Capítulo 7

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Felipe estava concentrado fazendo o seu barco, parecia que já fazia isso a anos. Entrelaçava os barbantes com os galhos e folhas. Fazia um zig zag nas arestas, como se fosse o acabamento das laterais. Vez ou outra ele fazia um comentário breve, e depois voltava a fitar apenas em seu trabalho.

Alguns minutos depois ele nuncia que o barquinho estava pronto. Olho com detalhe cada parte do brinquedo. Estava lindo. Um cópia em miniatura de um barco de verdade. Sorri em aprovação e ele sorriu de volta.

- Quer ver se ele flutua? - sugeriu e concordei.

Entramos no riacho, que tinha uma correnteza mansa, e ele então colocou o barquinho sobre a água. E flutuou perfeitamente. Meus olhos brilhavam ao ver o brinquedo ir navegando pela correnteza.

- Ficou ótimo, de verdade. Você é talentoso. - disse sendo sincero.

- Isso não é nada. - respondeu ele um pouco sem graça. - É seu.

- Como? - pergunto confuso.

- O barquinho... é seu. - disse direcionando o brinquedo em minha direção. 

Por alguns segundos fiquei sem reação. Meu corpo parou e minha cabeça não conseguia pensar direito sobre o que tinha acabado de ouvir. Receber um presente dele, que até pouco tempo implicava comigo, era um pouco estranho.

- Obrigado. - respondi segurando o presente ainda um pouco tenso, e bastante envergonhado.

- Se não gostou pode dar a Paula, ou desfazer dele. - deu de ombros e mergulhou na água, ficando imerso por alguns segundos.

- Claro que não irei me desfazer... eu gostei bastante. - agradeci novamente.

- Certo. - disse voltando a desviar a a sua atenção para outra coisa. Não quis insistir em um diálogo sobre o que acabara de acontecer, ia respeitar seu espaço e não forçar uma aproximação tão repentina.

Estava feliz que ele tinha mudado um pouco sua visão sobre mim, e que pelo menos parte do medo tinha ido embora. Não pretendo fazer nada que possa atrapalhar essa evolução. E apesar de saber que logo vou embora, não quero deixar essa casa com memórias ruins. E pretendo sim visitá-los quando estiver na minha casa novamente. Minha mãe ficaria honrada em recebe-los também.

- Não vai mergulhar? - pergunta ele me tirando de meus pensamentos. - Você pensa demais as vezes.

Deixei o barco em cima de umas pedras e mergulhei na água. Ficamos brincando de quem segurava o fôlego por mais tempo, conversamos algumas coisas aleatórias sobre a região. Ele me contou a história de sua família, como tinham chegado aqui antes mesmo dele nascer. 

Eu lamentei diversas vezes por não poder contar nada a ele, por "não lembrar", mas ele sempre pedia para não ficar se desculpando tanto, que era estranho. 

Me senti muito mal por estar mentindo pra ele dessa forma. Enquanto ele me falava sobre sua vida e de sua família, eu só ouvia e não podia relatar nada. 

Percebi que ele é realmente simples e tem bom coração, assim como toda sua família. Acredito que a maneira que ele vinha me tratando era apenas um reflexo de proteção. Qualquer pessoa se sentiria ameaçada se algum desconhecido começasse a morar na sua casa. Eu entendo o seu lado.

O sol já estava mais forte quando decidimos sair e voltar para casa. Mesmo estando ensolarado, eu senti bastante frio por ter entrado na água de roupa. Meus lábios ficaram roxos e meu queixo muito.

- Pega, trouxe uma toalha. - disse estendendo uma toalha para que eu pudesse pegar.

- Mas você não está com frio? Ou irá se enxugar?

- Já o fiz. E não estou com frio, já sou acostumado com esse clima. - falou estendendo a toalha novamente para que eu pudesse pegar. E assim o fiz.

       ☯ 

A noite havia chegado  e eu estava no quarto lendo um livro. Diana entra com umas mudas e roupas limpas  e coloca dentro do baú que havia a frente da cama do Felipe.

- Onde está o Felipe? - pergunta ela.

- Acredito que foi tomar banho. - respondi.

- Como foi lá no rio? Ele te tratou bem? - Diana me questionou enquanto sentada a beira de minha cama.

- Sim, foi bom e ele me tratou bem sim. - parei e pensei um pouco. - Vocês o obrigaram a fazer isso? - não havia passado pela minha cabeça que eles poderiam ter forçado Felipe a fazer algo. Mas agora que ela perguntou curiosa essa ideia surgiu na minha cabeça.

- Claro que não meu bem. Só fiquei feliz em saber que estão passando um tempo juntos sem discutir. - disse. - E ele mesmo que falou conosco ontem.

- Falou o que? pergunto curioso.

- Ah... Ele comentou que você estava doente esses dias, que havia chorado lá na venda. Deve ser difícil pra você ficar em um lugar com pessoas estranhas e não lembrar de onde veio ou quem é sua família. - lamenta.

- Não fala dessa maneira. Eu já não os considero estranhos a muito tempo. O que vocês estão fazendo por mim não tem preço. Não é todo mundo que faz isso sem ser em troca de algo. Eu fico profundamente agradecido por ter me cedido esse espaço em sua casa. Prometo recompensá-los de alguma forma futuramente. 

- Não se preocupa com isso. É um prazer ter você aqui. - disse sorrindo.

Não demorou muito para que ele saísse e Felipe retornasse ao quarto.

- Já até imagino... - falou ele enquanto enxugava o cabelo com a toalha. - Veio saber se eu fui legal com você? Ela não acredita muito em minha palavra. Mesmo eu dizendo que sim.

Forcei o sorriso um pouco. Mas preferi não responder.

- Obrigado novamente pelo presente. - disse agradecendo.

- Você já agradeceu o suficiente pelo resto de sua vida. Não precisa de mais agradecimentos. - comentou.

- Tudo bem, descul... Sem desculpas também. - falei sorrindo.

- Exato. Sem obrigado e sem desculpa, pelo menos por essa semana. - piscou um dos olhos após falar.

Eu não vou mentir sobre isso. Mas meu coração acelerava quando ele falava comigo. Era como se eu estivesse em uma corrida contra um cavalo e ainda ganhasse do cavalo. Um misto de adrenalina e felicidade incendiava meu peito. E só estava mais intenso nesses últimos dias.

Vou confessar que começava a gostar mais daqui, e apesar de querer muito ir pra casa, começa a me doer saber que terei de deixar todos eles pra trás. Não totalmente, porque não pretendo deixá-los na mão. Mas não os verei todo ia, tão perto como vejo agora.

Sei que não fui justo em colocá-los em perigo só pela minha presença, e sei também que deveria me afastar. Mas isso, pelo menos agora, não é mais algo que quero colocar em questão. Eu me acalmei esses dias mais tranquilos, e eu não senti nenhum vestígio de magia ou nada do tipo. E se ele está conseguindo arrancar o melhor de mim, e consequentemente me mantendo no controle. Eu irei tentar relaxar até que consiga meu total equilíbrio.

- Sem sono, Arthur? - pergunta ele após vários minutos de silêncio. Como se pudesse ouvir meus pensamentos.

- Sim, um pouco.

- Quer sentar um pouco lá fora?


Dois Caminhos (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora