Bangalô

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Ponho meus pés sobre o chão arenoso da praia e mexo os dedos de forma que a areia cubra todos eles. Faz muito tempo que não vou à praia. A última vez que eu fui, foi em um dos aniversários da minha mãe. Tomamos água de coco e picolé — da qual eu paguei tudo com o dinheiro do meu primeiro emprego — enquanto nos bronzeávamos sob o sol.

Já é noite e, por isso, diferente daquele dia, a areia está fria... e mais agradável. Impressionante como as estrelas parecem brilhar mais daqui, na ilha. A lua cheia parece ser bem maior também... ou talvez seja só coisa da minha mente em êxtase.

- Esse lugar é lindo - Morgana comenta vindo logo atrás de mim e olhando para cima. Enquanto os meninos ainda estão no pequeno píer de madeira usado para desembarques conversando com o capitão do barco.

- É sim - digo em um sussurro. Falando mais para mim mesma do que para ela. Fecho os olhos, sentindo a brisa fria nos meus braços desnudos. De todas as coisas que eu imaginei sentir assim que chegasse aqui, eu vim sentir a única coisa que não havia passado pela minha cabeça: paz. Em casa. Algo que eu não sentia desde a morte da minha mãe. Até em nosso apartamento eu me sentia mais uma estranha do que aqui. É como se toda a minha vida eu estivesse esperando para vir para cá, como em uma ligação psíquica.

Talvez toda aquela ansiedade dentro no barco não fosse tensão ou medo do desconhecido. Talvez fosse meu corpo implorando para chegarmos logo. Como uma criança perguntando aos pais a cara minuto um "a gente já chegou?"

Volto dos meus pensamentos distantes assim que avisto um homem vindo em nossa direção. Ele tem pele morena e cabelos em dreadlocks, sem camisa e com o corpo magro exibindo tatuagens nativas de seus símbolos e lendas sagradas. Com certeza é um dos indígenas na ilha.

- Cześć. Witamy - o rapaz, que aparenta estar nos seus 26 anos, nos cumprimenta em seu dialeto nativo vindo em nossa direção deixando muitas pegadas de areia para trás.

- Não falamos a sua língua - Morgana responde.

- Desculpe - ele dá um sorriso amarelo -. Me chamo Nikau. Serei o guia de vocês na ilha.

- Muito prazer, Nikau - começo a nossa saudação -. Me chamo Nina, essa é a minha amiga Morgana - indico a mesma com a mão, que dá um sorriso em cumprimento -, Kevin e Hitan - mostro os meninos que fazem um aceno de mão para o rapaz, que assente em um sorriso amigável.

- Seja todos bem vindos - Nikau deseja, em um sotaque forte.

Após ver o guia, o capitão do barco se despede de nós e vai embora. Observo um tempo a calda d'água em pequenas ondas que se dissipam em oscilações cada vez menores que a embarcação deixa para trás.

- As reservas estão em meu nome - informo ao nosso guia, quando já não é mais tão visível a presença do barco.

- Claro, os bangalôs de vocês já estão prontos. Ficam por aqui - faz um sinal para o seguirmos ilha adentro.

Ao chegarmos lá, noto que as características dos nossos "quartos" combina perfeitamente com o restante da ilha. Mini casinhas de madeira, com teto feito de palha de folhas de palmeiras. Um para mim e Morgana e o outro para os meninos.

- Precisam de ajuda com as bagagens - Nikau pergunta. Sendo o responsável por tirar-me pela segunda vez do meu momento de admiração para com a ilha.

Olho meus amigos, todos com suas respectivas mochilas nas costas e volto novamente minha atenção para Nikau.

- Obrigada, mas não trouxemos muita coisa - respondo, enfiando os meus polegares das alças da bolsa e balançando a mesma em demonstração para ele, que sorri em compreensão.

- Então, por favor, senhoria Hawkins. Me acompanhe para fazermos o check in.

- Claro - ele sai na frente e vou atrás, deixando meus amigos para que se acomodem, mas não sem antes passar pela Morgana e ouvir seu comentário "a cama da janela é minha".

Rolo os olhos e sorrio para ela, sem parar de seguir nosso guia.

Ao chegarmos na recepção, que se constitui em uma grande e bela estrutura de madeira cercada por plantas e árvores, Nikau me oferece um copo de suco de abacaxi, enquanto a recepcionista — uma belíssima morena de longos cabelos pretos e ondulados e com uma flor cor de rosa sobre a orelha —, pergunta os dados necessários para fazer o check in corretamente.

- Prontinho - ela finalmente conclui -. O serviço de quarto já já chega com o jantar de vocês. Sejam muito bem vindos ao Chipe.

- Obrigada - agradeço, sentindo uma certa tensão se intalar sobre ombros. Esta que veio assim que a mulher fala o nome "Chipe". É a primeira vez que escuto o nome em voz alta desde que cheguei aqui. E por alguma razão, dessa vez soou diferente... como se tivesse outro significado que eu desconheço. Algo mais sombrio.

Talvez passasse a ter.

Nikau me acompanhou de volta ao meu bangalô. Agradeci e entrei assim que ele me deixou.

Ao entrar, dou uma olhada em volta, analisando meu quarto. Duas camas feitas de bambú, uma de cada lado do pequeno cômodo, duas pequenas estantes feita com o mesmo material e a iluminação é feita com pequenas lamparinas por todo o quarto. Há um tapete no centro, feito a mão, e uma grande janela ao lado esquerdo... bem ao lado da cama que a Morg já se apropriou.

Noto que meninos estão aqui também.

- Como foi? - Hitan indaga sem o menor interesse.

- Nada surreal - respondo, deixando minha mochila sobre a cama e entregando à eles os papéis que estão na minha mão -. Esse é o intinerário com as programações da ilha. O café da manhã é às oito.

- Eu não acordo antes das dez - Hitan responde e ergue os braços, se deitando na minha cama e colocando as mãos como apoio na parte de trás da cabeça.

- Você não fez nada além de dormir desde entramos no avião para virmos para cá - Kevin comenta, sentado na cadeira da penteadeira, Morg faz um estalo com a língua e aponta para ele, em concordância.

- Não viemos aqui para dormir Hitan - falo, me sentando ao lado dele e tirando meu surrado e encardido all star vermelho dos pés, que por sinal está cheio de areia por eu ter tirado-o na praia.

- Eu sei - ele responde num tom mais sério.

Escutamos uma batida da porta e logo uma voz masculina dizer "serviço de quarto"

- É o nosso jantar - informo e me levando, indo abrir a porta.

Um rapaz entra com duas bandejas e as colocam sobre os baús, aos pés de cada uma das camas.

- Os senhores também vão comer aqui? - o rapaz indaga.

- Pode deixar no nosso quarto - Kevin responde -. Já estamos indo. Obrigado.

O moço assente e se retira, sem mesmo uma gorgueta.

- Nos vemos amanhã às oito então - Hitan se levanta indo em direção a saída com Kevin logo atrás.

- E logo depois a nossa exploração começa - digo, me pondo de pé.

Morg se levanta logo em seguida com sorrisinho malvado no rosto e começar a falar:

- Prontos para conhecer o Chipe?

Nina: A Lenda de ChipeOnde histórias criam vida. Descubra agora