Deveria haver ao menos umas trezentas pessoas ali reunidas no grande salão decorado com luzes e flores. Enquanto eu contemplava todo o luxo da decoração e das roupas impecáveis, eu sentia como se estivesse diante de outro mundo totalmente alienígena: o mundo da riqueza extrema.
O portal ainda brilhava ao meu redor, como se fosse uma entrada triunfal. Minha veste projetava a imagem de um vestido dourado com minúsculas pedras que atuavam como refletores de luz. Eu apresentava uma imagem quase sobrenatural e era possível perceber que estavam maravilhados diante de mim. Os que demoraram um pouco mais para se curvar foram os que levaram mais tempo contemplando minha imagem.
Olhei para o lado e vi Kuterat ainda em sua gigantesca forma de Dragão. Sua forma verdadeira introduzia-me à presença desses que me reverenciavam como se o gesto de Kuterat fosse a ratificação de quem eu era e o que eu representava. O dragão albino descendente direto de um dos três comandantes que primeiro pisaram Nova Drasskun me apresentava a todos como Ewha.
- Venho somente até aqui. Comandante Masnik assumirá agora, honrada mãe Ewha.
Com uma leve reverência, o dragão deu um passo atrás enquanto eu via Bruno se aproximando. O passo à frente de Bruno parecia coreografado com o passo atrás de Kuterat. Um olhava para o outro e eu sabia que ali se estabelecia alguma conversa telepática.
Logo o Bruno estendeu sua mão convidando-me a segurá-la. Estender minha mão e tocá-lo foi algo automático e quase involuntário. Assim que nossas mãos se tocaram, virou-se para multidão.
- TASST'I EWHA! (honrada Ewha!)
Seu brado imponente dirigido a todos foi seguido por um coro de vozes que repetia exatamente o mesmo, cuja vibração reverberou em meu estômago. Eu era o centro das atenções, a aclamada mãe da nova raça. Não posso negar o prazer que eu sentia e nem a sensação de que estava tudo completamente errado. Minha parte Réptil me trazia o sentimento de que tudo era muito simples e que bastava que eu aproveitasse o momento, pois em tudo havia legalidade.
Olhei para o Bruno que mal olhava para mim de volta, totalmente isolado de todos e de mim também. Ainda lembro-me de como ele se isolou de mim enquanto sua nave partia deixando Ishtar para trás. Sei que não deve ter sido fácil e talvez seu comportamento agora fosse um reflexo de seu estado de recuperação emocional daquela experiência.
- O que é tudo isso, comandante Masnik?
As palavras saíram objetivas e frias enquanto caminhávamos em direção ao centro do salão que parecia haver sido reservado para a primeira dança da noite. Eu precisava entender onde eu estava e o que era isso tudo, e Ewha tomou a frente em obter tal informação.
Bruno olhou para mim com firmeza e gentileza, mas também de forma fria e cautelosa.
- Este é o seu baile de debutante, honrada mãe. Todos vieram para vê-la e recebê-la. A grande maioria dessas pessoas não falará contigo, pois não é merecedora. Somente eu e mais alguns terão a honra esta noite.
Bruno me conduziu para o centro do salão enquanto a música aumentava gradativamente de volume e, então, senti sua mão envolver minha cintura enquanto aproximou-se lentamente de meu corpo.
A música era tocada por uma orquestra que misturava o som melodioso de instrumentos de corda e notas fortes de instrumentos de percussão. Isso aqui é uma espécie de evento de apresentação. Mas para quem eu sou apresentada?
- Não me agrada não ser informada de que eventos participo.
Mais uma vez, o tom e a iniciativa de falar eram totalmente inspirados por Ewha. Ela era forte, poderosa e sabia o que queria.
- Perdoe-nos. De agora em diante toda a informação sobre os planos acerca de Nova Drasskun serão compartilhados contigo, honrada Ewha. Tudo o que foi e tudo o que será. Esse evento é apenas o primeiro movimento de sua introdução às respostas para as suas perguntas.
A ligeira modulação na voz de Bruno me sinalizava que ele falava com Brigitilene. Então era isso: toda a formalidade e isolamento eram devidos a ele estar diante de EWHA, o ser que ele um dia cogitou eliminar, de acordo com as memórias que ele mesmo havia compartilhado comigo. Eu não poderia recriminá-lo, já que eu mesma via outra pessoa em mim.
- Tudo bem com você, Bruno?
Eu falava com ele telepaticamente, retirando de mim a proteção básica para que ele, e somente ele, pudesse me acessar o quanto quisesse.
