Capítulo X

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Um cavalheiro evita todas as formas de duplicidade.

Arfante pela fuga, Charlotte diminuiu o passo para não atrair atenção.
Era pouco provável que Rothbury saísse correndo da biblioteca sem estar totalmente vestido para procurar a tola que ousara roubar-lhe um beijo. Mesmo um homem tão depravado como ele não faria algo tão chocante. Ou pelo menos rezava para que ele não o fizesse.
Ela se mesclou em meio à aglomeração e decidiu voltar até onde sua mãe cochilava.
Como fora tola, ela se repreendeu e sacudiu a cabeça. Era evidente que cruzara a frinteira invisível de um mundo em que não deveria meter o nariz... nem os lábios.
Naquela altura, poderia esquecer a compulsão em sonhar acordada com ele. Ter decifrado o enigma, concluiu que não fora nada de extraordinário.
A terra não se abrira a seus pés,  os joelhos não amoleceram nem ela desmaiara. Certamente deveria atribuir o calor pulsante que sentira quando Rothbury se atirara sobre ela como efeito de estar abalada pela queda.
Essa revelação serviu para assegurar de que estava a salvo do tratante e de seus estratagemas pecaminosos. E também não tinha ideia do motivo por que precisava estar tão segura disso.
Rodeou um grupo de cadeiras e resolveu passar por um pequeno corredor paa chegar ao outro lado do salão de baile. Assim chegaria mais depressa, pois o recinto estava lotado. No corredor estava mais fresco e o piso escuro se estendia diante dela, vazio. Suspirou, aliviada.
Infelizmente para ela, o refrigério foi prematuro.
A dois metros da outra entrada, sentiu um aperto revoltante no traseiro. E entendeu de imediato quem se encontrava às suas costas.
Ela se virou e abafou um gemido.
O visconde Witherby estava fantasiado de deus romano, e Charlotte teve certeza de que nunca vira uma tez mais pálida e craquelada em toda sua vida. Ele se aproximou e mexeu as sobrancelhas brancas em um gesto que pretendia ser encantador e amigável, mas que, na verdade, causou nela um arrepio de aversão.
- Está maravilhosa, srta. Greene.
- Obrigada - ela murmurou.
O visconde avaliou com um olhar investigativo as camadas brancas de renda e babados do vestido e deteve-se nos laços do corpete.
- A senhorita está vestida de... moça da ordenha?
- A fantasia é de pastora, milorde. - Ela inspirou fundo e lembrou-se que tinha uma arma.
Em silêncio, jurou arrebentar os dedos do visconde, caso ele tentasse outra ousadia. Mas... seu coração deu um pulo e ela virou a cabeça para os lados,  procurando.
- Oh, não! ela gemeu. - Onde foi que o deixei?
- Deixou o que, boneca? - Witherby perguntou com voz que procurava ser carinhosa.
Um choque de pânico percorreu-lhe a espinha e ela se virou em um círculo, procurando em vão a peça.
- O que perdeu, srta. Greene?
Ela engoliu em seco e procurou acalmar-se.
Não havia necessidade de preocupar-se com o paradeiro do cajado, havia?
- Não importa - ela retrucou.
- A senhorita está bem? - Witherby perguntou, inclinando a cabeça de lado.
- Muito bem. - Era mentira. Sua cabeça rodopiava para lembrar-se onde havia deixado aquela parte integrante da fantasia.
E ao entender o que acontecera, foi como se o ar dos pulmões houvesse se esgotado.
Devo tê-lo deixado na biblioteca
Rezou para que Rothbury não o tivesse descoberto. Caso o achasse, saberia de quem era? Provavelmente, não.
E se ele ainda estivesse rolando no chão por causa da joelhada na virilha? Charlotte fez uma careta e desejou que ele se recuperasse. Não pretendera machucá-lo tanto.
Witherby chamou sua atenção ao tirar o monóculo do bolso. Com a lente diante do olho, o órgão visual pareceu dobrar de tamanho enquanto o nobre idoso analisava-lhe o corpete.
- A senhorita me concederia a honra de dançar a próxima música?  - ele literalmente perguntou ao busto.
- Bem... eu, ah... sabe como é... - Ela olhou ao redor com fisionomia de desespero.
- Creio que é uma valsa... e será a última da noite. Além do mais venho esperando há tempos para discutirmos um assunto de extrema importância.
Era certo que, se aceitasse o convite de Witherby, ele pediria sua mão em casamento.
Bom Deus, não queria dançar com aquele homem, muito menos se casar com ele. O que mais desejava naquele instante era levar a mãe para cima e esconder-se de Rothbury nos aposentos delas. Nem mesmo se importava em saber para onde fora o demoníaco lorde Tristan. Mas qual desculpa, que não fosse uma das centenas já empregadas, ela poderia usar? Sua imaginação já estava cansada de tanto inventar histórias. Precisava de um fato novo e tentava encontrar um argumento sólido.
Taçvez devesse dançar com o visconde, sua mente a aconselhou. Se Rothbury a visse, pensaria que ela nem mesmo saíra do salão de baile.
Nesse caso ela correria o risco de encorajar o velho lorde e isso era algo de que ela queria evitar ainda mais do que o olhar penetrante de Rothbury.
- O que eu pretendia dizer, sir, é que eu... - Um calor diferente espalhou-se por suas costas, mas ela ignorou o fato.
- Sim? - Witherby, olhou por cima da cabeça de Charlotte,  fazendo-a imaginar se seu chapéu não estaria torto depois da queda na biblioteca.
O calor nas costas aumentou dando a impressão de que ela estava próxima a uma fornalha.
- Não posso dançar com milorde porque... isto é... - Ela deu uma tossidela. - Milorde entende...
- A srta. Greene não pode dançar com o senhor - uma voz profunda ecoou atrás dela - porque ela já havia prometido dançar a próxima comigo.
Ela teve de engolir um espasmo o de medo ao reconhecer a quem pertencia aquela voz cálida e indolente.
Witherby recuou diante da intrusão.
- Eu me admiro - o visconde fitou Rothbury com desconfiança - que a jovem dama hesite em aceitar meu pedido. Sei que a srta. Greene não tem permissão de dançar com você.
Rothbury disfarçou uma risada baixa e profunda. O som ecoou pela espinha de Charlotte e alojou-se na sola dos pés calçados com sapatilhas.
Ela se virou e fitou Rothbury de esguelha. Ele estava em pé, firme e com as mãos para trás.  Os cabelos presos na nuca deixavam escapar apenas uma mecha que caía na testa.
O conde deu um sorriso torto, sem desviar os olhos de Witherby.  Em qualquer outro homem, pareceria charmoso e juvenil. Naquele rosto perfeito, parecia alerta, letal. Era uma advertência silenciosa para quem o desafiasse. Se o visconde tocasse em Charlotte,  Rothbury teria o prazer de quebrar-lhe os dedos.
Ela notou que, para sua felicidade, Rothbury não estava com o cajado e, portanto, talvez não o tivesse encontrado na biblioteca. Nesse caso, não teria noção de quem lhe roubara o beijo.
Rothbury olhou-a por um segundo antes de encarar novamente o visconde idoso.
- Por que não perguntamos a srta . Greene em quem ela está interessada?
Charlotte experimentou um arrepio. Os dois sabiam que em público ele não deveria dirigir-se a ela informalmente, para não despertar comentários. No entanto, a formalidade na ênfase a srta. Greene dita por Rothbury parecia uma grande impropriedade. Como se ele soubesse de um segredo terrível e pretendesse compartilhar o mesmo. No entanto, dessa vez, era possível que não se tratasse de uma cena. Ele descobrira o segredo do beijo roubado e pretendia torná-lo conhecido.
O visconde estufou o peito, na certa pensando que ela tomaria a decisão correta. A mais simples. E a mais segura.
Os acordes abrangentes dos violinos assinalavam uma valsa.
Diante da hesitação de Charlotte, Witherby franziu o cenho com desaprovação,  levando para baixo as rugas que adornavam os lábios finos.
- Permita-me lembrá-la, minha querida srta. Greene, de que sua mãe está sentada a poucos passos daqui e está observando a altercação.
Então, se a mãe acordara, Charlotte deveria dar as costas para Rothbury e não tomar conhecimento de sua presença. Se Hyacinth entendesse que o conde mal-afamado tentava evitar que a filha dançasse com Witherby,  não havia dúvida de que ela se veria novamente afastada de seu amigo.
O que deveria fazer? Por mais detestável que fosse dançar com Witherby, o fato a salvaria da vergonha de ter de falar com Rothbury depois do que fizera e do que vira. Mesmo que ele não soubesse que ela testemunhara sua pouca vestimenta nem que o beijara. E dançar com Rothbury a salvaria de WItherby.
A solução era difícil. Em última instância,  Rothbury poderia salvá-la, mas na verdade isso seria como escapar das garras de um lobo cinzento para cair na toca de uma raposa ladina que acabaria por devorá-la na primeira oportunidade. Mas em segundos, ela inspirou fundo, decidida.
-É verdade, sir. Prometi dançar com lorde Rothbury - ela afirmou, resoluta.
- Muito bem, srta. Greene.  -Witherby aproximou a cabeça para cochichar. - Em outras circunstâncias, minha jovem, eu poderia pensar que está me evitando. Não importa. O bom-senso prevalecerá. E quando isso acontecer, estarei esperando. Boa noite. - Ele guardou o monóculo no bolso, fez uma mesura e afastou-se.
Charlotte observou em silêncio a retirada do visconde, estranhamente agradecida por Rothbury ter chegado a tempo. Entretanto, a vergonha a respeito de sua atitude insólita na biblioteca excedia aquela admissão.
E outra coisa lhe ocorreu, deixando-a aflita. O que teria testemunhado, se houvesse chegado cinco minutos mais cedo, antes de lady Gilton retirar-se?
Sentiu o estômago revolto. Engoliu em seco, tentando ao máximo esquecer a sensação e as emoções que poderiam ter causado o mal-estar.
- Obrigada - ela sussurrou, virando a cabeça alguns centímetros para discernir com a visão periférica se Rothbury ainda se encontrava às suas costas.  Embora o calor por ele emanado fosse prova suficiente.
Conquanto gostasse de dançar com Rothbury,  o convite tivera apenas o objetivo de salvá-la de WItherby. Os dois não ignoravam que seria impossível dançar ali, diante de Hyancinth que se mostrava disposta a guardar ferozmente o coração da filha. Pela primeira vez, congratulou-se com a decisão da mãe. De repente, não desejou estar nos braços de Rothbury.  O próprio comportamento devasso de pouco antes a deixara apavorada.
- Esta é a segunda, terceira ou quarta vez que você veio em meu auxílio?  Se perder o controle acabará se tornando um cavalheiro. Com ou sem minha ajuda.
Ele fechou os olhos por um momento e inalou o leve aroma cítrico. Naquele momento, o que ele mais desejava era o desaparecimento de todos os convidados do salão para tomar Charlotte nos braços, rasgar aquele chapéu ridículo, enrolar os dedos em seus cabelos e beijar-lhe o pescoço esguio. Por que o perfume dela era tão delicioso?
Em silêncio, recriminou-se por não adivinhar quem se contorcera debaixo dele na biblioteca. Ora, se soubesse que se tratava de Charlotte, poderia ter aproveitado o momento, por mais efêmero que fosse.
Teve de admitir, no entanto, que fora muito bom não ter desconfiado da verdade. Ele teria sido forçado a expor, com a maior satisfação e detalhes profusos, as complexidades de um beijo autêntico.
- Duvido de que me tornarei um cavalheiro tão cedo ou em qualquer tempo - disse atrás dela.
Os convidados começaram a perambular pelo corredor, alguns em direção à pista de dança, outros deixando o salão para andar a esmo. A passagem das pessoas permitiu-lhes um pouco de privacidade, pois a visão da mãe de Charlotte era dificultada pelos caminhantes. Mesmo que a sra. Greene se levantasse da poltrona e resolvesse interromper a conversa deles, ela demoraria no mínimo dez minutos para atravessar o salão. Eles poderiam continuar o diálogo por mais algum tempo.
- Está se divertindo esta noite, srta. Greene?
Ela anuiu, acreditando que no momento seria seguro virar-se para vê- lo.
- Que bom. - Ele sorriu com malícia quando Charlotte o fitou. - Creio que todas as jovens, principalmente as tímidas e reservadas como a senhorita, deveriam embarcar em novos horizontes... tentar novas façanhas. Indiscutivelmente eu não só aprovarei, mas também a encorajarei a satisfazer suas fantasias mais ousadas. Falando nisso, por acaso perdeu alguma coisa?
Ferroadas familiares de vergonha, sem mencionar o pavor, espalharam-se pelos sentidos de Charlotte.
- N-não, não perdi.
- Tem certeza?
- Absoluta.
Sem perda de tempo, Rothbury mostrou o cajado que escondera atrás de si.
Apesar de sentir o coração aos pulos, ela continuou decidida a não admitir nada e a pensar claramente. Havia uma possibilidade de convencê-lo de outra história e ela se mostrou surpresa.
- Ora, vejam só! Larguei por aí essa coisa incômoda há algum tempo e me esqueci completamente disso. Obrigada, milorde. Ah, que cabeça a minha, de ter deixado o bordão em lugar errado!
- Lugar errado? - O olhar de Rothbury brilhava com malícia.
- Hum-hum. - Charlotte anuiu, pressionando os lábios. Aquela era, pelo menos, uma verdade.
- Diga-me, pois não posso deixar de imaginar o motivo... por qie resolveu largar o cajado?
Ela o fitou com indiferença estudada.
- O que houve? - Ele sorriu. - Perdeu a língua? Isso é difícil de acreditar, pois nas poucas vezes em que estivemos na companhia um do outro, nunca a vi ficar sem resposta.
Uma vermelhidão traiçoeira começou a subir pelo pescoço de Charlotte.
- De r-repente d-descobri qie não pretendo mais conversar e muito menos dançar. Queira desculpar-me, milorde, tenho de ir. - Ela tentou segurar o cajado.
Suavemente, ele tirou a peça de seu alcance e ela tropeçou para a frente, pressionando o busto no peito sólido de Rothbury que não fez o menor movimento para ajudá-la a se afastar. Limitou-se a olhá-la com o sorriso meio divertido e meio sedutor.
- Bem, Charlotte, poderia me explicar por que me beijou? - ele perguntou em tom sombrio, com voz profunda e quente que a intoxicava. - Imagino que não pôde controlar-se, não é?
Ela procurou um ponto de equilíbrio, afastou-se e inspirou fundo, antes de mirar o cajado na mão grande e forte. Ah, como desejava derrubar o conde com o instrumento!
- Nem sei. - Ela fungou com pouco caso. Recusava-se terminantemente a ser uma daquelas mulheres que contribuíam para estufar o ego dele. - Creio que foi um simples caso de curiosidade.  Só isso.
- E a mesma foi satisfeita?
- Inteiramente. Não ficarei mais pensando em como é beijar - ela garantiu e afastou da testa um laço de fita que a incomodava. - Na verdade, achei isso... bastante rotineiro.
Ele pareceu pensativo.
- Que interessante.
- E por que diz isso?
- Veja só. - Rothbury passou a mão no queixo.  - A minha curiosidade aumentou dez vezes por suas atitudes.
- Verdade? - Ela pareceu muito ansiosa com aquela confissão. Tossiu e procurou perguntar com indiferença.  - Verdade?
Ele anuiu, mudou os pés de lugar e aproximou-se apenas alguns centímetros, mas o suficiente para irradiar um calor que a envolveu. Era como se a devorasse com os olhos, fazendo Charlotte sentir como se fosse arrastada na direção dele, embora seus pés não saissem do lugar.
- Pelo visto, eu a subestimei.
Ela procurou disfarçar o embaraço.
- Se continuar olhando para mim dessa maneira, com certeza acabaremos chamando a atenção. Não podemos simplesmente esquecer o caso e mudar de assunto?
- E sobre o que falaremos? Lorde Tristan ou Witherbotton?
- Witherby - ela o corrigiu.
- Seja lá quem ele for.
- Não quero falar sobre ele.
- Aquele velho acabado pretende pedir sua mão em casamento?
Ela não respondeu, apenas suspirou. A resposta era óbvia demais.
- E seus pais, sem dúvida, encorajam as intenções do atrevido - Rothbury comentou com incredulidade.
- É possível. Ela não escondeu o desânimo. - Ele e meus pais são amigos desde que eu era uma criança, mas isso não é de sua conta.
- Mas deveria ser da conta de alguém.
O visconde de Witherby,  conhecido no submundo da sociedade por ter fascinação secreta por meninas, na certa se interessara por Charlotte havia muito tempo. Embora bem mais velha para o gosto de Witherby, Charlotte parecia muito mais nova do que era na verdade. Talvez por isso atraía atenção um tanto anormal do visconde.
Rothbury não podia entrar na mansão dos Greene e acusar um conhecido deles de longa data. Quem acreditaria nele? Seria como contratar um leão que ataca o homem para proteger Charlotte de um urso faminto. Ele poderia matar o urso, mas o que o impediria de devorá-la depois?
- Ora, vamos. - Ele procurou redirecionar seus pensamentos. - Pode falar, escutarei com atenção.  Se quiser, posso fazer com que Witherby nunca mais a aborreça.
- E por que se daria a esse trabalho?
- Somos amigos.
Charlotte ergueu o queixo.
- Não, decidi renegar a minha oferta.
- Isso não é muito delicado de sua parte.
- Não me importo - ela retrucou com frieza.
- Eu, sim.
- Então talvez fosse melhor procurar lady Gilton - ela falou com rispidez e de repente interessou- se muito pela renda da luva. - A dama parecia bastante zangada.
Charlotte estaria com ciúmes?, ele se surpreendeu. Ela acreditaria que ele, apesar das intenções libertinas, perdera o interesse no que Cordélia lhe oferecia, pensara em Charlotte e fora incapaz de prosseguir?
Era evidente que ela não lhe daria crédito e não poderia culpá-la. Nem ele tinha certeza se acreditava em si mesmo.
Era ridículo imaginar que Charlotte estivesse com ciúmes. Afinal, ela passara os últimos seis meses tentando ajudá-lo a encontrar uma noiva adequada.
Não, ela não estava com ciúmes, pois o tratava apenas como um bom amigo. Mas por que ela enviava sinais contrários? Por que o beijara? Seria uma provocação ou uma brincadeira?  Apesar da insistência em afirmar que ele não ameaçava sua segurança, Charlotte confiava no que dizia? Era possível que o estivesse testando.
- Diga-me, qual foi a razão que a fez resolver retirar a proposta de amizade?
- Não posso ser amiga de um patife desprezível.
- Desprezível, eu? Não acabei de salvá-la daquele bode nojento e apaixonado?
- Onde está lorde Tristan? - Ela evitou responder e notou que o calor do olhar de Rothbury diminuía gradualmente à menção do nome do companheiro. - Ele tinha de vir.
Um criado passou com uma bandeja onde oscilavam taças de vinho. Rothbury pegou duas taças, ofereceu uma a Charlotte e depois de ela recusar, bebeu as duas.
- Imagino que deve estar retido no salão de jogos - ele afirmou com uma careta e deixou as taças vazias sobre uma mesa lateral.
- O que vamos fazer? - ela perguntou.
- Você fala francês?
A pergunta a deixou confusa. Mas em seguida pensou em explicar que entendia francês com exceção de alguns dialetos, que sua pronúncia era abaixo da média e que seu problema era a conjugação de verbos.
No entanto, hesitou. O que ele pretendia com aquela questão realmente estranha?
- Então?  - Rothbury insistiu com calma.
Ela fez um leve gesto negativo com a cabeça.
- Não falo francês.  - Não era uma mentira. Ele perguntou se ela falava francês e não se entendia aquele idioma.
- Muito bem - ele disse, pensativo. - Por acaso sua mãe fala francês?
Quanto mais ele perguntava, mais ela se certificava de que fora uma boa ideia manter seu pequeno segredo. Por que ele precisava certificar- se que nem ela nem a mãe falavam aquele idioma?
- Também não.  - Essa era uma verdade. Hyacinth Greene não tinha a menor noção de francês,  nem gostava de falar certas frases na linguagem que era tão comum nos salões da sociedade.
- Perfeito.
- Estou imaginando... Charlotte estreitou os olhos, intrigada.
- Como sua mãe está determinada a perdê-la para aquele velho, decidi oferecer uma solução para seu dilema, desde que estabeleçamos uma condição.
- O que pretwnde com isso?
- Muito simples. Minha avó foi convidada para o baile desta noite, mas sua saúde frágil a impede de aproveitar os eventos que antes lhe davam muito prazer e isso a aborrece bastante.
- Bastante compreensível.  - Ela simpatizava com os problemas de saúde dos pais idosos e dos amigos deles, igualmente de idade avançada.
- Ela não recebe muitas pessoas - Rothbury explicou, olhando-a intensamente - e se tornou solidária. Venha para Aubry Park para tomar chá e lanchar. Em paga pela visita, eu a ajudarei a livrar-se de Witherby.
Ela apertou os lábios, olhando-o com desconfiança.
- E como pensa fazer isso?
- Organize uma lista de homens solteiros que a agradariam como marido, leve para Aubry Park amanhã à tarde, e eu a ajudarei a conquistar um deles antes da temporada terminar.
- Essa não me parece uma troca justa, milorde. Visitar sua avó é bastante simples e a tarefa que se propõe pode ser impossível.
- Não creio nisso.
Charlotte abriu a boca, mas hesitou em falar. A luminosidade do olhar de Rothbury provocou uma onda de calor em seu ventre.
Ele sacudiu rapidamente a cabeça para afastar uma mecha de cabelos dos olhos.
- E também existe a possibilidade de Tristan também comparecer, pois ele está interessado em uma de minhas potrancas. Ele não se surpreenderia ao vê-la em Aubry Park comigo? Talvez até se arrependa de ter escolhido uma noiva que o abandonou. E não era sua intenção deixá-lo com ciúmes?  - Sussurrou. - Ele merece um pequeno castigo por tê-la iludido. O que me diz, srta. Greene? Posso conseguir um convite de minha avó para a senhorita e sua mãe.
Ela não evitou uma pequena risada de chacota. A ideia era meritória, mas na realidade, impraticável. A mãe seria capaz de comer o próprio chapéu e o da filha, antes de dar um passo na direção da casa de Rothbury, e jamais aceitaria um convite daqueles.
- Eu agradeço, mas isso não vai funcionar. Se está lembrado, minha mãe proibiu que eu me aproximasse de milorde... para sempre.
- Podemos pensar em outra maneira...
Ela meneou a cabeça com tristeza.
- Sua proposta é tentadora, mas não há nada que a faça mudar de ideia.
- Perto de minha casa há uma floresta que tem fama de ser mal-assombrada.
Charlotte procurou esconder a surpresa.
- Não acredito que tenha se lembrado do que lhe contei sobre a obsessão de mamãe com a metafísica.
Rothbury fez uma careta.
- Srta. Greene, eu presto atenção a cada palavra que passa por seus lábios. Seria interessante adicionar esse fato à sua lista de atributos requeridos pelos maridos em potencial.
Ela pôs uma das mãos no quadril e bateu o pé, pensativa. Sua mãe seria tentada pela sugestão de que a floresta na propriedade dos Rothbury era infestada de espíritos? Talvez... Outro plano lhe veio à mente. Uma solução melhor. Uma estratégia que não poderia falhar.
Fitou-o dos pés à cabeça. Ele não parecia talhado para o papel, mas ela faria sua mãe acreditar.
- Muito bem... - murmurou. - Aceitarei seu convite para visitar Aubry Park... e me aprofundarei em seu plano.
Ele arqueou as sombrancelhas.
- Devo fazer o convite pessoalmente?
- Oh, não. - Ela riu. - Não se incomode, milorde. Será melhor deixar o convencimento comigo.
 

    Vocês ficarão surpresos com o plano da pequena ardilosa.
😉


Um Conde Sedutor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora