Capítulo XIII

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Um cavalheiro sempre encontra lugar no coração para perdoar uma pequena mentira, principalmente se a mesma for dita por uma amiga bem-intencionada.

- E quais são seus planos para ela?
- Ela é muito sensível e imatura.
- Certo, mas existem possibilidades de ela ser uma vencedora? - Tristan perguntou, acenando para o rapaz da estrebaria que trazia seu cavalo. - Notei que ela reage com certa violência a qualquer tentativa de movimentá-la.
- É preciso ir devagar - Rothbury sugeriu. - Ela está apenas começando a entrar na rotina.
- Talvez não esteja pronta e tenha necessidade de amadurecer naturalmente. É possível que estejam exercendo sobre ela uma pressão exagerada.
Rothbury passou a mão no queixo, olhando o cercado onde a potranca de três anos fazia exercícios. Esperava que Tristan não notasse que sua mente estava alhures.
- Ela está no ponto de ser treinada e daqui por diante só tende a melhorar.
- Não é o que parece.
- Ela está em otimas ccondições - Rothbury murmurou. - Pensei que não quisesse perdê-la. Tivemos várias ofertas e se não estiver interessado...
Tristan deu risada.
- Se eu não tivesse certeza da nobreza de sua descendência, seria capaz de imaginar que em suas veias corria sangue de um vendedor ambulante.
Rothbury franziu o cenho, fingindo estar ofendido.
- O preço e os produtos de um mascate são com frequência inferiores. Meus cavalos estão entre os melhores da Inglaterra. Há um mês, Prinny comprou uma maravilhosa potranca de dois anos. Tristan, eu deveria exigir um duelo por seu comentário ofensivo.
A brincadeira amigável terminou e os dois homens permaneceram em silêncio,  conscientes do atrito que se desenvolvia entre ambos. Eram amigos desde Eton, com interesses e posição semelhantes, embora Tristan fosse mais despreocupado e tivesse menos vontade de acomodar-se. Ainda assim muitas mulheres sentiam que ele seria uma escolha melhor entre os dois.
Dificilmente discutiam, cada um adivinhando o pensamento do outro antes que o mesmo fosse revelado, e tinham em conjunto uma longa história de bebedeiras, jogatinas, caçadas e orgias.
Nunca haviam disputado a mesma mulher e Rothbury não pretendia fazê-lo naquela altura. Não que Charlotte não valesse a luta, mas ele desejava o coração da amada por inteiro. Poderia ela chegar a amá-lo ou conservaria para sempre uma adoração secreta por Tristan?
- Sei que minha opinião não é ddesejável - Tristan disse, finalmente. - Mas acho que deveria dizer a ela como se sente. É possível que a resposta o surpreenda.
Rothbury girou o chicote e fitou o amigo com seriedade.
- Não creio que a potranca se incomode.
- Você sabe muito bem de quem estou falando.
Rothbury olhou para baixo, apertando as luvas.
- Sei, sou amigo dela e por isso fico agradecido. Homens como eu raramente têm a oportunidade de conhecer uma mulher como a srta. Greene.
Tristan montou e deu risada.
- Amigo? Se eu tivesse amigas que me beijassem desse jeito, não precisaria de amantes.
Rothbury tossiu para disfarçar o embaraço. Apesar de Tristan ser seu amigo, hesitava falar em excesso. Ele não sabia se o amigo estava apaixonado por Charlotte. O ciúmes de Tristan pelo que vira poderia ser a razão de tocar no assunto.
- Se não posso ficar com ela - Rothbury afirmou com uma frieza que não sentia -, pelo menos farei o que estiver a meu alcance para que ela tenha um matrimônio que a agrade.
- Entendo. - Tristan fitou Rothbury com um brilho matreiro no olhar. - Se quer minha opinião, eu a arrebataria antes que algum camarada gordo, perfumado e espalhafatoso a compre.
- E se quer a minha - Rothbury retrucou, montando seu cavalo árabe negro favorito. - Será melhor não comparar mais a srta. Greene a um cavalo ou eu o acertarei no traseiro com o chicote.

- Obrigada Nadine - Charlotte agradeceu à criada que acabava de fazer um coque solto em seus cabelos, deixando alguns cachos caídos.
Sentada na banqueta estofada diante da penteadeira, esperou a moça rechonchuda sair do quarto e fechar a porta para substituir o sorriso forçado por uma expressão séria. Curvou-se sobre a pequena mesa com um gemido e encostou a testa nas mãos cruzadas.
Não adiantava tentar. Seu mau humor não cederia.
Solicitara um banho, acreditando que a água quente pudesse afastar da pele a sensação do corpo de Rothbury pressionando de encontro ao seu.
Fora pior. O calor servira apenas para lembrá-la de como se sentira derreter quando ele a tocara, apertara e beijara.
Ao esfregar a boca, esperando que sumissem as sensações remanescentes dos lábios famintos que por pouco não a devoraram, nada mais conseguira do que reavivá-las. Não podia haver engano, pensou enquanto passava os dedos úmidos no local onde fora beijada. Deliciara-se com o ato de depravação e ainda pedira mais. Oh, Deus!
Ao se vestir, escolheu um vestido simples de musselina branca de mangas longas. O único enfeite era um laço de cetim rosa na parte traseira da saia. O traje comportado evitaria qualquer sugestão erótica de sua mente. Ou não?
Não havia como negar que continuava pensando nas mãos fortes de Rothbury que lhe acariciaram os ombros, agarraram seus quadris, trazendo-os para a frente para sentir seu...
Inspirou fundo, levantou a cabeça e olhou-se no espelho.
- Pare com isso, Charlotte! Ele deve pensar que você é igual a qualquer outra cipriota desavergonhada que pestaneja para atrair os homens e que deseja ser possuída.
Com raiva, beliscou as faces para lhes cor, esperando que a sensação desagradável a desencorajasse de pensamentos pecadores.
Continuou sentada, pensando e relembrando o momento sem cessar, e para quê? Sem dúvida, Rothbury devia estar bebendo vinho clarete, jogando bilhar, caçando ou fazendo qualquer outra coisa com que os homens se entretinham no campo, sem ao menos dedicar umbpequeno pensamento ao que acontecera entre eles.
Não podia negar que estivesse satisfeita com o fato de Tristan ter visto uma pequena parte do abraço caloroso a que se entregava. Mas quando pedira para Rothbury flertar com ela, não tivera em mente um beijo que por pouco a fizera perder a virgindade.
Para ser sincera, nem quisera que ele parasse. Aquele beijo fora muito melhor do que poderia imaginar que fosse. Tivera a impressão de que o chão se abriria e que seus joelhos haviam amolecido. Havia sido maravilhoso e inebriante.
No entanto, para ele, tudo não passava de um jogo.
E, pelo visto, aquela era sua especialidade.
Concluiu que jamais deveria ter vindo a Aubry Park, nem ter forçado Rothbury a comparecer ao baile dos Hawthorne. Comonpoderiam continuar a amizade depois do que acontecera?
Não era justo. Amargurava-se porque o ocorrido a afetara tanto e ele nem se incomodava. Na certa, beijar uma mulher devia ser uma circunstância em série para o conde. Naquele dia, ela poderia ter sido a segunda, a terceira ou a quarta que ele beijara.
E ele ainda tivera o desplante de desmerecer suas reações, dizendo que ela era uma boa atriz, e se safara do beijo como se fosse um cão molhado que se sacudia da chuva.
Frustrada, gemeu.
- De todos os arrogantes, presunçosos...
- Creio que estava falando de mim.
- ... egoístas...
- Ah, sim, eu estava certo. Estava mesmo resmungando a meu respeito.
-Rothbury. - Charlotte viu o reflexo dele, parado na entrada, no espelho. - O que está fazendo em meu quarto?
- É engraçado como o cenário se modifica, não é? Não faz muito tempo e eu lhe perguntei a mesma coisa.
Ela virou-se na banqueta para encará-lo e prendeu a respiração,  antes de engolir em seco. Nunca o vira tão atraente. Ele vestia uma sobrecasaca de finíssimo talhe e com pontas, camisa creme-clara, colete combinando e com pequenos botões de prata. Sob o queixo ligeiramente quadrado onde se viam os fios da barba aparada curta, uma gravata com apenas algumas dobras completava o traje. A calça preta e justa cobria as coxas musculosas e as botas polidas chegavam até os joelhos.  Usava luvas de couro sobre as mãos fortes e carregava um chicote de cavalgar.
Rothbury percebeu que ela olhava o que trazia na mão.
- Venho da estrebaria. Sua mãe, por mais estranho que possa parecer, mandou-me a sua procura e quer saber por quê a filha está demorando tanto.
Ela notou que um músculo se mexia no queixo dele.
- A confiança de sua mãe em mim, Charlotte, é inexplicável e depois do qie houve há cerca de uma hora, é dirigida à pessoa errada. Não posso imaginar o que deve ter dito a ela para conseguir uma súbita justificativa para a absolvição dos meus antigos pecados.
Ela deu de ombros, aborrecida demais para dar explicações.
Ele espiou os dois lados do corredor antes de entrar no aposento. Comnpassos medidos e vagarosos chegou até o pé da cama e recostou-se no pilar mais próximo de Charlotte.
Ela sentiu a fragrância leve de sândalo, mesclada com cheiro de couro, o que deixava óbvio que ele tomara banho fazia pouco tempo. Pelo tanto de barro que o recobrira, era evidente que tinha um excelente criado particular.
- Mesmo assim estou contente e vim pedir-lhe desculpas - Rothbury empregou um tom de voz suave e fitou-a com ternura.
Ternura? Possivelmente ela se enganava. Teria de comentar com a mãe que precisava de óculos novos.
Na certa confundira piedade com ternura no olhar de Rothbury. Ele pretendia deixá-la ciente de que não haveria mais do que um beijo.
Desculpar-se por um beijo era péssimo,  Charlotte refletiu. Isso significava que o doador dos óculos anulava todas as possibilidades de que uma paixão honesta, pura e verdadeira houvesse provocado a ocasião.
E também etiquetava o beijo como um engano, um disparate, um erro de julgamento que jamais seria repetido. Amargurda, refletiu que não deveria permitir que ele suspeitasse de seus sentimentos.
O conde era um devasso farrista nascido em uma família de libertinos. Conhecia apenas o desejo e a procura de seu próprio prazer sem se importar com ninguém mais. Durante anos perseguira uma mulher após outra e, pelo que ouvira contar, ele nunca cortejara uma dama.
Por que ela continuava a lembrar-se desses fatos?
Rothbury olhou para Charlotte, querendo ter a habilidade de apagar a dor e a confusão daqueles lindos olhos. Sem dúvida, ela estava chocada pela força do ardor com que a beijara e temia ser seu próximo alvo.
- Entendo que fui longe demais com nosso beijo - ele disse com calma. - Eu Não sabia que Tristan se encontrava tão perto.
- Sim, concordo que estávamos muito entusiasmados. No futuro, você poderá fitar-me com ansiedade ou apenas sorrir para mim.
- Tem razão - ele anuiu.
- Não haverá mais toques... de nenhuma natureza. O que houve ja foi demais. Sou de opinião que um pequeno flerte pode percorrer um longo caminho.
-Nenhum toque.
Charlotte levantou-se, alisou a saia e tirou um fio minúsculo do acabamento estreito de renda do corpete. Depois olhou para cima e notou que ele a observava.
- E, por favor, pare de olhar para mim desse jeito.
Rothbury fingiu estar surpreso.
- Pensei que um olhar fosse permitido.
- Apenas quando Tristan estiver por perto, seu tolo.
Ele sorriu, satisfeito em ver que ela parecia agir com mais naturalidade.
- Mas nem tudo está perdido - ela afirmou com um brilho adorável no olhar. - Na verdade, tenho motivos para acreditar que sua... demonstração entusiástica de afeto pode ter me ajudado. Nadine me contou que Tristan decidiu tomar lanche conosco.
- Sei disso.
Sem despregar os olhos de Rothbury,  ela foi até a escrivaninha que ficava a um canto, abriu uma gaveta,  tirou de dentro uma folha amassada de papel pergaminho e reaproximou-se com passos decididos.
Ele preferia que estivessem em aposentos privativos de ambos, que ela o empurrasse de costas na cama e se jogasse por cima dele.
- Aqui está - Ela estendeu o papel.
- O que é isso? - Ele pegou o que lhe era oferecido.
- Minha lista de bons candidatos a marido em potencial. Eu a trouxe comigo.
- E por quê me importaria uma coisa dessas? - Rothbury perguntou em tom estranho, olhando obpapel com irritação.
- Você já se esqueceu?  - Incrédula, ela demorou alguns segundos para perceber que ele apenas caçoava. - Fiz a lista que me pediu. Dos nomes aí escritos, você me ajudará a encontraa um pretendente adequado.
Ele anuiu, examinando a lista.
-Lorde Beckham... sir Nicholas Camden... marquês de Ravensdale... sr. Willian Holt... lorde Fieldcrest... conde de Langley... duque de Goldings... sr. James Cantrell...
Ele meneou levemente a cabeça e fitou Charlotte. Ela sorria, sem nenhuma evidência do sofrimento que ele causara naquela tarde.
- Charlotte, estou espantado.
- O que houve? - Ela aparentou inocência.
- Esses homens... são meus amigos. Cada um deles... - Ele voltou a examinar a lista e continuou a leitura. - Lorde Tanning, sr. Thomas Nordstrom... todos eles.
- Então será mais fácil encontrar um que possa estar interessado em cortejar-me. Afinal, você conhece todos, não é?
- Não quero...
Nesse momento, Rothbury foi salvo de ter de explicar como seria torturante atirar a mulher que amava no caminho de qualquer um desses homens. O som da voz de Hyacinth ecoou no corredor.
-Charlotte! Onde está você? Todos estão esperando - a dama chamou, enquanto se aproximava.
Sem uma palavra ele rodeou a cama e abaoxou-se atrás da mesma.
- O que está fazendo? - Charlotte olhou-o com estranheza.
Ele levou um dedo aos lábios.
- Ah, você está aí! - Hyacinth declarou o óbvio. - E devo acrescentar que está bela como uma margarida.
- Obrigada - ela murmurou, constrangida, e alisou a saia de novo.
- Bem, o que está esperando, minha querida?  A temperatura está quente, a companhia é agradável e há espíritos a nossa espera.
- É mesmo? - Charlotte não se entusiasmou.
- Sim, claro. Por isso não quero que se atrase. Faremos um piquenique no pavilhão e amanhã exploraremos a parte mais próxima da floresta mal-assombrada. A srta. Drake contou que lá existe uma caverna onde se podem escutar os hemodos de um fantasma escocês inquieto. Ela disse que chegou a escutar respiração e passos.
- É extraordinário,  mamãe - ela respondeu, sem parecer impressionada. - Será que também ouviram o balido de carneiros? Rothbury disse que um de seus meeiros enfrenta problemas com o roubo de carneiros. Pode ser o que ela escutou, não é?
Agachado, Rothbury sorriu por sua dedução e fez uma anotação mental para, no futuro, deixar um guarda na caverna por precaução.
- Ah, não achei graça nenhuma. Vamos descer?
-Descerei em seguida.  Tenho de encontrar meu xale.
Hyacinth suspirou.
- Você está muito sentimental hoje, querida. Tem certeza de que está se sentindo bem?
- Estou ótima, apenas com muita fome.
-Eu também.  Ouvi dizer que teremos um banquete e que a cozinheira de Aubry Park é famosa. Acho aconselhável também tomarmos aqui o café da manhã. É preferível viajar de estômago cheio. Não se pode depender apenas da alimentação das estalagens. Você não esqueceu que vamos para casa amanhã, não é? Esta temporada será a nossa última. Nós... Você... deve aproveitá-la ao máximo.
Charlotte anuiu e virou-se para Rothbury. Eles se entreolharam, enquanto escutavam os passos de Hyacinth se afastarem.
- Mamãe já foi - ela sussurrou e deu um passo adiante para pegar a lista.
Ele aprumou-se, endireitando a roupa.
- Não sei por que você sentiu obrigação de esconder-se de minha mãe por causa de minha reputação.
- Um velho hábito.
- Pois pode parar com isso agora. Ela confia em lorde Rothbury - ela afirmou com graça e foi até o armário.
Ele endureceu o queixo.
- Por que, Charlotte? Agora explique isso para mim.
Ela abriu a porta do guarda-roupa, procurou dentro por alguns segundos e puxou um xale azul-claro.
- Eu lhe asseguro que é assunto de pouca importância.
- Pois eu lhe digo exatamento o contrário - ele afirmou com rispidez. - Fale logo.
Ela suspirou e cobriu os ombros delicados com o xale.
- Na verdade, isso não tem significado nenhum. - Ela olhou para ele e sorriu... com excesso de doçura.
Ele a fitou, segurando o chicote com firmeza.
- Eu disse para mamãe que você era como o meu tio Herbert.
- Seu tio Herbert?
- Sim. - Charlotte piscou com inocência. - Ele é o irmão gêmeo de mamãe e eles são muito devotados um ao outro. Ela sempre diz que os dois têm os mesmos pensamentos. Algumas vezes,  têm até os mesmos sonhos. Não é extraordinário?
- Sem dúvida. - Rothbury quase gritou. - Agora explique por quê dizer a sua mãe que sou como o seu tio Herbert a fez confiar em mim? Ele é um homem honesto? Sincero e receptivo?
- E muito benquisto. Jamais conheci ninguém que tivesse uma palavra desabonadora para tio Bertie. Ele é muito popular.
Era evidente que Charlotte não tinha ideia de como o conde estava impaciente por ela evitar uma resposta direta.
- Então ele é um santo em forma de gente? E sua mãe acredita que tenho todas essas qualidades recomendáveis?
- Oh, não,  de modo algum. - Ela deu uma pequena risada.
Uma veia no pescoço de Rothbury começou a latejar.
- Está bem - ela concedeu finalmente. - Eu lhe contarei.
- Bem, já não é sem tempo, droga.
- Não blasfeme...
- Charlotte...
- Muito bem. Minha mãe adquiriu essa confiança por eu ter explicado que você e meu tio gostam de... não, amam - ela corrigiu - as mesmas coisas.
- O quê?  Esgrima, cavalos, cartas, críquete,  boxe...?
- Oh não
-Então o quê?
- Outros homens.

🙈😏

Um Conde Sedutor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora