Capítulo IV

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Um cavalheiro valoriza seus amigos, mesmo quando um deles aparece inesperadamente.

Três meses depois.

Rothbury dormia sem roupas.
Talvez por isso houvesse se aborrecido ao ser despertado pelo som inconfundível de alguém escalando a treliça com rosas do lado de fora da janela do seu quarto.
Murmurou uma imprecação. Estivera em meio a um sonho insaciável e peculiar. Peculiar porque nunca tivera atração por pastoras, e insaciável porque não podia afastar-se da moça. Embora não pudesse ver-lhe o rosto, ela era tentadora com os bicos róseos dos seios espiando por cima do corpete. Ele abaixara a cabeça e...
Um estalo e o som de um galho fino que se quebrava arrancou-o de suas reflexões sonolentas.
Ergueu as costas, apoiou-se nos cotovelos e piscou para abrir um olho bem a tempo de ver surgir por cima do parapeito da janela uma sombrinha cheia de babados que caiu no chão com um pequeno estrondo.
O que estava acontecendo?
Desde quando ladrões, assassinos e malfeitores londrinos usavam sombrinhas decorativas em vez de pistolas e cacetetes?
Sacudiu a cabeça em uma tentativa de afastar a bruma que toldava seu raciocínio. Apesar da arma insólita escolhida, era preciso conceber um rapido plano de ação para dominar sem demora o vilão que pretendia invadir a sua mansão. O tempo era curto e não havia como parecer ameaçador diante de um intruso, se tivesse de pular da cama brandindo apenas a barba por fazer.
Mesmo assim, ele refletiu com um sorriso sonolento, seria capaz de apostar um estábulo lotado de suas cobiçadas éguas árabes como poderia contar com o elemento surpresa.
Nesse momento, escutou alguns gemidos tipicamente femininos do lado de fora da jabela aberta e seu sorriso feneceu.
Murmurou nova imprecação e tornou a deitar-se.
- Outra maldita mulher?
No passado, suas admiradoras mantinham distância e limitavam-se a observá-lo atrás dos leques de seda, piscando do outro lado dos salões de baile... ou agarravam discretamente sua coxa por baixo da mesa de jantar.
Tornara-se perito em selecionar beldades que satisfaziam seu gosto apurado para persuadí-las a ocupar a posição mais valorizada de todas as outras. Debaixo dele, na cama. E por causa de sua aparência e de sua fortuna, o objetivo era muito fácil de obter.
Entretanto tudo se modificara nessa temporada.
As mulheres chegavam em bandos e tudo por causa da publicação de um jornal viciado em escândalos onde se dizia que ele pretendia abandonar a vida de devassidão e procurar uma esposa.
Uma afirmativa simples, mas o colunista do periódico deixara em polvorosa todas as jovens solteiras e suas mães.
No entanto, por ser um depravado, com certeza atraía as mais ousadas, aquelas que não tinham pudores em invadir sua casa.
Um som de pés que escorregavam foi seguido por um baque na lateral da residência. Quem tentava escalar a parede parecia enfrentar dificuldades na empreitada.
- Quem será dessa vez? - murmurou e afastou dos olhos as mechas de cabelos.
Seria uma amante intrépida e determinada a encontrar novamente o caminho ds cama dele de qualquer maneira?
Acovardou-se. Provavelmente deveria ser uma dessas jovens de cabeça oca que esperavam prendê-lo em uma situação comprometedora para conseguir uma proposta de casamento, a menos que ele pretendesse levar umntiro do pai da moça.
De qualquer maneira teria de suportar o agravo de dispensá-la. Afinal, tinha certeza de que nunca se aproveitaria de uma situação de desespero. Bem, pelo menos não mais.
Ultimamente supunha-se que ele passara a ter um bom comportamento.
O luar lançava seus raios e sombras altas no chão e o vento suave do sul fazia as cortinas ondularem. Seria uma noiye agradável destinada a um sono tranquilo, se não fossem os arquejos provocados por um grande esforço e que se tornavam mais próximos a cada segundo quando uma mulher chegou à janela.
Ele observou, com um misto de impaciência e receio, uma mão enluvada agarrar-se no peitoril. Mais um pouco e conheciria a identidade da invasora.
Logo apareceu a aba de um chapéu adornado com uma fita de babados de renda. Era uma jovem, mas sua silhueta bloqueava a luz da lua e a fisionomia ficava na obscuridade. Ela apoiou os antebraços no caixilho e lutou para erguer-se, dando um pequeno grito e um gemido.
Quando ela passou uma perna pelo peitoril, Rothbury escutou o som de tecido sendo rasgado e logo pensou em um estrago na barra do vestido. A jovem disse uma imprecação em voz mal audível e literalmente caiu no chão do quarto.
- Ui!
Ele pretendia esperar até ela se erguer e apresentar-se, mas a visitante pareceu ficar satisfeita em ficar deitada no chão,  olhando o teto, o que dava uma excelente observação do busto que subia e descia pelo cansaço da proeza.
Rothbury sentou-se, pôs as pernas para fora da lateral da cama e não se incomodou com o lençol fino que escorregou até a cintura. Olhou para si mesmo e considerou a situação de sua nudez por estar na presença de uma dama. Fez um gesto de pouco caso, resolvido não pegar nenhum calção para efeito de recato. Afinal não tinha nenhum disponível. Recato e não o calção.
A jovem, provavelmente refeita do cansaço, levantou-se usando as mãos e os pés e teopeçou na barra rasgada que lhe atrapalhou os passos rumo à janela. Ela se inclinou sobre o parapeito, espiou para fora e fez sinal para alguém que estava em baixo.
Ele mudou de posição,  olhou para a janela e imaginou se o pai da referida moça e um vigário estariam aguardando na moita.
A dama se virou e inclinou a cabeça como se estivesse à procura de alguém no escuro e foi possível perceber, pela respiração, que ela estava trêmula, o que por pouco não o fez estremecer.
Ela deu dois passos em sua direção.
- Procurando por mim?
- Oh! - Ela pulou para trás, quase caindo pela janela.
Ele adiantou-se para segurá-la pela cintura e o lençol deslizou até os joelhos.
- Estou bem - ela afirmou, esticou um braço para a frente e agarrou o beiral com a outra mão. - Você me assustou.
- Eu a assustei?
- É evidente.
Ela se afastou da janela, limpou a saia de pétalas e folhas que ali estavam grudadas, e tirou a luva para examinar a ponta do dedo mindinho. Pareceu satisfeita ao ver que nada  havia acontecido e virou a cabeça de lado para localizar o dono da casa.
- Onde você está?
- Aqui - ele disse, casualmente, como se estivesse acostumado a dar boas-vindas a intrusos de sua casa. - Na cama.
- O quê? - Ela gritou. - Na sua cama ?
- Exato.
- Como isso é possível?
- Bem, este é meu quarto e, por mais incrível que possa parecer, a maioria dos quartos e, por mais incrível que possa parecer, a maioria dos quartos tem camas dentro deles. Não entendo por que ficou tão assustada.
- Certamente isso não passa de uma brincadeira. - Ela deu uma risadinha, esperando que ele a estivesse provocando. - E já passou a hora de chistes, não acha?
Rothbury cruzou os braços sobre o peito.
- Posso perguntat-lhe onde bocê pensa que está?
- Em seu gabinete, é claro.
- É claro - ele repetiu, cuidadosamente, tentando lembrar-se se houvera algum relato de uma fugitiva recente de Bedlam, o asilo de loucos.
- Agora esta pronto para começar? - ela falou com voz de babá mal-humorada e virou a cabeça tentando estabelecer o local onde se encontrava. - Eu gostaria de iniciar logo. Onde posso sentar-me?
- Não há cadeiras aqui.
- Por quê não?
- Pelo simples fato de estarmos em meu quarto. A menos que prefira sentar-se na minha cama... ou no meu colo. Nesse caso eu teria prazer em acomodá-la em outra noite. Se bem que... - Ele coçou o queixo com pensamentos maliciosos - ... seris divertido se quisesse mudar a minha opinião.
Ela sufocou um grito quase imperceptível.
- Eu... e... estou em seu quarto, não é?
- Sim, estou dizendo pela terceira vez -  ele soletrou as palavras, duvidando que a intrusa pudesse ver...
Charlotte curvou-se para pegar a sombrinha que provavelmente usaria como arma. E quando se endireitou, um brilho de luz refletiu-se perto da face, fazendo Rothbury que ela usava óculos.
Ele estreitou os olhos. Apenas uma jovem de seu conhecimento e de aparência delicada usava óculos. Porém Charlotte Greene era extraordinariamente tímida e não se atreveria a cercar a residência de um homem solteiro para chegar a seu quarto. Não podia ser ela. Na certa ele ainda não acordara direito.
Ela tirou uma folha de papel amassado do bolso e abriu-o sob a luz do luar.
- Esse mapa está todo errado. - Irritada, bateu o pé no chão.
- Depois de chegar a essa conclusão, por acaso sabe no quarto de quem se encontra no momento?
- É evidente que sim. - Ela olhou na direção dele e agitou a mão. - Você acha que eu ando por ai passando pelas janelas de homens desconhecidos?
- Não posso garantir que eu saiba a resposta correta a essa questão.  - O que estaria acontecendo? Ele ainda sonhava? Deu uma tossidela. - Contudo, tenho certeza de uma coisa.
- E o que é?
- Nunca esperei me deparar com você entrando sorrateiramente em minha residência no meio da noite.
Ela sacudiu os ombros.
- E a noite não é a melhor hora para se fazer isso?
Nesse ponto ela estava com a razão.
- Além disso - continuou como se Rothbury fosse um retardado -, eu não podia bater na porta da frente ou acabaria acordando a vizinhança.
- Não, não. Nem pensar nisso.
- Rothbury, está tudo bem? Por quê esta parecendo tão estranho? Lamento ter entrado em seu quarto, foi mesmo um erro, mas afinal você sabia que eu viria.
- É mesmo?
- É evidente que sim. Sua residência da cidade era o único local onde nós poderíamos nos encontrar em segredo. Você não comparece aos mesmos eventos sociais frequentados por mim e como bem sabe, nosso círculo de amizades não se sobrepõe.
- Pois eu lhe asseguro, minha jovem maluquinha, que eu não tinha a menor ideia do que a faria vir ate aqui.
- Você esta pretendendo dizer que não sabia... - Ela se empertigou, indignada e confusa. - Mas que descaso! Então esteve me ignorando, não é?
- Pode ser. A maior parte de minha vida costumo ignorar as mulheres e lhe garanto que isso é necessário.  Nem todo o tempo do mundo seria suficiente par dar atenção a todas.
Ela começou a andar de janela a janela, resmungando algo. Rothbury entendeu apenas: arrogante, teimoso e bufão.
- Espere. - Ela parou diante dele, mas a uma distância que não daria uma visão perfeita. - Você recebeu minhas cartas, não recebeu?
Cartas... Cartas. Sua mente trabalhou rápido. Ele recebia incontáveis cartas de mulheres e dera ordem a seu advogado para jogar fora muitas delas.
Charlotte suspirou, exasperada.
- Eu mandei também uma mensagem para avisá-lo de que nós deveríamos nos encontrar em segredo esta noite. Trata-se de um assunto urgente.
- Recebo cartas desse tipo com muita frequência. - Ele sentia que a paciência se esgotava.
- Pense, Rothbury.
Ele só conseguia pensar que estava deitado, desnudo e que os dois se encontravam sozinhos. Ela obviamente não se incomodava com a própria virtude, portanto só havia duas razões para onvadir seu quarto no meio da noite. Ou desejava ser sua amante ou queria arrastá-lo ao casamento. Ou talvez as duas coisas. Mas ela não parava de ficar irritada,  o que o deixava confuso e precavido. Suspirou, passando os dedos nos cabelos desalinhados.
- Diga o qie deseja, moça, e vá embora.
- Desde quando você me chama de moça?
Ele sacudiu a cabeça, sem entender.
- Sou eu - ela afirmou com um tom de vulnerabilidade que sempre o lembrava de algo.
- Charlotte.
Aquilo não era um sonho, era um pesadelo.
Ele sentiu a boca mole. Seria preferível que ele estivesse sonhando. Ter certeza de quem estava em seu quarto foi como receber um soco no peito.
Ela deu um passo para o lado e um raio de luar iluminou o contorno de seu rosto, o pescoço elegante e um cacho de cabelos que se enrolara na fita do chapéu.
Charlotte. Tímida, quieta e em heral previsível, exceto por aquela noite.
Não podia imaginar o que a levara a escalar a parede de sua casa para entrar em seu quarto, mas estava disposto a descobrir.
Afinal eram amigos, ou pelo menos era o que ela afirmava com determinação.
E para agradá-la, tivera de concordar e fazê-la acreditar que isso eria verdade.
Segundo Charlotte,  a amizade entre eles começara na noite do baile na casa do duque Wolverest. Ela afirmava que Rothbury a salvara da vergonha de não ter sido tirada para dançar e o chamarar de "herói relutante". O que não era verdade.
No entanto ele permitira que ela se agarrasse aquela pequena história,  rindo enquanto o evento era recontado animadamente pela centésima vez.
Charlotte Greene era uma mulher adorável,  embora fosse impulsiva. Mesmo depois de encontrá-lo na pior, bem talvez não fosse a pior das situações, um fato permanecia. Fora bondosa e lhe oferecera amizade. Para um homem como ele, isso era notável.  Naquela noite, sob a janela de Rosalind, bêbado e com a batida na cabeça, poderia ter morrido se ela não estivesse lá para fazê-lo voltar a consciência.
Embora a desejasse, secretamente esperava nunca cruzar a linha proverbial. E cpm certeza havia três noções que o mantinham andando na corda bamba.
A primeira era Charlotte achar ridícula a ideia de casar-se com ele.
A segunda era suspeitar de que ela ainda estivesse enamorada de Tristan.
A terceira era ela tê-lo adotado como seu mais novo amigo.
Ah, como odiava a palavra "amigo".
Para infelicidade de Charlotte,  aquela pequena missão amistosa teria de ser conduzida em segredo. Hyacinth Greene, como a maioria das mães, considerava-o como um tratante desprezível e proibia-os de conversar ou de aproximarem um do outro. Portanto eles se encontravam no parque e em vários outros compromissos sociais, sempre ao acaso previamente combinado.
Rothbury considerava aquele um relacionamento estranho e admitia que também formavam um casal estranho.  Os cabelos fulvos e soltos dele faziam pensar em um leão,  e ela, em um camundongo.
Ora, que disparate! Na certa acabaria se tornando completamente maluco.
- Charlotte.-  ele murmurou em voz baixa, esfregando a testa. - Não posso acreditar que esteja na minha casa e em meu quarto.
- Quem pensou que eu fosse? - Ela sacudiu a cabeça com zombaria e deixou o mapa na mesa de barbear, sem soltar a sombrinha. - A quem estava aguardando esta noite?
- Quem sabe um grande número de mulheres.
Ela cruzou os braços na altura do peito, forte indicativo de que  ela não gostara do comentário. Era um gesto defensivo. Ele era perito em ler a linguagem corporal, principalmente a de quem o interessava.
- Nunca vi jovem mais determinada. - ele olhou para a janela. - E também dotada de muita agilidade. Rothbury bocejou e espreguiçou os braços acima da cabeça. A última mulher que tentou escalar a parede desta casa enroscou a renda do vestido nas roseiras. Pobrezinha. Só foi descoberta de madrugada, pendurada praticamente de cabeça para baixo. - Na ocasião ele não estivera em casa, mas o jardineiro garantira qie a mulher o pagara regiamente para manter segredo sobre o caso.
- Eu agradeço por sua história presunçosa.
- Faço qualquer coisa para agradá-la. - Ele passou a mão nos cabelos novamente.
- Você é um namorador desavergonhado.
Ele a fitou, com uma mecha de cabelos nos olhos.
- Esteja certa de que sua acusação me ofendeu. Como ousa enodoar meu caráter?
- Você deveria estar se comportando.
- E estou - Ele fingiu-se ofendido. - Quem não estava era você.
- Não brinque.
- Não estou brincando. Seu empenho é deplorável, para alguém determinada a evitar patifes.
- Não seja tolo! - Charlotte bateu o pé,  impaciente. - Vamos ao que interessa, embora eu desconfie de que o motivo de minha visita deve ser uma incógnita para você.
- Acertou. Talvez tenha sido uma súbita manifestação divina. É, deve ser isso. Vamos ver... Após meses à procura do perfeito cavalheiro, deve ter descoberto que precisa de uma boa dose de homens depravados e por isso decidiu começar por mim. - Ele bateu no colo, sabendo que ela não veria o gesto no escuro. - Como eu não gostaria que você encontrasse outro,  farei o possível para não perder sua atenção.
- Ela aceitou algum de seus pedidos de visita? - Charlotte esforçou-se para não ser grosseira enquanto se referia a Rosalind, a mulher que ele tentava cortejar, embora o duque achasse que a reputação de Rothbury não o fazia digno nem de lamber-lhe as botas graciosas.
Ela supunha que ele deixara cartões de visita com o mordomo dos Devine na semana anterior, o que não correspondia a verdade.
- Não. - Ele a fitou bem de perto.
O que ela faria e o que diria, se soubesse que o único motivo para ele fingir gostar de Rosalind era para estar perto de Charlotte Greene? Ela o considerava seu pequeno plano e isso trazia à luz uma autoconfiança que talvez ela nem soubesse que possuía. Algo que o atraía como um farol, como se ele precisasse de mais encorajamento.
Charlotte estava certa de que o ajudava, mas, de fato, ela desperdiçava tempo. Fingir que ainda  estava apaixonado por Rosalind só para estar perto de Charlotte era uma criancice, mas ele não encontrava outra alternativa. Além disso, manter sentimentos secretos era sua especialidade.
- Não se preocupe - ela murmurou. - Tenho outra ideia.
- Não estou preocupado - ele tentou tranquilizá-la.
Mas ela precisava estar temerosa.
Ele a advertira naquele dia em Wolverest que homens e mulheres não poderiam ser amigos, pois um acabaria desejando o outro. Era óbvio que emitira já haver chegado àquele ponto e muito além, embora soubesse que somente a amizade resultaria do relacionamento deles. Nada mais. Certamente seus sentimentos acabariam fenecendo e até lá tentaria comportar-se como um cavalheiro,  independentemente do quanto isso o fizesse sofrer.
Apesar de tê-la avisado várias vezes para não confiar nele, ela não renunciava, e seria preferível que estivesse certa. A confiança que ela lhe dedicava era cativante, embora fosse dedicada a uma pessoa indigna. Nessa noite Charlotte passara por cima de um acordo implícito, ao vir até o quarto dele no meio da noite.
- Sou obrigado a afirmar - Rothbury disse com voz firme - que estou espantado por seu comportamento hoje.
Era imprescindível corrigí-la, antes que ela se metesse em apuros, pois ele duvidava de que pudesse continuar  procurando abrigo na imaginação. Por mais que lutasse, mais detalhados seus pensamentos se tornavam.
Em várias ocasiões, quando ela tagarelava sobre algum chapéu que pensava em remodelar ou qualquer conversa semelhante, ele a imaginava nua, sentada em seu colo, usando apenas meias e óculos.
Droga! Por que sua mente deveria dar sempre uma guinada para a depravação?  Ele reconheceu estar muito desgostoso com a própria falta de disciplina. Pelo visto seu modo de pensar era idêntico ao dos animais da fazenda.
Era uma sorte ela não imaginar o que se passava naquela mente devassa, pois se soubesse, seria capaz de sair de sua vida. Ele fechou os olhos por um momento, bloqueando os pensamentos desconexos.
Devo fazer-lhe uma pergunta, Charlotte. Sei que é conhecida por sua timidez, por tropeçar nas palavras ou por não conseguir articulá-las quando se encontra perto de um homem. Por que nunca se comportou assim comigo?
Nem seria preciso questionar, pois a resposta era óbvia. Isso acontecia porque Charlotte não tinha nenhum interesse romântico nele.
Apesar de parecer surpresa com a pergunta, ela logo se recuperou.
- Deve ser porque me sinto segura com você, mesmo sabendo que isso é um disparate, pelo fato dos homens de sua família serem todos uns devassos. Mas a verdade é que estou ciente de seu interesse por outra mulher há muito tempo. E mesmo antes de lady Rosalind, você pediu a minha amiga Madelyn para ser sua noiva ou sua amante, não me lembro bem. - Ela meneou a cabeça - De qualquer modo, entendo que você é uma pessoa sem rodeios. Se tivesse algum interesse em mim, eu saberia disso há séculos, pois ja teria sido violentada em um jardim de alguma mansão.  - Ela deu uma risada rouca.
Era surpreendente Charlotte não ter ideia de quanto era sedutora e por fazer uma ideia tão errônea dele.
- Pode imaginar - ela continuou entre risos - eu e você em um jardim... abraçados com paixão?
Ela ficou séria. Estaria imaginando a cena?
Ah, mas ele já fantasiara situações semelhantes inúmeras vezes!
- Venha cá. - Rothbury queria ver como ela reagiria diante de uma realidade.
Depois de hesitar um instante, ela deu um pequeno passo em sua direção.
Por razões desconhecidas, ele teve vontade de ranger os dentes. Quantas vezes teria de afirmar que não era homem com quem se deveria brincar? Que não tinha um lado bom, por mais que ela insistisse no contrário? Ela o considerava inofensivo por tê-lo visto agir como um bêbado idiota?
Ela não conhecia sua fama de depravado? Será que não ouvira falar das atitudes pavorosas que ele vinha praticando? Por que o ajudara no jardim naquele dia, sendo que qualquer outra mulher viraria o rosto e diria nada ter visto? E por que ela ainda estava ali? Droga! Ela podia não saber o que era melhor para ela, mas Rothbury tinha certeza de que ele não era.
Ele jamais poderia supor que Charlotte cometesse uma insensatez tão grande como visitá-lo na calada da noite, fossem amigos ou não.  O que acontecera de tão importante para terem que conversar com essa urgência?  Ela não se importava com a própria segurança? Ou não entendia a tentação que representava para ele? Uma coisa era vê-la no parque, em Vauxhall, ou sentarem-se um de costas para o outro em mesas contíguas de um café para disfarçar um encontro. Outra coisa bem diferente era estarem sozinhos no quarto dele.
Rothbury levantou-se e apertou o lençol no torso para mostrar a ela a tolice de subestimat-lhe o autocontrole e o efeito por ela provocado. Afinal, ele era apenas um homem e ela, uma mulher adorável, mesmo que lhe faltasse perícia em julgamentos básicos.
Indiferente ao fato de estar sem roupas, sem se importar com o calor e a tensão que palpitavam nele, adiantou-se. Charlotte teria de recuar ou... seria alcançada por ele.

Um Conde Sedutor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora