Um cavalheiro corteja a mulher Amada de maneira conveniente.
Londres, abril de 1814
- Boa noite, boa noite! A despedida é tão doce...
Um grande vaso com begônias vermelhas saiu voando pelo ar estimulante da noite e estatelou-se no chão em uma mistura de cacos de porcelana, água e flores estragadas.
Pelo visto, citar Shakespeare debaixo da janela do segundo andar no e dormia a amada não garantia o estremecimento que se deveria esperar. Ainda mais que o homem que se referia ao mestre estava bêbado... E na certa não era bem vindo, a julgar pelos objetos a serem atirados pela janela.
Charlotte, que também ocupava um aposento do segundo andar, apoiou os cotovelos no peitoril e o queixo na mão, enquanto observava o jardim da casa visinha.
Morar ao lado da casa de lady Rosalind, beldade e herdeira, era diversão garantida. Durante o dia, homens desfilavam como galos pomposos diante de sua porta, à espera de uma chance de encontrar ou ver a mulher tão solicitada. Meneou a cabeça. Lady Rosalind não tinha sossego. Se a pobre dama se aventurava a ir a um baile, no dia seguinte uma tropa de homens vinha visitá-la. Elesbtraziam flores, cestas com guloseimas, cantavam baladas e houve um que até trouxera um cavalo, mas a maioria era dispensada com cortesia. Talvez o bêbado queestava embaixo naquele momento fosse um dos rejeitados que não desistia de conquistá-la.
Desatento à presença de Charlotte, isso sem mencionar o desconhecimento ao vaso da visinha lady Rosalind, o homem murmurava e assobiava como se chamasse seu cachorro. Ela sacudiu a cabeça e sorriu com tristeza. Os homens se comportavam como tolos diante de uma mulher bonita.
Os primeiros raios de luz começavam a brilhar no horizonte e os pássaros chilreavam ao longe, pois o beberrão romântico na certa os assustara com seus gritos. Por que ninguém chamava o juíz?, ela se perguntou. Era possível que a maior parte dos visinhos deveria estar dormindo àquela hora, exauta por ter comparecido a uma interminável série de festas. Na verdade, ela havia se deitado fazia pouco tempo, depois de ter ido com a mãe a um baile. Em geral custava a adormecer após noites como essas e ficava na cama durante horas.
- Droga - o homem resmungou em voz alta e olhou ao redor. - Onde foi que ele se meteu?
Embora estivesse quase amanhecendo, o silêncio coroava a obscuridade. Não parecia haver ninguém por perto, muito menos naquela fileira de residências. Com quem pensava estar falando?
Ele cambaleou em direção a um grupo denso de árvores e Charlotte endireitou os óculos para observar a miríade de outros itens arremessados no gramado.
Havia um pedaço de sabão, três almofadas decorativas, um tinteiro ornamentado, vários pedaços de velas, uma escova de cabelos e o que parecia ser um pato de madeira. Era evodente que o homem estava ali por um tempo.
O som de folhas de papel chamou-lhe a atenção. Olhou para o lado a tempo de ver um bloco de apontamentos sendo atirado pela janela. Por um instante imaginou se o homem não estaria bêbado, mas sofrendo a consequência de ter sido atingido na cabeça por algum ou todos os objetos.
Tornou o olhar para baixo e não viu ninguém. O estranho teria ido embora? Espiando através da escuridão, ela vislumbrou uma sombra alta ao meio às árvores. Ele apoiava uma das maõs no tronco de um vidoeiro, dsndo a impressão de que pretendia impedir a àrvore de cair, embora fora exatamente o contrário.
Embora a maior parte do rosto do homem estivesse escondida por umbramo grosso de folhas, foi possível notal que ele não usava casaco nem colete, apenas uma camisa branca, solta e escandalosamente desabotoada até o meio do peito.
Por um instante, Charlotte teve a impressão de tratar-se de um homem comum ou de um lacaio errante, mas ele indiscutivelmente tinha um porte régio, a despeito do estado de embriaguez.
Apesar da pouca luz que aparecia por alguma das janelas iluminadas das mansões, ela concluiu que o homem tinha físico de atleta agradável ao olhar feminino. Não se tratava de nenhum rapazote apaixonado declarando amor imorredouro. Era um adulto.
Teimoso ao extremo, mas um homem. Era alto, musculoso e esguio, cintura e quadris estreitos e pernas fortes vestidas com calsas negras muito justas. Extraordinárias. Ela quase suspirou.
Por que não podia ignorar certas coisas? Deveria fechar a janela e voltar para a cama.
O desconhecido sob a árvore começou a murmurar, trazendo Charlotte de volta ao presente. Aquele certamente pertencia à categoria dos patifes, um grupo de homens que ela jurara evitar a qualquer custo, ainda que não costumassem bater à sua porta.
Observou o homem pegar uma garrafa de uísque da grama. Ele franziu a testa, fechou um olho e espiou para dentro do gargalo. Confirmou que estava vazio, tornou a resmungar e atirou a garrafa para trás.
Naquele momento começou a ventar e o frio resultante foi uma lembrança de que o inverno ainda se fazia presente na primavera londrina. Ela estremeceu e fechou as pontas do xale branco sobre o peito.
- O que é um nome? - O homem subitamente proclamou e sua voz ecoou potente no escuro, assustando Charlotte que quase saiu fora das meias de lã que usava para dormir. - Se chamarmos uma rosa por qualquer outro nome, ela perderá o perfume doce.
Depois de dois soluços, ele deu dois passos para fora da sombra da árvore... e teve de abaixar-se para se esconder atrás dos ramos.
Uma bota grande foi acrescentada ao inventário dos objetos espalhados pelo chão.
Charlotte prendeu a respiração, mas não por causa da bota, embora se tratasse de um objeto inesperado. Reconhecera o ébrio.
Tratava-se, nem mais nem menos, de lorde Rothbury, devasso renomado, livre de qualquer peia moral, jogador de cartas e cavalos, conquistador de mulheres. Isso sem contar que fora o relutante herói que a salvara na noite do baile da escolha da noiva no último outono.
Epítome da beleza masculina de cabelos fulvos, o conde tinha a reputação carbonizada que mantinha à distância as jovens casadoiras, mas não evitava que elas o admirassem... suspirando.
Lorde Rothbury era um excelente dançarino e a convidara para dançar sete vezes e meia nos últimos quatro anos. A meia vez fora a ocasião em que a mãe se encaminhara para a pista de dança e, batendo no braço dele com a bolsa, arrancara a filha das mãos devassas.
Por mais constragedor que o episódio pudesse ter sido, Charlotte continuara a observá-lo por sobre o ombro enquanto era levada embora por Hyacinth. E ela sempre se perguntava por que ele também a observara sair.
Ainda assim, sonhar acordada com lorde Rothbury era uma fraqueza horrível de sua parte ou da parte de qualquer jovem. Havia centenas de anos o condado de Rothbury vinha sendo relacionado ao pecado e ao escândalo. Por sorte e para o bem de sua reputação, ela era invisível para o conde que costumava interessar-se apenas por beldades.
Exceto naquela noite.
O gesto bondoso a deixara chocada. Contudo, aprendera recentemente a não deixar tais atos a confundirem. Fora apenas uma ação de benevolência e nada mais. Para ele se tratara apebad de uma dança, sem dúvida. Depravado ou romântico, lorde Rothbury não tinha interesse nela. Caso contrário, ela ja teria desconfiado havia séculos.
Ele era realmente glorioso, pensou com outro suspiro. Alto, viril, mantinha uma graça refinada no vestir e no comportamento que não correspondia à sua mente libertina. Em qualquer situação como caminhar, dançar, conversar ou cavalgar, continuava atraente.
Exceto por essa noite.
O amor devia transtornar um homem, ela pensou. Talvez enfraquecesse sua vontade, testasse sua determinação, arruinasse o seu juízo e o fizesse agir como um idiota, por exemplo, como ficar sob uma janela às quatro da manhã e ser agredido com objetos pessoais.
Era de se esperar que ele estivesse do lado de fora nessa manhã. Mesmo sendo amigo íntimo de lorde Tristan, irmão mais novo de lady Rosalind, era impedido de entrar quando o duque não se encontrava na residência. E o duque e a nova duquesa estavam no País de Gales, viajando em lua de mel.
O que deixava lady Rosalind destituída da proteção inflexível de seu irmão mais velho.
Ela tornou a suspirar. Será que ele jamais aprenderia? Se a formosa lady Rosalind poderia ter qualquer homem que desejasse, por que haveria de querer um pilantra? O que acontecera com Rothbury naquela noite? Ele não tinha por costume apaixonar-se e era inacreditável que houvesse se rendido aos encantos de uma mulher.
Torceu os lábios com desdém, certa de que jamais entenderia as esquisitices da elite da sociedade. Antes de afastar-se da janela e voltar para a cama, tornou a olhar para ele.
O infame saía de baixo da árvore de novo e os ramos que ondulavam com o vento não mais o escondiam.
Ele ultrapassou os objetos em desordem e foi até uma moita densa. Sem a tira de couro que usava para amarrar os cabelos para trás, as madeixas loiro-escuras soltas deixavam-no com ar juvenil.
- O que me diz? - Ele parecia menos bêbado e mais o sedutor experiente de que tanto falavam, talvez por que estivesse se expressando em francês.
Ela continuou a prestar atenção, satisfeita por ter aproveitado as lições do idioma estrangeiro.
- Vai se esconder a noite inteira ou virá para me ajudar? - ele perguntou.
Uma sombra grande e escura saiu detrás da moita alta e cerrada que ficava perto do muro da mansão sob a janela de lady Rosalind. A pelagem brilhante do animal cintilavasob a pouca luz. Se não fosse isso, o magnífico cavalo seria invisível no escuro.
- Finalmente. - Ele acariciou os pelos negros entre as orelhas do animal, à semelhança do que se fazia com uma criança querida.
Que espécie de homem que falava com seu cavalo como faria com um ser humano? E ainda por cima em francês?
- Como eu pensei - Rothbury falou suavemente. - Você é um covarde que tem medo de uma mulher.
O cavalo relinchou e sacudiu a cabeça elegante.
- O que você sabe? - ele resmungou. - Como ela pode saber que meu coração não lhe pertence? Acha que ela é capaz de ler a mente? Apesarbdisso eu a conquistarei.
- Por Deus, eu duvido - Charlotte casquinou umas risadinhas e prendeu a respiração. Ele a teria escutado?
Rothbury virou-se em sua direção como quem escutara. Ela tampou a boca com uma das mãos, tarde demais.
- Quem está ai? - ele perguntou. - Apareça.
Imóvel, ela parou de repirar, esperando que o conde pensasse ter ouvido demais. Deslizou o pé para trás, pensando em sumir para dentro do quarto.
Um movimento da janela vizinha chamou-lhe a atenção e ela abriu a boca, espantada. Alguém, provavelmente lady Rosalind, segurava um livro grande pronto para ser atirado.
Diretamente na cabeça dele.
A intenção era evidente.
Curvou-se para a frente e o pânico fez suas palavras soarem bombásticas.
- Milorde! - ela gritou da janela, apontando a residência visinha. - Um livro!
Sem parecer surpreso pela declaração, talvez pelo efeito do álcool, o conde, sempre elegante e de aparência digna, apenas arqueou uma sombrancelha.
- Um livro? Perdão, senhorita, mas não costumo furtar livros.
- Não! Esconda-se, bufão apaixonado!
- E para quê?
Rothbury olhou para cima, porém foi tarde demais. O livro atingiu-o em cheio na cabeça. O cabalo saiu de lado para ocultar-se de novo atrás da moita.
O conde deu um gemido e caiu, inerte, sobre o gramado.
- Oh, Deus!... Oh, Deus!... Oh, Deus!... - Charlotte entoou, sem saber o que fazer, andando de um lado a outro.
Ela agarrou-se no peitoril e espiou paraa fora. Tudo quieto, nenhum movimento. Nenhum ser vivo estava nas proximidades. Até os pássaros à distância haviam se calado.
Deveria voltaa para a cama e deixá-lo desmaiado? Sim, era o certo... mas não o faria. Como não acudir um homem que a salvara? Por Deus, ele até poderia estar morto!
Ela correu pelo quarto, calçou um par de botas, mas não as amarrou. As tiras bateram dos lados quando ela desceu a escada correndo e chegou ao saguão de entrada. Atravessou a casa no maior silêncio possível e abriu a porta dos fundos. Disparou para fora e se deteve apenas para pular uma sebe baixa. Por pouco não tropeçou nas tiras das botas, o qie a teria atirado por cima de Rothbury, mas equilobrou-se a tempo.
Arfando, pôs as mãos na cintura e analisou a silhueta do cavalheiro estendido no chão. Ainda bem que ele respirava devagar e com ritmo. Avaliou o corpo elegante e musculoso, e notou o encanto da roupa desalinhada. Não deveria pensar em tais coisas em um momento como esse, mas ele parecia tão... alto. Na certa dormia em uma cama enorme para não ficar com os pés pendurados.
Ela levantou a cabeça, espiou sua janela do outro lado e recriminou-se por ser uma idiota a ponto de vir ajudá-lo.
Por Deus, logo seria dia claro, mas não poderia deixá-lo ali. Talvez devesse acordá-lo depressa e afastar-se antes que alguém a visse de camisola no jardim com um deprevado.
- Ou eu deveria ir embora - ela murmurou, com o cenho franzido. - Mesmo inconsciente, o senhor é perigoso para a minha reputação.
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Um Conde Sedutor (Concluído)
RomanceInglaterra, 1813 Procura-se uma noiva... Adam Faramond, conde de Rothbury, precisa encontrar uma esposa o quanto antes, ou sua avó o deserdará. O problema é que Adam, um libertino incorrigível, só consegue pensar em se assentar com uma certa jovem...