Capítulo 6

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Eu estava cada dia mais fragilizado. Eu não choraria na frente de outras pessoas como fiz mais cedo se não houvesse algo errado comigo. Eu sei que esse não é o meu lugar, eu sei que vai demorar a voltar para minha casa, e isso me deixa cada vez mais tenso.

- Arthur? - Paula chamava meu nome na porta do quarto.

- Oi meu bem. - respondo abrindo um sorriso para ela.

- A mãe está perguntando se você não irá jantar conosco. 

- Diz que estou sem fome e vou deitar mais cedo. - falo.

Antes que ela saísse do quarto, ela me abraça e me deseja boa noite. Sentir que ela gostava de mim de verdade me deixava feliz. Era apenas uma criança, não tinha maldade no coração. Mas por esse motivo não posso me aproximar muito, logo estarei partindo e ficarei distante dela. E dos outros também.

Talvez isso não fizesse muita diferença, afinal estou aqui de passagem e todos sabem disso. Confesso que viver nessa simplicidade me fez enxergar as coisas com um olhar diferente do qual eu costumava ver, ou ler nos livros. Era uma realidade totalmente diferente da minha.

Na verdade tudo o que estava acontecendo era uma realidade distante da minha. Jamais poderia imaginar que estaria em um lugar com pessoas que não fosse minha família, ou que seria um bruxo.

Pensar nisso ainda me faz arrepiar. Será que renegar assim e temer o que eu sou me faz ficar descontrolado? Penso que se eu aceitar o que sou será mais fácil de controlar depois.

Fecho os olhos e deito na cama. O cansaço toma conta de meu corpo, e lentamente vou sentindo ele ficar dormente. Os pensamentos começam ficar distantes, como o barulho de um cavalo que cavalga para longe.

Sinto o colchão mexer um pouco, e algo gelado em minha testa. Ainda com os olhos fechados, ouço o barulho de algo repousar na mesinha que havia ao lado da cama. Abro lentamente os olhos para verificar o que se passava. Era Felipe, sentado ao meu lado. 

- Porque não jantou com a gente? O pai acha que eu fiz algo à você. - diz ele com a voz mansa e um pequeno sorriso sem jeito no rosto. Apenas sorrio de volta.

- Você está melhor? Desde hoje a tarde você não fala nada... - ele insiste em falar, mas o cansaço me impede de responder. Mal consigo abrir os olhos. É como se eu estivesse em um sonho e não conseguisse correr enquanto um dragão me perseguia.

- Tudo bem, vou deixar você descansar. Trouxe leite para você, bebe antes de dormir.  - diz ele apontando para a mesinha. - Estarei ali, caso precise de algo.

Após essas últimas palavras meu subconsciente apaga. Abro os olhos novamente e já é manhã. Demoro um pouco a retornar do sono. Sinto como se tivesse dormido por vários dias. Lembro da conversa que tive com Felipe ontem a noite. Ele estava dócil. Mas certamente havia apenas sonhado com esse diálogo unilateral.

Olho para a cama ao lado e ele não estava mais deitado nela. Ainda é cedo, e hoje a venda não abre.

Fico deitado mais um pouco antes de levantar. Ajeito os lençóis sobre a cama e pego uma roupa limpa para tomar banho. Desvio meus olhos um pouco para baixo e vejo uma mancha redonda sobre a mesinha. Como a de um copo. Volto a lembrar da noite anterior, e talvez aquilo realmente não fosse um sonho. Sorrio lembrando.

Após tomar banho, vou até a cozinha onde está Diana cortando alguns legumes.

- Bom Dia, como você está? - fala com um sorriso no rosto.

- Estou bem, obrigado. E a senhora?

- Estou bem... Fiz aquele mingau de arroz pra você comer, deve estar com fome. Não desceu pra jantar ontem.

- Estava cansado. - digo. - Obrigado pela preocupação... E pelo mingau. - sorrio em gratidão.

Termino de comer o mingau, que por sinal estava muito bom, e lavo a louça que havia suja. Paula estava brincando com uma amiga na sala.

- Onde está o Felipe? - pergunto. Não sei porque perguntei por ele, afinal não nos falávamos muito... Mas algo me fez querer saber onde ele estava.

- Ah, já havia esquecido. Ele foi para no riacho e pediu para lhe avisar quando acordasse que podia ir se quisesse ficar um pouco lá. - disse Diana.

Me surpreendi com o recado, mas ao mesmo tempo fiquei feliz por saber que ele estava se acostumando com minha companhia.

- Certo, obrigado!

- Fico feliz que estejam começando a se darem bem. - ela parecia estar satisfeita. Sorrio sem jeito de volta e saio para o quarto.

Não sei exatamente se isso é uma trégua entre a gente, mas não iria deixar que esse momento de paz que parece ter chegado sumisse.

Visto uma roupa mais apropriada e saio em direção ao riacho que não ficava longe da casa.  Mas antes de sair, Diana me entrega uma cesta com alguns lanches.

Apenas alguns minutos que havia saído de casa e já podia ouvir o barulho da correnteza, dos pássaros entre as árvores. Sentir a natureza tão próxima me fez sentir mais leve, e como mágica todo o peso que carregava nas costas sumira.

Vejo Felipe sentado em baixo de uma árvore na beira do riacho. Ele estava concentrado com algo na mão.

Me aproximo devagar, e ele logo me vê chegando.

- Está melhor hoje? - perguntou sem ao menos me olhar.

- Sim. Obrigado por perguntar. - respondo. 

O silêncio toma conta do lugar, foram apenas alguns segundos, mas parecia uma eternidade.

- Não vai sentar? - diz ele.

Um pouco sem jeito sento e vejo que em sua mão havia alguns galhos e folhas, que estavam sendo amarrados com um barbante.

- O que está fazendo? - pergunto curioso.

- Um barco. - diz ele ainda concentrado em seu trabalho. - Quer dizer, claro que não é um barco de grande porte... Apenas um barquinho. - disse sorrindo um pouco após explicar o óbvio.

O silêncio volta a surgir, mas dessa vez eu que decido quebrá-lo.

- Você foi a minha cama ontem a noite? - pergunto fazendo-o parar um pouco de entrelaçar o barbante entre os galhos, e começando a enrolar novamente antes de falar.

- Você acha que eu fui? 

- Sim.

- Então eu fui. - respondeu. 

- Porque? - pergunto me arrependendo em seguida após ver sua expressão ficar um pouco mais séria.

- Simples, você não estava bem a tarde. Eu não gosto de ver ninguém chorar.

- Mesmo alguém que você não goste? - continuo a perguntar coisas estúpidas. É como se eu não tivesse controle com o que saia de minha boca.

- Talvez eu tenha percebido que você realmente não vai fazer mal algum a minha família. - disse me deixando surpreso. - Apesar de não acreditar totalmente em sua história e achar que existe algo além do que você nos contou, eu acho que seu propósito não é fazer o mal.

Agora ele realmente me deixou surpreso. Fiquei feliz em saber que ele já não me via mais como uma ameaça. Pelo menos não totalmente como uma.

- Obrigado.

- Porque está me agradecendo?

- Por acreditar finalmente em mim. - disse meio sem jeito.

Ele permanece calado fazendo seu barquinho. Que a propósito estava ficando bem bonito.

Algo estava diferente, o clima estava mais ameno e tranquilo. Deitei no chão e fechei os olhos. Naquele momento eu queria apenas sentir o vento e ouvir a natureza. E claro, por algum motivo estar ali, com ele, me trazia paz. 

Espero que essa paz não vá embora.

Dois Caminhos (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora