mim, estivesse onde eu estivesse.  Para estranhamento meu, ele caminhou em direção à parede ao lado do grande corredor pelo qual eu havia chegado. Cláudia o seguia, sem demonstrar estranheza alguma. Me ative a segui-los sentindo que a estranha nisso tudo era eu.

Tão logo se aproximou da parede de pedra, Bruno deslizou sua mão direita sobre pequenos símbolos incrustados na rocha enquanto olhava para o grande corredor. O que ele queria, afinal?

No segundo seguinte uma espécie e holograma se projetava a partir da parece no corredor. O que surgia era um transporte que se assemelhava a um grande ovo com paredes translúcidas. Dentro dele eu podia ver claramente dois pares de acentos, uns de frente para os outros. Por essa eu não esperava! Eu acabara de ver um ovo holográfico gigante, aparentemente um transporte, saindo pela parede. 

Cláudia caminhou adiante de mim e adentrou e veículo, atravessando sua parede holográfica e sentando-se em seguida sobre uma das poltronas que eram simples, mas pareciam ser extremamente confortáveis.

Eu estava caminhando, seguindo Cláudia, enquanto observava o objeto que nos levaria até o rancho.

Mal percebi quando o Bruno se colocou ao meu lado como se aguardasse que eu entrasse primeiro.

Com uma mão na parte mais baixa de minhas costas, me conduziu até a poltrona que ficava de frente para a Cláudia, sentando-se ao meu lado em seguida.

Tão logo todos sentamos, o veículo começou a mover-se em considerável velocidade, uns oitenta quilômetros por hora, talvez.
Percebi que o pó acinzentado sobre o chão era na verdade algum tipo de condutor para o veículo. Percebi que essa trilha era a estrada desse ovo.

Deslizei minha mão na parede percebendo que ela não era mais meramente um holograma e que parecia totalmente sólida agora.
Olhei para o Bruno na intenção de perguntar sobre o funcionamento dessa máquina. Mas ele já sabia o que eu queria.

— Ele responde ao comando empático. Nós somos o piloto e o volante.

— Somos parte do veículo?

— Sim. A tecnologia daqui não existe sem a nossa vontade.

— Então dá pra imaginar um avião que ele aparece?

— Não. Um avião é tecnologia obsoleta de uma civilização atrasada sob diferentes aspectos. A tecnologia não responderia a isso. Você precisa conhecer a tecnologia para interagir com ela.

— Como um menurac?

— O menurac é um instrumento de combate. A tecnologia de que falamos favorece a vida. A forma de interação é parecida, mas o propósito é totalmente diferente.

Percebi que conceitos do meu despertamento Réptil não se aplicavam aqui e que por mais que eu achasse que já havia visto muito, na verdade eu partia do zero nesse lugar.

— Chegamos!

O aviso de Cláudia me fez voltar o olhar para a imagem em volta do pequeno transporte. Ao nosso redor outros ovos paravam encostados na parede de pedra. Observei que tão logo os seres saíam, o pequeno veículo se tornava translúcido e desaparecia como se fosse absorvido pela parede.

Logo, também descemos do nosso ovo e nos juntamos aos outros seres que caminhavam no mesmo corredor em direção ao rancho.

O rancho não era tão grande quanto os demais lugares nessa rede de cavernas gigantes. Aqui o lugar era menor e mais aconchegante, cheio de mesas de diferentes tamanhos tanto em largura quanto em altura. Certamente, eram mesas reservadas para seres bem maiores. As cadeiras não possuíam encosto mas nem por isso eram menos confortáveis, eu assim simplesmente sabia.

Os seres que chegavam se dirigiam a uma espécie de totem de pedra que tinha uma grande endentação no seu centro, como uma espécie de prateleira.

Observei que os seres tocavam a lateral do totem com a palma da mão para em seguida uma tigela se materializar na prateleira.  Era tudo rápido, não havendo a oportunidade para que filas se formassem.

Nos dirigimos a um desses totens. Cláudia chegou primeiro e logo tocou a lateral do totem, retirando em seguida uma tigela de vidro com o que parecia ser flocos de nuvem dentro.

Certamente sentindo que eu precisaria de ajuda pra isso, o Bruno deu uma rápida olhada para mim enquanto tocava sua mão no totem. Imediatamente uma tigela de vidro se formou com o que parecia ser uma salada de pequenos grãos redondos, como uma espécie de arroz translúcido, com pequenas raízes de diferentes cores que me faziam lembrar as larvas que comemos no restaurante Réptil dentro da livraria subterrânea.

Tive medo de que a máquina de pedra me desse uma tigela cheia de larvas e camundongos. Eu acho que não quero comer nada agora...

— Aqui comemos o que é cultivado no subterrâneo. A máquina somente transforma o que se colhe para que seja metabolizado adequadamente por quem vai se alimentar. Fique tranquila.

Reuni minha confiança e toquei a lateral da máquina de pedra com minha mão esquerda, deixando a mão direita livre para pegar a tigela. Assim que a toquei, senti uma leve vibração percorrer a palma da minha mão, como se uma corrente emanasse da máquina para minha pele. No segundo seguinte uma tigela de vidro de cor âmbar se formava diante dos meus olhos, como se fosse impressa de baixo para cima em um movimento circular e muito rápido. Logo tudo havia terminado e então eu colhi a tigela e segui o Bruno até a mesa onde Cláudia já nos aguardava.

Quando finalmente estávamos todos sentados, é que me dediquei a analisar o que eu tinha para comer.

Minha tigela estava cheia do que parecia ser a salada do Bruno com os flocos da Cláudia, só que em tamanho bem menor e mais volumosos, como pequenas bolinhas de algodão doce.  Um óleo cobria tudo, como o tempero da salada que, por sinal, estava muito atraente aos meus olhos.

— Prove!

Cláudia me encorajava a seguir em frente. Ela parecia curiosa para saber minha impressão sobre aquela comida.

— Considerando o que ela já comeu, esteja certa de que a Brigitilene não vai estranhar essa comida, Kashia.

Então Cláudia também tinha seu nome nativo. Bom, eu não poderia invejar ninguém em relação a isso. De todos que eu conhecia, acho que somente eu tinha três nomes ao invés de dois.

A risada de Bruno não teria me pego de surpresa se eu estivesse mais concentrada. Não pude evitar rir também... ou chorar, não sei ao certo.
Agora quem ria era a Cláudia, que certamente acompanhava minha atitude e talvez meus pensamentos.

Olhei ao redor ainda sorrindo e observei os outros seres que ocupavam o rancho.
Todos em suas diferentes formas, mas lembrando muito a figura humana. Alguns tinham mais cabelo que outros enquanto boa parte tinha cabelo nenhum. Alguns se mantinham mais isolados enquanto outros interagiam normalmente, como pessoas interagem. A comunicação era basicamente telepática, a forma padrão de comunicação entre as espécies não humanas. Mas na minha mesa nos comunicávamos verbalmente, o que me pareceu muito retrógrado.

Observei que muitos do que estavam no rancho eram híbridos entre humanos e outras raças. Assim como eu e Bruno, havia muitos outros que haviam sido fabricados. Senti uma pontada de tristeza em saber que muitos deles não tiveram família. Eu pelo menos tive uma mãe. Mamãe... Minha mãe ainda está presa e escravizada em algum lugar, seja em que dimensão for. E eu fiz nada por ela ainda. A tristeza bateu em mim com força. Como posso estar sentada, rindo e comendo enquanto minha mãe está precisando de mim.

— Tudo ao tempo, jovem Ishtar.

A voz de Jagnar chegou antes que sua tigela tocasse a mesa. Logo ele ocupou o assento vago que parecia pequena demais para ele. Me fazia lembrar um adulto usando uma mesinha de criança.

Percebi que o tom bem humorado que tínhamos à mesa havia desaparecido completamente, mas não por causa da chegada de Jagnar.

— Todos sentimos seu pesar, Lene.

Cláudia me olhava com empatia enquanto Bruno me olhava como se estivesse planejando algo. Era um olhar de determinação, o olhar do Dragão.

— Jagnar, podemos voltar ao treino após a refeição?

Eu mesma não poderia me surpreender mais com meu próprio pedido.

A forma com a qual Jagnar me olhava expressava claramente que ele estava mais ansioso do que eu para recomeçamos. Vi quando ele empurrou sua tigela para o lado e deu um quase imperceptível sorriso com um canto dos lábios, mal tendo tocado na comida.

— Imediatamente, se quiseres.

Com um aceno de cabeça deixei minha refeição sobre a mesa e me despedi da Cláudia e do Bruno, que se levantou junto comigo colocando uma de suas mãos em meu braço.

— Estarei te aguardando em seu quarto quando você retornar. Temos ainda uma caixa para retirar da gaveta.

=====♡☆♡=====

Uhhh.... O que será que tem nessa tal "caixa", hein?

Eu sei, mas só vou contar depois. 😉

Nova Ordem (Livro #2)Onde histórias criam vida. Descubra agora