Capítulo 10

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Naquela noite Felipe havia adormecido em minha cama. Eu fiquei observando seu rosto por longos minutos. Seu cabelo castanho já estava um pouco maior, quase na sobrancelha, pude sentir sua respiração e seu peito subindo e descendo no mesmo ritmo que ela. Olhei mais detalhadamente para seu rosto, ele tinha traços bem desenhado, seu maxilar bem marcado.

Desci minha visão para sua boca que parecia ser desenhada a mão. Não pude deixar de lembrar que já toquei nela, e isso me fez respirar um pouco mais ofegante. Era um sentimento novo e estranho, meu corpo estremeceu um pouco ao lembrar e ficou meio quente.

Fechei meus olhos para tentar tirar esses pensamentos da minha cabeça e depois de alguns minutos adormeci junto a ele. Ao amanheci percebi que já estava deitado sozinho, e lembrar de nossa conversa na noite anterior me deixou muito feliz.

Eu me sentia culpado por um lado, em estar sentindo esse sentimento bom, como se tudo estivesse bem. Eu realmente sabia que não estava. Era um pouco de egoísmo de minha parte estar assim, vivendo tranquilamente, enquanto provavelmente minha família se mantêm preocupada comigo.

Já fazia muito tempo que eu não tinha indícios de nenhuma magia em meu corpo, e nem tinha sentido nada de diferente. Isso era bom. Talvez eu estivesse conseguindo fazer com que ela sumisse antes de crescer, assim como minha mãe fez.

Se isso realmente estiver acontecendo, logo estarei seguro e poderei voltar pra casa sem que possa machucar alguém.

Eu sei que irei ficar triste por deixar todos esses que me deram um lar, mas não era permanente. Poderia ser que eles se mudassem para o reino. Ao saber que eles me ajudaram, meu irmão poderia dar um trabalho e até mesmo um lugar para morar. Seria perfeito.

Hoje não iríamos trabalhar, era fim de semana e a venda não abria. Mas Felipe veio até o quarto me chamar para ir à cidade. Como não tenho muito o que fazer aqui, e os livros estavam na venda, resolvi ir com ele.

Estávamos passeando por algumas lojinhas que havia na cidade. Era aniversário da Paula, ele queria comprar algo pra ela e pediu minha ajuda. Acredito que Diana iria fazer algum tipo de comemoração entre a família, acho que ouvi ela falando algo sobre isso com Pedro.

- Acredito que uma boneca seria um ótimo presente. – digo.

- Eu até pensei, mas ela já tem algumas. Gostaria de presentear com algo diferente. – diz ele olhando um pouco em volta por dentro da lojinha onde havíamos entrado.

Era complicado, eu não fazia ideia do que presentear. Eu não tive irmãos mais novos. Na verdade, eu era o mais novo. O único contato que tinha com crianças era quando o Charlie fazia leitura pra elas...

Fantástico. Acabei de ter uma ideia.

- Você poderia dar um livro de contos. Conto de fadas ou alguma história sobre princesas. – falei animado. Pela sua reação ele não gostou muito da ideia.

- Fadas não existem e princesas são chatas. Acho todo esse mundo de rei e rainha uma perda de tempo, completa idiotice. – concluiu.

Eu não fiquei nenhum pouco feliz com o seu comentário, afinal eu fazia parte desse "mundo" que ele falou com tanto desdém.

- Esse termo não se aplica. – disse referente ao "idiotice" que ele havia falado. - Você por acaso já viu algum rei ou príncipe?

- Não, e nem preciso. – disse ele.

- Então como pode saber que é uma perda de tempo? – o questiono ficando parado em sua frente esperando uma resposta.

- E como você pode saber que isso não é uma idiotice? – retrucou, droga.

- Eu leio livros. – mal terminei de falar e ele solta uma risada de deboche.

Desisto de tentar convencer ele. Porque ele me trás pra ajudar se ele não vai nem sequer me ouvir?

Será que ele realmente pensa dessa maneira? Porque se sim, talvez se um dia quando ele souber que eu sou um príncipe pode querer se afastar. Ou posso tentar mostrar a ele que não é dessa maneira. Mas isso é conversa futura.

Vou até a estante de livros e procuro por algum livro de conto de fadas interessante. Encontro um e coloco debaixo do braço.

- Eu mesmo darei esse de presente a ela. – disse, e ele apenas deu de ombros.

- Tanto faz.

Passamos mais alguns minutos procurando algo até que ele encontrou uma caixinha musical. Era realmente linda. Ao abrir e dar corda, uma bonequinha girava em seu interior com uma melodia bem leve.

- O que acha? – pergunta ele.

- Eu adorei mesmo. Perfeito. – disse. Eu realmente tinha gostado da caixinha, era meiga e linda.

Enquanto Felipe pagava pelos presentes e embrulhava, sai da loja para tomar um ar fora e esperar por ele.

Um pouco mais distante vejo a Helena e uma mulher mais velha. Acredito que seja sua mãe. Ao me ver Helena chama por meu nome, e rapidamente desvia os passos para se aproximar do lugar onde estou, enquanto a mulher que estava com ele se vira e entra em uma outra venda.

- Oi Felipe, como você está? – pergunta com um enorme sorriso no rosto.

Eu gostava da Helena, ela era uma menina dócil e parecia ter um bom coração. Algo em mim sentia que toda sua simpatia era verdadeira e eu me sentia bem em falar com ela. Mesmo que as vezes ela fosse um pouco exagerada em suas demonstrações de afeto.

- Estou bem e você? – retribuo a gentileza.

- Eu estou bem. O que faz aqui na cidade?

- Eu vim com o Felipe comprar o presente de sua irmã. – não pude deixar de notar que ao dizer o nome de Felipe suas feições mudaram repentinamente de feliz para tensa. Eu quis rir na hora, mas preferi não fazer isso. – E você? Aquela era sua mãe?

- Era minha mãe sim, até gostaria que ela te conhecesse, mas ela está com um pouco de pressa. – justificou ela.

Felipe sai e repousa ao meu lado, colocando um braço sobre meu ombro.

- Tudo bem, Helena? – pergunta ele olhando diretamente pra ela. Acredito que ela tenha ficado um pouco intimidada. Eu teria ficado se ele me olhasse com essa cara.

- Tudo sim! – ela realmente estava com um pouco de vergonha. – Então Arthur, outra hora a gente se fala. Preciso ir, minha mãe deve estar me esperando já.

- A gente se ver então. Se cuida. – me despedi dela que saiu bem apressada. – Porque você fez isso? – questiono Felipe que ainda estava com o braço sobre meu ombro.

- Fiz o que? – pergunta como se realmente não soubesse do que eu estava falando.

- Não se faça de desentendido. Você não deveria intimidar a Helena dessa maneira, ela é uma boa pessoa e talvez seja até um pouco sozinha. – ele parecia estar se divertindo com minha reclamação. Era inacreditável como ele conseguia ser tão sarcástico. – Você é insensível.

- E você fica fofo tentando me dar sermão.

Eu não acredito que ele disse isso. Eu pude sentir minhas bochechas corarem e minhas orelhas queimarem de vergonha. O que fez ele rir mais do que antes.

Eu realmente preciso me acostumar com esse tipo de provocação.

Dois Caminhos (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora