Capítulo XV

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Um cavalheiro não deve subestimar uma dama, mesmo ela sendo idosa.

No dia seguinte, após o café da manhã,  todos foram de carruagem até a floresta mal-assombrada. Rothbury seguia na frente, montado em Petruchio, o lustroso garanhão negro. Desde a noite anterior na biblioteca,  Rothbury não conversava com Charlotte nem a olhava. Ela, ao contrário, não deixava de observá-lo, sentindo o mundo de pernas para o ar, pois esperava ser considerada apenas como amiga do conde.
Eles rodaram por quase uma hora e atravessaram uma muralha antiga e parcialmente destruída.  Detiveram-se perto de um riacho em meio a um verdadeiro mar de pinheiros. Por entre as árvores,  um caminho penetrava mata adentro.
Louisette desceu da carruagem e apontou um banco de pedra próximo a uma construção em ruínas. Pediu a Charlotte que a ajudasse a chegar lá e dispensou-a.
Charlotte recuou para apreciar cenário deslumbrante. A ravina cor de esmeralda era rodeada por uma floresta de pinus muito altos. Segundo diziam, o caminho chegava até o trecho encantado. Hyacinth e a srta. Drake, de braços dados e exitadas, iniciaram o trajeto difícil. Charlotte poderia tê-las seguido, se quisesse, mas não teve vontade de assustar-se sem necessidade.
Enquanto aguardava a volta das duas, resolveu andar um pouco para pensar.
Não podia acreditar que Rothbury a desejasse havia anos, nem entendia o motivo pelo qual o fato parecia irritá-lo. Se a desejava por tanto tempo, por que ele não tomara uma atitude e se reprimia para não seduzí-la? Aquilo não fazia sentido.
Rodeou uma poça de lama, levantou a barra das saias para evitar que se sujassem e perguntou-se por qie justo ela fora a preferida entre tantas mulheres que ele perseguira, conquistara e rejeitara? Nesse caso, por que ele se mantivera afastado?
Logo depois escutou passos e virou-se. Seu coração disparou ao ver que Rothbury se aproximava. Em silêncio,  caminharam por um campo pintalgado de prímulas e dedaleiras.
Charlotte fitou-o várias vezes, mas ele não correspondeu ao olhar. Com expressão contemplativa, ele mirava o rio qie serpeava através da vegetação,  margeado por campos floridos.
- Costumava pescar quando era menino? - ela decidiu puxar o assunto.
Rothbury anuiu com um sorriso leve.
- Sim, trutas e Salmões.
- Verdade?
Ele anuiu, seco.
- Foi seu pai quem o incentivou?
- Não, foiminha mãe. Ela adorava pescar, mas não gostava de pôr a isca no anzol. Deve ser por isso que ela começou a levar-me junto. Seu passeio predileto era vir para cá e nós nos divertíamos bastante.
- Seu pai os acompanhava? - Charlotte perguntou com cautela, na expectativa de fazê-lo falar um pouco de si.
- Nunca. Meu pai não participava dessas diversões.
- E quando você e ele saiam juntos?
Eles se aproximaram de um afloramento rochoso e Rothbury estendeu a mão para ajudar Charlotte a dar a volta.
- Ah, nas suas atividades costumeiras. Quando eu estava com nove anos, ele me levou a um pub e me fez beber ate embriagar-me. Em outra ocasião, roubou minha mesada com o pretexto de ensinar-me a jogar cartas e chicoteou-me quando procurei reaver meu dinheiro, usando o mesmo método.
Uma vez, tentou afogar-me em uma tentativa disfarçada de ensinar-me a nadar. Também me apresentou ao mundo das prost...
- Está brincando, não é?
- De jeito nenhum - ele respondeu desalento.
Ele continuou segurando a mão de Charlotte, enquanto prosseguiam por uma suave inclinação do terreno.
- Isso dá a impressão de que sua mãe era a única luminosidade de seus dias.
- E era - ele respondeu com calma.
- O que aconteceu?
- Ela partiu quando eu tinha oito anos.
Era a isso que Louisette se referiu ao perguntar se eu o deixaria?
Charlotte gostaria não apenas de fazer outras perguntas e saber mais. Adoraria abracá-lo apertado, mas evitou prosseguir o interrogatório por causa da voz desolada de Rothbury.
De repent, ele a virou e fitou-a com calor. Ela deveria assustar-se com o fato de um desejar o outro,  mas o qie temia no momento era a perspectiva de escorregar.
No alto era mais frio e ela estremeceu.
- Vejo que está tremendo.  - Ele segurou-lhe as mãos delicadas, levou-as aos lábios e soprou ar quente nelas.  - Vamos para a carruagem. Sua mãe e a srta. Drake voltarão em breve.
- Quero aproveitar só mais um pouco - ela murmurou, maravilhada com a extensão aveludada que os rodeava.
A pastagem se estendia por quilômetros, de todos os lados, com exceção da faixa de floresta densa que ficara para trás. Era um lugar para ficar sozinha e meditar.
Virou-se e olhou ladeira abaixo. O banco onde Louisette estivera sentada encontrava-se vazio.
- Rothbury! Sua avó! Para onde ela foi?
Eles desceram correndo a colina. Enquanto ela interrogava o cocheiro, Rothbury montou em um movimento rápido.
- Fique aqui - ele ordenou, puxando as rédeas do cavalo que resfolegava e empinava ao sentir a impaciência e a agitação do cavaleiro.
Dizendo isso, afastou-se à procura da avó.