- Não faça isso com ninguém mais!
Sua resposta, também telepática, foi rápida e abrupta.
- Não se preocupe. Toea me ensinou bem. Manterei nosso segredo.
Apesar de minha atitude, Bruno não baixou sua proteção, mantendo-se totalmente isolado. Certamente ele não confiava em mim.
- Tenha clareza quanto às suas escolhas e decisões. Você significa esperança.
Imediatamente lembrei-me das palavras de Lakun quando me visitou no momento em que eu estava presa na fenda de uma rocha. Aquele foi um dos momentos mais difíceis, porém, mais reveladores de minha vida. Foi quando decidi cortar cordas que aprisionam e não artérias que conduzem vida. A mensagem de Bruno era clara e objetiva.
- Me lembrarei disso, comandante Bruno.
Dei um leve sorrindo sabendo que o Bruno entendia que naquele momento eu me referia ao comandante da nave Shey que me levou à minha primeira missão e a conhecer a Ishtar em mim.
Seu sorriso de resposta foi encantador. Agora ele via Brigitilene quando olhava para mim. Tive vontade de ir embora com ele daquele salão onde todos olhavam para nós, mas eu sabia que não poderia fazer isso.
Nossa conexão foi quebrada pela aproximação de um homem louro, forte e consideravelmente bonito, que colocou sua mão sobre o ombro de Bruno, claramente demandando sua vez na dança. Eu me lembrava desse rosto que não passava de uma mera projeção.
Com um sinal de cabeça e um rápido e frio olhar para mim, Bruno entregou minha mão ao recém-chegado, partindo em seguida.
- Muito bom revê-la, minha Ewha.
A voz rouca e grave de Czanor me trouxe um frio à espinha que logo foi substituído por uma onda de atração elétrica que parecia puxar meu corpo para junto do seu corpo. Controlei-me o máximo que pude a fim de não deixar transparecer o que ele fazia comigo. Mas o pequeno sorriso presunçoso em seus lábios deixava claro que ele sabia muito bem o que o efeito de sua presença me causava.
Lentamente começou a conduzir-me ao som da orquestra que pareceu mudar sutilmente o tom da música.
- Vejo que conseguiu sua liberdade.
Falei com toda a frieza e superioridade que Ewha poderia me conferir.
- Graças à honrada mãe, não habito mais naquela cápsula de sustentação de vida. Obrigada.
Ainda me recordo da compaixão que senti quando Czanor me contou que por toda a vida esteve preso num dispositivo que ao mesmo tempo em que o aprisionava, o mantinha vivo. Graças às interações comigo, dentro do que eu achava serem sonhos, conseguiu adaptar a sua vibração energética para habitar superfície. Eu havia sido útil para seus propósitos.
- Você me ensinou a efetuar algumas tarefas. Então não devemos nada um ao outro.
Lembro-me das vezes em que ele foi minha fonte de informação para que eu pudesse "cortar cordas", como da vez em que salvei Camille do vício em drogas, e como quando ajudei o pai do Rodrigo a perceber suas experiências passadas de outra forma de modo que pudesse desejar sair da prisão e ser um bom pai para sua família. Lembro também de quando Czanor apareceu na minha porta contanto sobre como libertar minha mãe de sua prisão, como uma moeda de troca para que eu o pudesse aceitar como macho reprodutor. Nesse dia usei a força do menurac pela primeira vez, descobrindo posteriormente que eu mesma era o menurac, uma arma de manipulação de energia.
- Ainda devemos algo um ao outro, pequena...
Czanor puxou-me pela cintura colando meu corpo ao seu, me fazendo perder totalmente a força nas pernas, que ficaram bambas como pernas de uma boneca de pano. Meu corpo traidor queria entregar-se totalmente a ele. Meus olhos e os deles travaram uns nos outros como se uma corrente poderosa tivesse nos prendido. Em seus olhos eu via um brilho intenso e selvagem que me fazia tremer por dentro. Um rosnar baixo e rouco de sua garganta foi a gota d'água que me fez responder pressionando meu corpo contra o dele com força, expressando todo o desejo que eu sentia.
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Nova Ordem (Livro #2)
Science FictionEm Nova Ordem, a sequência de Nova Drasskun, Brigitilene é agente da causa Shey infiltrada na Sociedade, o governo oculto. Ela terá que descobrir o máximo que puder para derrotar os opressores da Terra, enquanto controla a réptil dentro de si, a fim...