Silêncio que se lê

Represa

Qual foi a última vez que me deste a honra de receber um elogio teu?

"Tu és forte. Tu és inteligente. Tu és capaz. Tu és esforçada. Tu és talentosa. Tu és compreensiva. Tu vales a pena."

Não me lembro, sinceramente não me lembro, sem querer romantizar, não me lembro de palavras que me abraçassem. Todos os dias sou alimentada com palavras que me mordem, me arranham e me enfraquecem.

"Tu és um prejuízo. Tu és irresponsável. Tu és mesquinha. Tu és egoísta. Tu és chorona. Tu és infantil. Tu és preguiçosa."

Queria não me importar tanto com as palavras, queria que elas soassem como outra língua nos meus ouvidos, queria que perdessem o significado antes de chegar a mim, queria não ser capaz de ouvir nessas horas, mas sou. Sei que me amas, mas a tua boca provavelmente esqueceu disso, me batem com tanta força que nem a pior dor que já senti superam. As tuas palavras não me amam, mas me destroem toda vez que saem, não percebes? Sempre que te vejo ou falo contigo eu choro, choro porque não tenho mais onde guardar as palavras que tu me lanças e elas saem escorrendo pelo meu rosto, enquanto eu tento desesperadamente engoli-las e soluço enquanto insistes em dizer que sou frágil demais. Pelo contrário pai, sou uma represa, sou tão forte que toneladas de palavras estão prezas dentro de mim, todos os dias que te vejo elas aumentam em quantidade, mas a minha barragem é tão forte que eu venho segurando todas elas. Não sei como, nem até quando, mas assim como as hidrelétricas uma hora vou transformar tuas palavras em energia, não mais pra te fazer me aceitar (nem sequer sei se é possível), mas para dedicar a amar pessoas o suficiente pra que eu nunca assassine ninguém com o ódio de algumas palavras.