Charlotte também resolveu fazer uma busca e logo depois encontrou Louisette conversando com um cavalheiro que falava com sotaque escocês, junto a uma pequena ponte destinada à passagem de pedestres. Eles pareciam se conhecer, mas só quando Rothbury chegou, entendeu tratar-se d eum pastor. Era Robert Armstrong e vivia em uma pequena cabana próxima à ponte.
Rothbury ficou feliz em encontrar a avó, mas a advertiu com carinho sobre a imprudência de perambular sozinha.
E, nisso, a tarde complicou-se.
Louisette, irritada, começou a falar muito depressa e Charlotte não a entendeu, apesar de conhecer o idioma francês. Com as mãos enrugadas em punhos, a idosa senhora batia os pés como uma criança, assumindo a aparência selvagem que denunciava a batalha contra a senilidade da qual Rothbury já comentara.
Apesar da paciência esgotada e da rapidez do diálogo, ele conseguiu manter a serenidade. Charlotte apenas captava frases e palavras soltas. Pelo que pôde discernir, Louisette exigia que Rothbury e Charlotte se casassem imediatamente. Naquele momento.
Rothbury tentava, sem perder o controle nem a ternura, convencê-la do contrário. Depois de algum tempo, Charlotte pôs a mão sobre a manga dele e murmurou se poderia falar-lhe em particular.
- Onde estamos? - ela perguntou assim que se afastaram.
Ele mexeu o queixo antes de responder.
- Isso não tem importância.  Quero pedir-lhe mil desculpas por tê-las convidado para virem até Aubry Park. Eu jamais deveria tê-la arrastado...
- Ninguém me arrastou. Onde estamos?
- Suponho que perto de Berwick.
- E Berwick é...
- Uma cidade da fronteira. - Ele passou a mão nos cabelos despenteados.
- É uma cidade inglesa?
Ele piscou várias vezes, procurando lembrar-se.
-É, embora tenha mudado para mãos escocesas umas treze vezes.
- Mas agora é inglesa?
- Sim e desde o século XV, se não me falha a memória histórica.
- Ótimo. Vamos fazer isso.
Ela admitiu que perdera o juízo, mas no momento só queria ajudar Rothbury. Além disso, enquanto estivessem em solo inglês, o casamento não seria legítimo. Na Inglaterra, era preciso uma licença especial e dispendiosa para o casamento, concedida pelo Arcebispo de Canterbury e a seu critério, ou os proclamas deveriam ser lidos em três semanas consecutivas na paróquia na qual os noivos pertenciam.
- Fazer o quê, Charlotte? - ele indagou, tenso.
- Vamos nos casar.
- O quê?
- Escute, não será um matrimônio válido, portanto pare de olhar-me como se eu fosse demente.
- Mas Charlotte...
- Ficarei a salvo, não se preocupe. Ninguém ficará sabendo e o enlace não será verdadeiro. Agora vá falar com ela, mad antes pergunte ao sacerdote se ele concorda em encenar a peça.
Rothbury passou a mão no queixo e hesitou, o que levou Charlotte a imaginar se a oferta seria aceita. Mas ao cabo de alguns minutos, ele foi falar com a avó e deu-lhe a boa nova.
No mesmo instante, Louisette voltou ao normal. Olhou a própria mão, tirou um anel do dedo e entregou-o ao neto.
- Pegue, é seu. Não o quero de volta.
- Nunca vi este anel, vovó - ele murmurou ao observar a joia. - É novo?
Louisette sorriu, exultante, e nada disse.
Ele inclinou a cabeça de lado, fitou Charlotte e estendeu a mão.  Sorrindo, ela aproximou-se.
Louisette conservou o sorriso brilhante durante a rápida cerimônia e somente se irritou com a insistência do religioso para falarem em inglês e quando ela fez questão que os noivos cruzassem a ponte para pronunciar os votos. Era uma exigência sem importância e eles fizeram a vontade de Louisette, embora Charlotte não entendesse a razão do pedido.
- O avô de Adam e eu nos casamos exatamente naquele local - Louisette explicou em francês. - Sou supersticiosa, minha querida. Tivemos uma união abençoada e muitos anos felizes, e desejo o mesmo para vocês.
Rothbury meneou a cabeça diante da explicação, e Charlotte fingiu não entender o que fora falado.
Dois minutos depois, Charlotte e Rothbury estavam casados.
Não exatamente, era o que ela supunha, mas os votos foram pronunciados, as palavras empenhadas e o anel foi deslizado em seu dedo.
Apesar da rapidez, tudo parecia verdadeiro.
Houvera um pastor e duas testemunhas. Uma era Louisette e a outra, um rapaz que andava pelo campo com seu collie. E ao término da cerimônia, Charlotte fora beijada. Primeiro, um beijo rápido e cálido na maçã do rosto, e dwpois um beijo grosseiro de Louisette em cada face.
Parecia real, mas vazio de alguma forma. Charlotte supôs que isso não deveria ter nenhum significado. Oficialmente não eram casados.
Louisette não pareceu importar-se com nada. Apertou Charlotte nos braços e proclamou jamais ter visto noiva tão bonita.
Tudo era muito, muito estranho.
Após o casamento, eles voltaram para a carruagem onde a mãe de Charlotte e a srta. Drake já estavam acomodadas. Louisette tagarelou alegremente e durante o trajeto de volta, não se cansou de falar sobre a notícia alegre. Hyacinth anuiu e sorriu com cortesia, mesmo sem entender uma só palavra.  Chegaram à mansão sem maiores incidentes.
Por sorte, o dano da carruagem dos Greene foi mínimo,  e mãe e filha poderiam retornar a Londres com presteza.

***

Charlotte olhava a mão e virava o pequeno anel de ouro no dedo mínimo,  o único em que ele servira e leu a inscrição:  Vous et nul autre. Você e nenhum outro.
Rothbury insistiu para ela ficar com a joia e pressionou no rosto a palma da mão de Charlotte.
- Você é uma amiga querida e eu lhe agradeço pela bondade que demonstrou para com minha avó.
- Gosto muito dela. De verdade.
- E ela retribui a esse amor.
E quanto a você?  ela quis gritar.  O que se passa nessa sua linda cabeça? Ela acabaria descobrindo?
' Você voltará a Londres para a temporada? - Charlotte,  de dentro da carruagem, inclinou-se para a frente. - Não esqueça que prometeu ajudar-me a encontrar um marido.
- E não foi o que eu fiz?  - ele brincou, referindo-se a si mesmo.
- Um marido de verdade. - Ela sorriu.
- Até logo, esposa - Rothbury deu um meio sorriso, com um brilho malicioso no olhar.
- Você irá a Londres? Afinal, prometeu ajudar-me. - Charlotte repetiu, sentindo-se subitamente desesperada.
Não para encontrar um pretendente antes de ser prometida a Witherby, mas para saber o que Rothbury estava pensando.
- Não sei. Eu pretendia ir a Londres por um motivo um pouco diferente.
- E qual seria?
- Seduzir a minha esposa.
Dizendo isso, Rothbury bateu na porta da carriagem, deu um sinal para o cocheiro partir, e deixou Charlotte com um sentimento estranho. Um tremor quente. Mas não de medo e sim de antecipação.

Um Conde Sedutor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora