Capítulo XI - parte 2

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Aubry Park era uma enorme mansão em estilo elisabetano que fora restaurada com perfeição no século anterior com muitas sugestões góticas que deixaram a mãe de Charlotte em um verdadeiro frenesi para procurar fantasmas.
A enorme residência de pedras claras ficava escondida em uma floresta como se fizesse parte de um romance charmoso. À primeira aproximação, a edificação parecia modesta, cercada por um pequeno pátio,  sendo os andares superiores em madeira com frontões. Mas além da fachada, a residência se estendia para diante e conectava-se a uma miríade de alas e torres escondidas por árvores altas, trepadeiras e jardins murados privativos.
- Encantadora - Charlotte disse para si mesma, passando os dedos nas cerdas macias de uma escova de marfim.
Ela se encontrava sentada junto à penteadeira de um belo quarto que ocuparia durante a curta estada em Aubry Park. O aposento era aconchegante apesar de grande, e irradiava calor e acolhimento.
As paredes forradas com toile de jouy, uma pintura em azul e branco representando uma deliciosa cena rural, ressaltavam a mobília em mogno. O estofamento da cama era azul-claro e branco com sobrecéu do mesmo tecido. Sobre a lareira de alabastro havia um espelho dividido em três partes. Ao lado da porta de ligação com o aposento de Hyacinth, viam-se três poltronas confortáveis. No corredor, o relógio cuco exibia um passarinho que gorjeava a hora inteira. Charlotte escutava o ressonar de sua mãe, mas apesar de todos os incentivos para descansar, não podia ficar quieta. Dentro de uma hora, conheceriam a avó de Rothbury, a condessa viúva.
Na chegada, no grande sagão central, ela olhara para cima, admirara o teto dourado e oval e um calor estranho a invadira. Abaixara a cabeça e vira Rothbury com uma expressão quase... de arrependimento.
- O que houve? - perguntara, sentindo repentinamente ter cometido um grave erro por ter vindo a Aubry Park.
Ele piscou e sacudiu levemente a cabeça.
- Nada. Espero que sua curta permanência em Aubry Park seja agradável.
- Não vejo por que não deveria ser.
Um mordomo apareceu e pegou os casacos.
- Milorde, se me permite dizer - Hyacinth falou, enquanto espiava uma sala na obscuridade -, seu gosto para decoração é notável. Apresenta conforto e é campestre, sem perder o ar de nobreza. Estou realmente impressionada.
Rothbury virou-se para Charlotte com uma sombrancelha erguida.
Ela deu de ombros e abaixou o olhar para um vaso de porcelana pintado com uma carreira de margaridas do campo na borda.
Ele deu uma tossidela e sua voz profunda vibrou no vestíbulo elegante.
- O crédito não é para mim, madame. Minha avó...
Charlotte sacudiu a cabeça, esperando que ele entendesse o sinal de não prosseguir.
- Por que? - ele perguntou apenas com movimentos dos lábios.
Ela arregalou os olhos e Rothbury estreitou os dele, relaxando. Felizmente ele não. A pressionou por uma explicação.
Depois disso, o conde esclareceu que elas deveriam estar preparadas para acontecimentos estranhos, pois a condessa estava ficando idosa. Brincou afetuosamente, dizendo que a avó parecia ter cem anos, pois a cenilidade aumentava a passos largos. Em seguida afirmou que se encontraria com as duas mais tarde, pois teria de visitar um arrendatário que enfrentava problemas com malfeitores que roubavam os carneiros premiados.
E antes de sair, ele piscou para Charlotte... novamente. Ela daria tudo para saber o que ele pretendia dizer com esse gesto. Mas repreendeu a si mesma. Não deveria ficar tão excitada com piscadelas. Ele simplesmente flertava. Provocando. Eles eram apenas amigos e pretendiam ajudar um ao outro.
A luz do sol a atraiu para a janela. Largou a escova e atravessou o quarto, deslizando os pés sobre a pelúcia do tapete.
Passou a ponta de um dedo no braço da chaise lounge estofada em amarelo que estava sob a janela, ajoelhou-se no assento e espiou para fora. Encostou-se na vidraça e descansou os braços no peitoril.
Bem abaixo dela, as águas escuras de um lago refletiam as nuvens fendidas que se deslocavam no céu claro. Ao lado viam-se dois salgueiros, cujos galhos melancólicos e baixos ousavam perturbar a beleza plácida das águas cristalinas.
Além do lago havia um extenso jardim que formava um labirinto com paredes formadas por teixos altos e muito bem cortados. Da janela, um ponto de observação privilegiado, o labirinto parecia simples de solucionar, mas Charlotte suspeitou que por dentro das cercas vivas, todo senso de direção ficaria deturpado.
Mais uma vez as imagens de Rothbury se imiscuíram em seus pensamentos e ela refletiu se o pequeno Adam corria ali quando menino. Ele provavelmente conhecia cada ângulo e cada canto do parque, atirando pedras no lago e brincando com barquinhos de madeira.
Aubry Park era um lugar mágico, pouco conhecido e adorável, que pedia uma beldade como condessa. Uma beldade como lady Rosalind, ela refletiu com seriedade.
Meneou a cabeça e advertiu-se para não perder tempo e se vestir.
Afinal, Witherby não estava por ali, a menos que estivesse escondido na mata. E mesmo que estivesse, Rothbury a ajudaria a livrar-se do velho maçante. E ela passaria um dia maravilhoso em uma residência esplêndida.
Ora, enquanto a mãe dormia e Rothbury estava fora, poderia muito bem dar uma volta no labirinto de cercas vivas. Seria divertidíssimo!

Foi um inferno.
Por cerca de uma hora, Charlotte vagueou por entre os caminhos ladeados por vegetação alta e regular qie se entrecruzavam. Cada trecho, cada ângulo e todas as folhagens pareciam exatamente iguais às anteriores, às posteriores e às mais próximas. Era impossível saber onde se encontrava. Naquela altura estava tão confusa que a única direção segura lhe parecia ser para cima e para baixo.
Abelhas a sobrevoaram, e ela desconfiou de que havia uma colmeia nos arbustos. Um pássaro passou perto de sua cabeça, o que a deixou com a impressão de que havia um ninho nas proximidades. Um esquilo raivoso saltou na sua direção e ela correu, rasgando a barra de renda do seu vestido favorito de passeio.
O entusiasmo extinguiu-se, as pernas estavam pesadas e doloridas, e sua única esperança era ser encontrada pelo jardineiro quando ele voltasse para aparar as sebes. Daqui a um dia, uma semana, um mês?
Ela se deteve e procurou ficar calma. Não entraria em pânico. Teria de haver uma saída nesse lugar abençoedo por Deus e ela estava determinada a encontrá-lo.
Ocorreu-lhe um plano e ela pressionouna testa o calcanhar da palma, admoestando a si mesma por não ter pensado nisso mais cedo.
Arrancou um galho da sebe mais próxima e deixou-o cair na grama atrás de si. Fez isso inúmeras vezes, volta após volta, até não restar caminho possível que não houvesse sido percorrido. Assim que visse os galhos, saberia que estivera ali antes.
Após alguns minutos, sua confiança cresceu e ela passou a se mover mais rapidamente. Logo atingiu o que imaginou ser o centro. Um espaço grande de gramado com um branco banco de jardim de cada lado, um lago circular enfeitado com lírios aquáticos. Assim como no restante de Aubry Park, ou pelo menos o que vira, o centro do labirinto era uma surpresa encantadora. Um lugar onde seria prazeroso sentar-se e ler, sob outras circunstâncias.
Ficou satisfeita ao ver que dali  havia apenas uma saída, em diagonal de onde se encontrava. Adiantou-se, sabendo que estava atrasada para o encontro com a avó de Rothbury e que não teria tempo para trocar de roupa.
Rodeou o que lhe pareceu ser a última volta e quase gritou de alegria ao ver que estava livre.
Arfante, saiu do labirinto e logo notou o caramanchão imponente de ferro lavrado.
Rothbury estava certo. Aquilo parecia uma gaiola de ferro gigante. Feita por um ferreiro local, era extraordinariamente detalhada. Todos teriam de encontrar-se ali para o chá e, pelo visto, algumas pessoas ja haviam chegado.
Ela avaliou o próprio vestido rosa. Verca de quinze centímetros da barra de renda estavam sujas de grama, o corpete e as mangas estavam manchados de suor, e o penteado fora desfeito. Cachos balançavam na nuca e deslizavam sobre os ombros desnudos enquanto ela andava.
Desanimou, envergonhada. Sem tempo hábil, teria de encontrar-se com a condessa parecendo uma fugitiva do manicômio.

Ao voltar da estrebaria, Rothbury viu Charlotte de costas e avaliou as condições dela. Os cabelos desgrenhados, caindo pelos ombros em uma cascata de cachos, o vestido amassado e a barra rasgada.
- Charlotte, parece-me que você vem de um encontro amoroso no jardim. Isso é verdade?
Ela se virou e pareceu aliviada ao vê-lo.
- Ah, é milorde.
- Desapontada? Aliviada? - Ele a fitou com olhar semi-cerrado. - Deliciada?
- Agradecida
- Agradecida? - Ele ergueu uma sombrancelha.
- Exatamente. E por ter encontrado outro ser vivente. Eu me perdi no labirinto por quase uma hora e comecei a acreditar que jamais escaparia de lá.
Ele tentou não rir, mas não aguentou e deu um sorriso largo.
- Charlotte, o que a levou a enfrentat aquela coisa monstruosa sozinha?
- Vi o dédalo de minha janela e do alto o caminho pareceu fácil. Por isso resolvi tentar.
- Sim, de cima parece bastante simples.
Ele lhe ofereceu o braço que ela hesitou sem hesitar, atitude que aqueceu o coração de Rothbury.  De todas as mulheres que conhecia, ela era a única que não declinava desse oferecimento como se aquilo fosse uma ofensa.
Ela apoiou a mão no anyebraço musculoso e eles foram até o caramanchão.
- Reconheço que agora é tarde demais para revelar um pequeno truque que poderia tê-la ajudado a descobrir a saída.
De repente, Rothbury foi dominado pelo desejo de mostrar a ela todos os locais onde brincara em sua infância. A miniatura em madeira de Aubry Park que sua avó mandara construir, o lugar favorito onde pescava, o carvalho de onde ele caíra duas vezes sem quebrar nenhum osso, uma minúscula caverna escondida na mata densa e que era cortada por um ribeirão raso e o local secreto onde se escondia do pai e dos tios. Gostaria de contar-lhe fatos relativos a si mesmo que nunca revelara a ninguém.
- Tem razão - Charlotte deu uma risada - Mas pode falar, eu gostaria muito de saber.
- O segredo é sempre virar à direita ou então pôr a mão direita na cerca viva e não parar de tocá-la.
Assim percorremos todos os cantos do labirinto, mas acabamos saindo.
- Não esquecerei a sugestão.
- Para a próxima vez? - Por que ele dissera isso? Não haveria uma próxima vez.
Ela sacudiu a cabeça devagar.
- Nunca mais chegarei perto daquele lugar, muito obrigada. A menos que você venha comigo.
Ele encontrou muita dificuldade para engolir. Fechou os olhos em uma piscadela vagarosa, algo que se poderia chamar de consciência pesada e que serviria para acusá-lo de desalmado por trazer Charlotte ali e por enganá-la. No entanto inspirou fundo e mandou o pensamento de volta para a cova escura e vazia de onde se originara.

Um Conde Sedutor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora