Friendzone

Lembrança

Fui para casa tomar banho e liguei para a Nora para avisar que a sua filha estava na UTI. Depois fui para a casa da Yasmin e fiquei sentado numa cadeira que estava no quarto do bebê. Ouvia música. Isso me segurava no lugar em momentos assim.

Carta ao remetente - Rosa de Saron

Há quem amou demais

Há quem chorou demais

Quanto tempo não dão atenção ao seu pobre coração?

Não se atreve a falar, não se permite errar

Quem inventou a dor?

Esqueça o ardor, afinal

Se Deus te desse só o amanhã

Pra sentir o que nunca sentiu, sentiria?

Qual seria sua última oração?

Doeu, deixe curar

Ficou, deixe passar

O árduo é trivial

Mas a afeição é etérea

Se Deus te desse só o amanhã

Pra sentir o que nunca sentiu, sentiria?

Qual seria sua última oração?

Mais que uma razão pra se viver

Uma verdadeira causa pela qual morrer

Seja o prólogo de quem viveu a preparar o seu epílogo

E dito, deu fé

Se Deus te desse só o amanhã

Pra sentir o que nunca sentiu, sentiria?

Se de fato fosse mesmo o último adeus

Onde há de estar o seu amor?

E assim, viva como quem soube que vai morrer

Morra como quem um dia soube viver

_ Yasmin _ saiu da minha boca em um sussurro ao fim da música.

Joguei as comidas da geladeira no lixo, aguei as plantas e tirei o lixo. Depois de trancar a casa da Yasmin, voltei para o hospital.

Ver a minha sogra, que sempre me odiou, na sala de espera quando eu cheguei, foi meio intimidador. Parei na porta esperando pela enxurrada de acusações.

Nora tinha os olhos vermelhos e uma expressão zangada e séria ao me fitar. Senti medo. Se ela me acusasse de não ter impedido a Yasmin naquela manhã, assim como eu me acusava, eu não seguraria as lágrimas fáceis em meus olhos. 

Eu desabaria, iria parar nos bares. Provocaria uma briga só pra levar um soco e estravasar a raiva de mim mesmo em um coitado que aceitasse minha provocação. Acordaria me sentindo um lixo por não ter segurado a onda e ficado do lado do meu amor. 

Caminhou para mim rapidamente e pensei que eu fosse levar um tapa de novela mexicana. Quase pude sentir o meu rosto arder quando a loira já estava em cima de mim. Mas os seus braços me envolveram forte e apertado e suspiros de pranto soaram dos seus lábios a altura do meu peito. Afaguei as suas costas consolando-a. 

Ela me fez companhia. Passamos a noite relembrando da Yasmin. Episódios que vivemos juntos na infância, quando éramos amigos. Amigos distantes, por eu ser menino e ela menina. Isso parecia uma barreira tão grande na época. Estranho que agora nos una como imã.