Caixas

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Fecho a tampa de mais uma caixa de papelão. E passo a fita adesiva para que não se abra.

Como não consegui dormir noite passada após chegar do enterro da minha mãe, achei que seria uma boa começar a encaixotar umas coisas dela para dar à caridade... Já que não tem mais ninguém aqui para vestir essas roupas, calçar esses sapatos ou usar essas toalhas.

Uma gota de um líquido incolor cai sobre a tampa amarronzada da caixa de papelão e noto que estou chorando outra vez. Sento-me sobre os meus pés, no chão da sala coberto por um tapete velho que ela adorava, e que eu nunca entendi muito bem a estampa dele. Algo beje em alguns símbolos geométricos em azul royal. Pego mais um lenço de papel, observando uma foto nossa em um porta retrato sobre o rack da TV.

Eu queria muito que doesse menos.

Ergo o olhar um pouquinho mais e vejo pela janela atrás do móvel que já é manhã lá fora. E só lá fora. Porque aqui, nesse apartamento, continua sombrio e frio.

• •

Okay. Já encaixotei alguns objetos pessoais irrelevantes; livros, roupas de cama e algumas bolsas vazias que nem mesmo ela usava. Não fazia ideia de que mamãe era tão acumuladora.

Me abaixo, pegando mais uma caixa vazia do chão e indo em direção ao último lugar que eu queria entrar. Talvez seja por isso que eu me demorei tanto nos outros cômodos da casa, porque, inconscientemente, eu estava evitando entrar alí. No closet dela. Eu nunca entrei nele, e só de me aproximar eu consigo sentir o seu cheiro.

Cheiro que flores do campo em um dia de calor. Penso comigo.

Talvez eu pudesse largar a caixa. Pudesse não. Eu devesse. Largá-la bem alí, sobre meus pés, e correr para a lista telefônica a procura de alguém que faça esse serviço por mim.

Mas eu não posso fazer isso por um único motivo: eu nunca ter entrado naquele closet antes, foi porque ela nunca deixou... Agora eu preciso fazer isso para saber o que tanto me proibia de ver.

Não é cem por cento verdade que eu nunca estive ali dentro antes, recordo-me uma vez aos meus seis anos de idade, ela me flagrou brincando com os sapatos dela e fiquei de castigo por um mês. Nunca entendi ao certo a necessidade para tanto, mas a partir daquele dia a porta passou a ser trancada.

Só que não está mais...

Em passos lentos, caminho até a porta veneziana de madeira branca e encardida com alguns adesivos velhos de caderno escolar colados na mesma, me lembro do dia em que fizemos isso juntas no meu aniversário de 9 anos. Isso me faz lembrar de que preciso chamar alguém para fazer uma faxina e tirar essas coisas. Ficar aqui em casa sozinha com ela tão forte assim por todos os lados me fará entrar em depressão.

Cheguei. Cheguei na porta. Como não percebi quando isso aconteceu?

Respiro fundo.

E com a mão ainda mais lenta que meus passos, eu começo a empurrar a porta devagar. A mesma range, não ajudando nada o meu momento de tensão.

Vamos, Nina, você consegue!

Primeiro passo dentro do armário. Segundo e terceiro. Olho em volta enquanto caminho pelo estreito lugar; as duas laterais tem um cano de metal fazendo uma arara de roupas, onde nessas tem vários vestidos pendurados por cabides de plástico. Vestidos esses que já a vi usando em várias ocasiões, como esse verde escuro estampado por pequeninas flores amarelas, da qual ela fora em sua última missa antes de falecer.

Nina: A Lenda de ChipeOnde histórias criam vida. Descubra agora