Capítulo XVI - parte 2

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Rothbury não se lembrava de ter ficado tanto tempo sem uma mulher.
Ele caminhava pela rua, sem notar que uma garoa fina começava a ensopá-lo. Evitara vir de carruagem ou a cavalo, avreditando que uma caminhada fria de ida e volta abafaria o desejo crescente.
Andou depressa, com passos determinados, atravessou a calçada e chegou à sua residência que ficava na outra rua, virando a esquina.
Subiu os degraus da frente e a porta foi aberta como em um passe de mágica. Ele tirou o capote molhado, disse ao mordomo que não queria ser perturbado e foi para seu gabinete, direto para a garrafa de conhaque.
Na grelha, um pequeno fogo crepitava. Ele fechou os olhos e tomou de uma vez a bebida do cálice, inclinando a cabeça para trás. Estava muito tenso e cansado de ficar em um estado perene de excitação não resolvida.
- Milorde - Summers chamou-o com voz severa, um pouco mais tarde.
- Sim? - Rothbury virou-se.
- Milorde tem uma visita.
- Tenho?
- Uma dama, milorde.
Charlotte, ele pensou com um suspiro. Honestamente, por mais que a amasse, não desejava vê-la naquele momento a sós. E ela, por certo, estava sem acompanhante. Deu um novo suspiro que mais pareceu um rosnado.
- Mande-a entrar, Summers.
- Pois não, milorde.
Rothbury sentou-se na poltrona de couro atrás da escrivaninha e resignou-se com o fato de ser um homem amaldiçoado.
Uma mulher de capa entrou no recinto.
Confuso, reconheceu de quem se tratava.
Lady Gilton, de longas pernas e cabelos negros e - ela hesitou antes de abrir a capa e deixá-la no chão - completamente nua.
- Sentiu minha falta? - ela ronronou, sem se preocupar que a porta ainda estivesse aberta às suas costas. Ela ergueu os ombros, fazendo o bisto avantajado pular. - Eu estava morta de saudades.
Ele avaliou-a de alto a baixo. Com certeza era um amaldiçoado.
- Muitas sentiram sua ausência, principalmente eu. Desde que passou a dar atenção àquele camundongo, você não prestou mais atenção em mim.
Ela levou as mãos aos quadris, acariciou as costelas e os seios, segurando-os em um gesto de oferecimento.
- Aqui está frio - ela disse com voz rouca. - Venha aquecer-me como costumava fazer.
Ele afastou a poltrona da mesa, levantou-se, inspirou fundo, cruzou o recinto com passos lentos e parou diante de Cordélia.
Ela segurou as mãos de Rothbury e levou-as ao peito.
- Toque-me - ela pediu.
Ele se curvou e com uma das mãos pegou a capa que fora derrubada para cobrir-lhe os ombros.
- Vá para casa - ele ordenou com frieza. - Para mim terminou. Não quero mais viver a vida de meu pai nem de meus tios. Não sou como eles, nunca fui.
A dama riu com descrédito.
- O que está me dizendo?
- Vá embora.
Ela sacudiu a cabeça.
- Não, não pode fazer isso comigo de novo.
- Farei, sim. Agora vá.
- Não creio que esteja falando a sério! - Cordélia gritou ao ser levada por ele até a porta da frente.
- Pous estou.
Summers, que estava esperando, abriu a porta quando eles se aproximaram.
- Não acredito que esteja atraído por aquela criatura estranha. Todos sabem que ela será a esposa de Witherby.
Rothbury endureceu o queixo, mas não disse uma palavra.
- Não posso acreditar que dê preferência a ela e não a mim! - a nobre senhora insistiu com voz estridente.
- Pois essa é a pura verdade. - Ele empurrou-a porta afora. - Lembre-se disso e seja mais feliz.
Cordélia virou-se para encará-lo. Aquela fisionomia que antes parecera exótica e bela, estava agora distorcida pelo ciúme e ódio. Ela abriu a boca para continuar os sarcasmos, mas Rothbury não escutou, pois fechara a porta com estrondo.
O grito de frustração soou camuflado através da madeira pesada.
- Summers.
- Sim, milorde?
- Não receberei mais visitas femininas, com exceção da srta. Greene.
- Entendi, milorde.
Rothbury voltou-se, desgostoso com o que acabara de acontecer.
- Milorde - a vos de Summers interrompeu o trajeto até o gabinete. - Chegou uma carta enquanto... milorde estava ocupado com a visita.
- Ponha na salva próxima à porta. Verei isso amanhã.
- Perdão, sir, mas o jovem que a entregou disse que milorde deveria lê-la imediatamente.
Rothbury suspirou e pegou a carta. Enteou em seu gabinete, rompeu o lacre com o abridor e foi até a lareira para as chamas clarearem o papel.

Prezado milorde,

Estou escrevendo para informá-lo de uma situação ocorrida durante sua visita recente a Northumberland. O casamento entre milorde e sua dama, que deveria ser uma farsa, na verdade foi genuíno e legítimo. Uma vez cruzada a pequena ponte, milorde se encontrou na aldeia de Dirleton, em solo escocês, lugar onde nasci e morei toda minha vida.
Pelas leis escocesas, os senhores foram abençoados com uma união sagrada. Embora eu preferisse dizer que o fato foi acidental, sou obrigado a afirmar que sua avó orquestrou todo o processo, comprou o anel de meu irmão que é ferreiro e mora perto ds estrada. Ela implorou para eu não revelar a artimanha, mas como servo de Deus, não pude ocultar por mais tempo a informação. Mando inclusa a certidão de casamento.
Que Deus abençoe dua união e que o futuro lhes traga muitas alegrias.
Saudações,
Padre Robert Armstrong.

Misericórdia, o que sua avó fizera?
Só então percebeu que estava com as mãos trêmulas e deixou-se cair na poltrona.
Nada diria a Charlotte. O segredo seria seu, de mais ninguém, e se extinguiria com sua morte. Ah, ele estava enganando a si mesmo.
Teria de contar a ela. Esse seria o caminho correto. Por mais patife que fosse, ele a amava.
Como explicar a ela o que acontecera? Qual seria a reação de Charlotte? Quando deveria fazer essa revelação?
Teria de fazer isso imediatamente.
Olhou o relógio. Nove e meia. Naquele momento ela deveria estar chegando à festa dos Langley. Sorridente, na certa dançava e flertava com os amigos dele, esperançosa de ser cortejada por algum do grupo.
Era urgente descortinar o segredo, mesmo com o risco de ela passar a odiá-lo. Com certeza Charlotte o desprezaria, pois o fato afastaria para sempre qualquer esperança de ela conquistar Tristan. Ela teria que esquecer aquele capítulo de sua vida.
- Summers!
- Ordene a meu criado de quarto para providenciar minhas roupas sociais com toda pressa e peçam que tragam minha carruagem. Vou sair para buscar minha esposa.

Um Conde Sedutor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora