Capítulo III

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A mente de um cavalheiro está sempre alerta e seus reflexos são aguçados.

- Milorde? Como está o senhor? Rothbury inalou a atmosfera com leve aroma de limão que provocou uma ardência inesperada de receptividade em seus pulmões. Diante dele apareceram olhos cor de safira, difusos e distorcidos.
- Não tente um homem desesperado.
- Creio que Milorde já citou Shakespeare o suficiente por uma noite.
Por um momento a atmosfera pareceu brilhar ao redor dos cabelos de Charlotte, o que o deixou mais confuso.
- Você é um anjo? - ele escutou o próprio murmúrio.
- Está se sentindo bem? - ela perguntou com voz suave, parecendo conter o riso.
Ele fechou os olhos ao sentir a dor na parte traseira da cabeça que por pouco não o fez mergulhar no reino abençoado do esquecimento e disse uma imprecação.
- Ao cair, Milorde deve ter batido a cabeça em uma pedra, mas, por favor, não pragueje - o anjo respondeu de cima.
- Estou morto? - Depous de um momento de silêncio, escutou um ruge-ruge de tecidos e imaginou que ela o rodeava exalando calor e um delicado aroma cítrico. Sorriu. - Você tem a fragrancia do sol.
A afirmação ridícula o fez supor que estivesse morto... e no céu. Impossível. Todos diziam que ele trilharia o caminho ígneo para o inferno.
- Milorde não morreu - o anjo afirmou - mas creio que sei de Alguém que deseja a sua morte.
- Anjo atrevido - Rothbury sussurrou. Com os olhos fechados, tentou erguer-se para apoiar nos cotovelos. Mas não suportou a zonzeira. - Droga e...
Uma palma delicada fechou-lhe a boca, o que o surpreendeu.
- Eu já lhe pedi - ela o admoestou com leveza - para não praguejar.
A palma da mão era cálida de encontro a seus lábios.
- Milorde é o único culpado pelo que aconteceu. - Ela parecia uma babá rigorosa. - A dama não o deseja.
- Qual dama? Esta?
A mão de Charlotte impediu o próximo comentário. Se estivesse com outra disposição de espírito e sem aquela dor terrível, Rothbury adoraria dar uma mordida só para vê-la escandalizada. No entanto a melhor atitude seria ficar deitado. Além disso, o aroma era delicioso.
- Promete não empregar uma linguagem vulgar?
Ele resmungou qualquer coisa e esperou que fosse interpretado como sim, caso contrário a morderia. Pôs a mão no coração para o caso de ela não haver entendido.
- Então está certo. - Ela procurou não rir. O que gostaria de dizer?
Embora ela houvesse retirado a mão, Rothbury suspeitava de que a mesma não fora afastada.
- Mas o que dia... - Ele hesitou e sentiu que seus cabelos eram afastados da testa com gestos delicados. - O que houve?
- Na verdade, posso apenas supor.
- Então por quê não tenta uma explicação? - ele pediu, satisfeito porque sua impaciência herdada ainda estava intacta.
Charlotte suspirou, leve e feminina, e Rothbury twve vontade de vê-la, mas receou ficar enjoado se abrisse os olhos.
- Pode lembrar-se do que aconteceu?
- Não muito bem.
- Uma mulher enfurecida atirou um livro pela janela.
A memória de Rothbury veio à tona em uma torrente de lembranças que se sucediam rapidamente, uma após a outra.
Lembrou-se de estar sentado sozinho na sua residência da cidade e ter bebido meia garrafa de uísque para celebrar o fato de seu melhor amigo não ter escolhido a srta. Greene. Depois lhe ocorreu que, mesmo com Tristan fora de cena, jamais poderia almejar nada com ela. O que o fez recorrer à outra metade da bebida e, depois disso, nada mais fez muito sentido.
O que não era totalmente verdadeiro. Beber ocasionalmente não o abalara, desde que fizesse uma lauta refeição.
Peocurou clarear as ideias e recordou-se de ter cambaleado para fora de casa, indo até a estrebaria, disposto a sair dali e esmerar-se ao máximo para cortejar a irmã do duque. E por que não? Elebprecisava casar-se e lady Rosalind era bela, bondosa e... bem, não sabia muita coisa a respeito dela. Mas era assim que todas eram, belas e eaquivas.
Menos uma jovem que penetrara em seu coração com sutileza, uma cujo sorriso o fazia acreditar que fosse bondoso... e o deixava com receio de sofrer. Por isso se mantivera afastado, fingindo indiferença. Era mesmo um covarde.
Charlotte passara seis anos suspirando por Tristan, sem jamais lançar um olhar de esguelha para Rothbury. Enquanto isso, elebse divertia com outras mulheres, esperando que uma delas chegasse a interessá-lo, fazendo com que esquecesse aquela que sonhava com seu melhor amigo. Umaginara que a afeição por Tristan não passasse de uma fantasia de colegial. Porém não fora. Tratava-se do amor pelo que ele ansiava para si mesmo.
- Devido à sua reputação e a maneira como a sociedade o considera - o anjo alegou - suponho que um homem como Milorde provoque tais discussões com frequência.
Ele pensou em negar a suposição, mas desistiu. Estava na hora d edescerrar as pálpebras para ver o semblante de sua interlocutora.
Depois de pestanejar rapidamente, viu o rosto pequeno em forma d coração. Uma fisionomia linda. Não se tratava de uma sedutora curvilínea nem de uma cortesã de coração frio.
Era um rosto delicado que ele adorava.
Srta. Charlotte Greene - ele falou, assumindo um risco e ergueu a cabeça para ver melhor.
Ela estava sentada a seu lado com as pernas embrulhadas na camisola branca e sorria, preocupada, fitando-o com os maravilhosos olhos cor de safira que em geral ficavam escondidos atrás de lentes pequenas e redondas.
A jovem dama era o oposto das mulheres que o atraíam. Esguia, de estatura baixa e muito calada para seu gosto que sempre se inclinara na direção das mulheres voluptuosas, altas e fogosas. Em geral não se destacava das outras e era de se supor que ela preferia que assim fosse.
Enquanto a maioria dos janotas esquecia os méritos de Charlotte e caçoava de seu comportamento singular, sempre às suas costas, Rothbury sempre sentira uma tendência sutil de paixão em seu olhar. Ao contrário dos diamantes da sociedade e das mulheres de reputação duvidosa que circulavam pelos salões lotados, conscientes da beleza e do poder, ela se movimentava como se não estivesse consciente do próprio encanto. Colava-se às paredes, muitas vezes mal erguendo os olhos do chão. Raramente falava a não ser com os amigos íntimos e se esquivava de situações que exigiam uma conversa com o sexo oposto.
Estranhava ter notado a srta. Greene e o mais curioso era perceber tantos detalhes em uma mulher tão despretensiosa. Mas semprw se dava conta de sua presença, assim que ela entrava em um salão.
De repente ficou irritado.
Era deprimente que ela o visse naquele estado lastimável. Sacudiu novamente a cabeça para tentar raciocinar. Estivera ele declamando Shakespeare sob a janela de Rosalind? Reprimiu um gemido e jurou nunca mais beber gim. Ou teria sido uísque? Cristo, nem isso ele se lembrava direito!
- Srta. Greene, se me prometer jamais revelar a ninguém o meu comportamento imbecil desta noite, eu lhe serei devedor de um grande obséquio.
Charlotte sorriu sem exagero.
- Concordo. Está se sentindo melhor?
Rothbury anuiu com um breve aceno de cabeça com seus pensamentos não muito claros pelo espírito indulgente e pela forte dor nas têmporas.
- Ótimo. De início achei que ela o houvesse matado e que me culpassem por isso.
- Sua generosidade me espanta.
- Impressionante, Milorde. - Ela esboçou um sorriso. - Completamente bêbado e ainda assim se mostra azedo. - Abaixou-se com ar conspirador. - Em relação à dama - apontou a janela e sussurrou -, suponho que ela não está interessada em suas atenções.
- Eu sei - ele respondeu no mesmo tom e observou-a com olhar semicerrado.
Ela fitou-o, pensativa.
- Ainda assim está determinado a persegui-la? Todos sabem que o duque não permitirá sua aproximação da irmã mais nova.
Aquilo não era novidade. Lady Rosalind não era a única mulher que não aceitava a sua corte por vontade própria ou de outrem. Mas essas rejeições não o perturbavam e ele as esquecia com facilidade.
- Por eu ser um patife?
- Sim - ela comentou, sem emoção. - A reputação de farrista tem sempre essas consequências.
- Concordo. - Ainda mais quando alguém confessa isso francamente.
Rothbury tentou fitá-la com sedução, para que ela parasse de intrometer-se em seus assuntos particulares. No entanto melhor seria mandá-la para a dama de companhia desligada que nem a vira sair. Mas diante das limitações físicas atuais, ele nem podia erguer uma sombrancelha.
- Como foi que conseguiu chagar aqui em instantes? - De repente ele desejou não ter se entregado com tanta euforia aos desejos.
- Eu estava acordada.
- A essa hora? - Ele nem mesmo sabia que horas eram. Ainda estava escuro, mas por certo não tardaria a amanhecer.
Imaginou Charlotte dormimdo. Os cabelos loiro-claros estariam soltos e espalhados no travesseiro como um estandarte dourado. Caso ela se virasse muito na cama, a camisola erguer-se-ia até os quadris, revelando as coxas lisas e o...
- Quer que eu chame um médico? - ela ofereceu. - Milorde me parece muito corado.
Rothbury engoliu em seco e tirou os pensamentos adoráveis da cabeça.
- Não, estou bem. - Era o que sempre acontecia. Ele ficaria bem. Na verdade, tornara-se perito em fingir que estava ótimo. Nada que um pouco de uísque não pudesse resolver.
Ela anuiu e ele observou a trança grossa que descansava sobre o busto. Poucas mechas contornavam as orelhas e uma, bem mais longa, se soltara da trança.
Ele sorriu e mirou-a de alto a baixo, desde a fita branca que fechava o decote alto da camisola até onde imaginou que os pés estivessem escondidos. Quando voltou a fitar o rosto delicado, Charlotte sorriu com delicadeza e mostrou-se vulnerável.
- Como comprovei que o ferimento não tem gravidade, preciso ir. Alguém poderá nos descobrir.
- Venha cá - ele sussurrou.
Aquele era o sentimento mais estranho e singular que já tivera. Por razões que ignorava, sentiu necessidade de abraçá-la. Talvez precisasse meamo de um médico.
E para sua surpresa, ela não saiu correndo em direção contrária. Aproximou-se mais, parando perto de seu quadril, mesmo não sendo uma coquete de primeira linha. A srta. Greene era uma jovem dama digna e respeitável, daquela que passavam a quilômetros de distância de homens como ele.
Rothbury tocou em uma madeixa próxima da orelha de Charlotte e os fios se encolheram como uma mola quando foram largados. Imaginou que levaria um tapa na mão por ser tão atrevido, mas não foi o que aconteceu. Ela estreitou os olhos e observou-o de perto.
- Agora - ele cerrou as pálpebras com uma piscadela lenta -, acho que deveria voltar ao seu quarto.
- Sabe o que eu penso, Milorde? - Charlotte perguntou de repente.
- Diga. - Ele fez uma careta.
- Creio que precisamos um do outro.
Rothbury ficou sério e pestanejou. Não tinha a menor ideia para onde a conversa se dirigia nem pretendia descobrir. Além do mais, precisava ir embora antes que Rosalind atirasse mais alguma coisa pela janela. Ficaria péssimo se algo dirigido a ele atingisse Charlotte.
- Seria muito lhe pedir para ajudar-me a levantar? - Odiou pedir isso, mas teve medo de cair.
Ora, mas por que enganar a si mesmo? Aquela era uma desculpa para sentir novamente o toque suave dela.
- De maneira nenhuma. - Ela levantou-se e estendeu-lhe a mão .
Rothbury aceitou e ergueu-se com cuidado para não tombar. Uma vez em pé, ele se equilibrou, agarrando com firmeza o ramo mais próximo da árvore. As pontadas na cabeça aumentaram de modo alarmante, mas logo cederam até se trarnformar em uma dor menos intensa. Ele fechou os olhos por um momento e quando os abriu, Charlotte Greene continuava parada diante dele, esfregando as mãos.
- Tem certeza de que se encontra em condições de sair daqui?
- Tão boas como as que sempre estive.
- Está frio, não gostaria d elevar meu xale?
Ele recusou a dove oferta com um gwsto de cabeça, disfarçando o sorriso com uma careta.
Ela se adiantou para tirar a sujeira e as folhas dos ombros e dos cabelos dele. Na ponta dos pés, examinou o local da contusão e ele inclinou a cabeça para facilitar a inspeção.
- Não há sangramento - ela falou -, apenas uma pequena saliência. Faça compressas geladas quando chegar em casa e o inchaço deverá desaparecer.
Ele anuiu, sentindo-se outra pessoa. Alguém que merecia a atenção de uma jovem respeitável e não sua censura.
- Eu a ouvi dizer que precisamos um do outro? - Ele ficou curioso.
- Exato, Pense um pouco, milorde. Como conseguirei um grande om marido depois da rejeição de lorde Tristan? E como Milorde conquistará lady Rosalind ou qualquer outra noiva aceitável, se todos o conhecem como um pilantra desprezível?
- Bem, isso tem mesmo sido um problema.
Era uma questão que se agravava com o passar dos anos. Algumas vezes ele imaginava se fora destinado a perambular pelos salões de baile, fingindo perseguir uma mulher, enquanto se recriminava por haver encontrado a jovem certa, mas que amava outro e estava fora de seu caminho.
Ainda assim, não podia imaginar por que a srta. Greene concluíra que ele precisava dela. Ou talvez com a perda de Tristan...
- Srta. Greene, está propondo que eu a despose?
Ela arregalou os olhos e riu.
- Oh, não, por Deus! - Agitou a mão no ar com expressão de pouco caso. - Não seja ridículo.
Charlotte cobriu a boca com a mão e continuou a rir. Rothbury teve a impressão de que ela se divertiria durante dias com a sugestão.
E por que aquilo era tão ridículo? Embora esperasse uma negativa, por que a ideia de casar-se com ele seria tão hilária?
- Eu jamais poderia casar- me com Milorde nem com ninguém parecido. Posso ser umnpouco impulsiva às vezes, mas aprendi a lição depois de confiar o coração a um pilantra. E o senhor é, como todos sabem, umbpstife de primeira linha.
- Então por que exatamente eu precisaria da senhorita? - Ele não pôde esconder a irritação.
Ela suspirou, dominando o riso.
- Milorde, estou propondo uma amizade entre nós.
- Amizade? - ele repetiu, sem acreditar no que ouvira. Talvez ainda estivesse inconsciente e provavelmente entendera errado.
O sorriso largo de Charlotte foi para fazê-lo entender que ela era muito mais inteligente do que ele.
- Milorde já ouviu falar nessa palavra?
Ele estreitou os olhos com expressão carrancuda. Era uma garantia de não a achar nem um pouco divertida.
- É lógico, tenho muitos amigos.
- Quer dizer amigas e conhecidas, não é?
- Sim, tenho muitas.
Ela revirou os olhos.
- Mas e uma amiga de verdade? Uma com quem não tenha relações íntimas ou um tórrido romance? Ou para ser mais precisa, uma que jamais se sentisse provocada em agredí-lo fisicamente?
O silêncio foi uma resposta bem eloquente.
- Então é preciso deduzir que precisa de mim. - Ela ergueu os ombros, alegre.
Rothbury moveu os lábios, mas, por um motivo bizarro, não conseguia falar. Aquela moça miúda estaria lhe oferecendo companheirismo? Por que? Associar-se com ele era uma aventura arriscada.
Ele passou a mão no queixo e deu um sorriso pesaroso. Diabos, Charlotte era mesmo inocente.
- Srta. Greene, suponho que esqueceu o fato mais importante.
- E qual é?
- É impossível haver amizade entre homens e mulheres.
- Por que? - Ela franziu o cenho.
Ele evitou sorrir. Se quisesse, poderia enganá-la com facilidade. Como uma pessoa tão ingênua poderia ter vivido sem se expor a perigos, sem ser despojada ou ser coagida a comprar um cavalo de três pernas pelo menos meia dúzia de vezes? Tossiu para evitar um sorriso cínico.
- Por que, minha doce e ingênua criatura, o desejo poderá encontrar caminho fácil na história. Por acaso já ouviu falar em desejo?
Ela pressionou os lábios e anuiu.
- Claro.
- Que pena, eu gostaria de explicar-lhe o fato em detalhes, inclusive com exemplos.
- O desejo é um pecado.
- Sim, e é o meu favorito. - Rothbury deu um sorriso matreiro, mas ela apenas piscou.
- Milorde estava dizendo... - Charlotte não pareceu impressionada.
Ele suspirou.
- Bem, qualquer dia um de nós poderá começar a ter... certas ideias a respeito do outro. - Na verdade ele ja começava a trilhar esse caminho.
Charlotte tornou a estreitar os olhos de maneira meio irritante e meio adorável.
- Milorde se acha irresistível, não é?
Ele abriu a boca, provavelmente para dizer um gracejo, mas logo se lembrou da cena deplorável que acabara de exibir e não conteve o riso.
- Naturalmente, agora não sou irresistível, mas em geral...
- Sua modéstia é surpreendente - ela afirmou com frieza.
- Acredite no que quiser, mas a verdade é que acabaríamos completamente obcecados em descobrir como seria...
- Está tentando afirmar que já tentou isso antes e falhou?
- Não. O que estou pretendendo explicar é que as pessoas não decidem simplesmente quando iniciar uma amizade. Nós não somos marionetes, srta. Greene. Ademais homens e mulheres não podem ser amigos, isso não acontece.  - Ele levantou a mão para impedí-la de interromper seu raciocínio.  - E mesmo que uma camaradagem possa ocorrer,  a atração, a surpresa e a tentação vão desbancar o relacionamento. - O que realmente começara. Ser seu amigo só pioraria as coisas.
- Agora é milorde que esta esquecendo um fator importante.
- E qual é?
- Eu não inspiro desejo. Tudo o que provoquei foram promessas sussurradas de um homem que, em segundos, arrependeu-se e pediu a outra mulher para casar-se com ele. Além disso - foi a vez de ela impedí-lo de interromper -, creio que em relação a milorde poderei restringir- me facilmente. Por isso, considerando tudo...
- E por que se incomodar com o fato? O que a senhorita supõe que ganharemos com essa aliança?
- Compete a milorde decidir. - Ela estendeu a mão.
Depois de olhar por um segundo os dedos bem feitos, imaginou perversamente o que poderia fazer para despertar a raiva da srta. Greene e fazê-la atirar objetos na cabeça dele como lady Rosalind fizera. Mas era impossível imaginar isso olhando para aquele rosto bonito e simpático. Ela não podia ser real. Aquele encontro devia fazer parte de um sonho estranho provocado por excesso de uísque e pela pancada na cabeça.
Ele também estendeu a mão e por um instante segurou os dedos de Charlotte, antes de fechar o acordo.
Ela fitou com certo nervosismo as mãos juntas que ele não pretendia soltar.
Rothbury levou a mão dela aos lábios e beijou-lhe levemente os nós dos dedos. Era curioso, mas não pensava em seduzí-la, e sim decifrar-lhe os pensamentos. Teria ela algum motivo em particular para a oferta? Pretenderia um relacionamento amistoso por ele ser amigo de Tristan?
- Preciso ir - ela murmurou, com certo ar de tristeza. Virou-se para ir embora, parou e voltou a olhar o novo amigo. - Eu o verei no baile anual a fantasia dos Hawthorne em julho?
Ele sempre era convidado, mas nunca comparecia. Aubry Park era próximo da propriedade dos Hawthorne em Northumberland, porém suas preferências recaíam sobre outros compromissos mais interessantes.
- O baile será daqui a três meses. A senhorita tem certeza de que irá?
Ela anuiu com um meio sorriso.
- Vamos todos os anos. Minha prima Lizzie faz questão de ir e minha mãe adora tudo o que é metafísico. Lá existem os tais caminhos e cavernas mal-assombrados. Mamãe sempre me arrastapara uma das excursões.
Rothbury anuiu, sem saber o que dizer. Nunca tivera uma conversa amistosa com uma mulher e que não envolvesse nenhum interesse oculto. Era estranho, mas verdadeiro. Seu modo de ação era adular, manipular e seduzir. Ou permitir que fizessem o mesmo com ele.
- Boa noite - ele disse.
- Boa noite. - Ela sorriu e virou-se. - Milorde sabe - ela disse por sobre o ombro - que eu não deveria conversar com homens que tem a sua fama?
- Será um pouco difícil tornar-se amiga de alguém que não permitem sequer conversar - ele murmurou, mas ela já se afastara.
Rothbury observou-a voltar para casa e sua mente pecadora concentrou-se nos traseiro pequeno, suavemente arredondado que se meneava sem nenhuma intenção oculta, mas de maneira facinante.
Seu cavalo, Petruchio, na certa achando que o momento era de segurança, saiu do esconderijo e focinhou as suas costas, rompendo a concentração.
- Perdão - ele falou com o cavalo.  - As mulheres roubam toda a minha atenção.
Rothbury agarrou o arção da sela e montou rapidamente, o que o deixou zonzo. Inspirou fundo e incitou a montaria a um trote.
No curto trajeto de volta, esquecido completamente de lady Rosalind, ele se concentrou o tempo inteiro em Charlotte Greene,  em sua total ingenuidade e na proposta surpreendente.
Em parte, desejava que ela esquecesse aquele absurdo e acabasse entendendo a tolice de associar-se com ele. Mas por outro lado, talvez fosse melhor tê-la como amiga, do que nada.
Não conteve um riso interior ao pensar em outra possibilidade e zombou de si mesmo. A stra. Greene era uma jovem diferente, mas ingênua. Mulheres como ela não deveriam envolver-se com homens de sua espécie.
Atravessou mais um quarteirão e chegou em casa. Foi para seu gabinete onde procurou relaxar, bebericando a mistura horrível preparada pela governanta que garantia ser aquele um santo remédio para tontura.
O cão preferido ressonava a seus pés e uma pilha de correspondência aguardava a sua atenção. E com certeza, uma das cartas deveria ser da condessa viúva, sua avó. Deu um gemido.
A querida senhora estava se tornando cada vez mais senil e o conteúdo de suas mensagens era sempre uma surpresa. Às vezes ela se lembrava quem ele era e em outras, não. Ela também gostava de contar qie todas as tarde tomava chá com Napoleão e com o sr. Nesbitt, um coelho enorme e falante.
Por isso mesmo, era preciso vigiá-la sem descanso, pois ela apresentava crises de comportamento estranho e ameaçava vender partes do condado se o neto não se casasse logo.
Por sorte, as propriedades eram domínios familiares vinculados aos bens de raiz e que não podiam ser vendidas, com exceção de Aubry Park e a fazenda da criação de cavalos. Contudo, ele desconfiava de que a avó não ameaçava as vendas para ser obedecida.
Fechou os olhos e recostou-se na poltrona. A solidão e o silêncio não o agradavam,  pois faziam-no lembrar de um passado que gostaria de esquecer.
Felizmente, entre memórias sombrias surgia sempre um sorriso tímido e uma auréola de cachos loiro-claros.
Abriu um olho e espiou uma carta que se encontrava afastada dad demais. Pegou-a e reconheceu o lacre do duque de Hawthorne.  Era um convite para o baile anual deles a fantasia.
Os Hawthorne tinham um filho que logo teria de se casar, mas raramente vinham até a cidade para a temporada. Famílias com filhas solteiras não ousariam reclamar do fato e perder a oportunidade de comparecer ao baile, mesmo que isso significasse viajar para fora de Londres por uma semana com armas e bagagens.
Acariciou a cabeça do cachorro e disse a si mesmo que estava mais do que na hora de comparecer a esse evento. Durante anos os Hawthorne tinham sido amigos leais de sua família,  em particular de sua mãe e de sua avó.
Tentou convencer-se de que não pensava em ir ao baile por causa de uma jovem de maravilhosos olhos cor de safira, que fazia muitas perguntas e que tinha a ilusão de tornar-se sua amiga.

Um Conde Sedutor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora