Capítulo VI

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Um cavalheiro é bem-vindo por todos.

Baile a fantasia dos Hawthorne.
Northumberland.

- Eu a proíbo de falar com lorde Rothbury.
Charlotte anuiu, obediente, e franziu o cenho para sua mãe não suspeitar de que ela não prestava atenção,  ou pior, que não levava a sério a advertência.
- Entendo que estamos em uma situação aflitiva - Hyacinth Greene salientou com toda proteção materna que foi capaz de demonstrar -, mas milorde não é a solução conveniente para nós.
- Sim, mamãe.
- Não preste nenhuma atenção a ele.
- Naturalmente.
Como se uma mulher com sangue nas veias pudesse ignorar Rothbury.
Sentada ao lado da mãe na chaise-longue dourada, sentiu um calor traiçoeiro espalhar-se pelo rosto e pescoço. Nunca fora uma mentirosa convincente. Sua pele se manchava de vermelho e a denunciava. Ainda bem que a mãe estava sempre muito preocupada e não notava. O que não ocorreu dessa vez.
Hyacinth deu uma tossidela, percebendo a pouca atenção da filha.
- Charlotte, você não pretenderia afastar possíveis pretendentes por causa de uma amizade com aquele devasso, não né?
Possíveis pretendentes? Onde estariam eles? Ah, sim! Aquelas criaturas imaginárias.
- Pode ficar descansada, mamãe, estou a salvo dele. - Ela fez um aceno de desprezo com a mão.  Sua mãe se preocupava à toa. Ela não era nenhuma debutante chorosa. - Se lorde Rothbury tivesse qualquer interesse em mim, eu saberia. Ele jamais esconde o que lhe cativa a atenção.
Assim como ocorrera quando cometera a insensatez de escalar a parede até o quarto dele para addegurar-se de seu comparecimento ao baile à fantasia. Fora mesmo uma noite frustrante.
Nessa noite sua mãe a vigiava como se ela fosse uma batedora de carteiras, só para ter certeza de que a filha não se aproximaria de Rothbury. Tristan chegara tarde e passou a maior parte da noite no salão de jogos, o que não impediu Charlotte de ter esperança que seu plano de inspirar ciúmes desse certo.
- Esta noite ela está com fisionomia de caçador - Hyacinth afirmou, com preocupação evidente na voz. - É perturbador.
- Por favor, mamãe, já lhe pedi para não se inquietar por minha causa. Tudo está bem comigo.
No entanto, ela admitiu haver alguma consistência no receio de sua mãe a respeito de Rothbury. Isto é, se ele de repente passasse a interessar por jovens que não costumavam dançar, usavam óculos e que se vestiam com roupas abomináveis escolhidas pelas mães para os bailes anuais à fantasia.
Não. Ela sacudiu a cabeça, atrapalhando o excesso de arcos e fitas que adornavam a geringonça antiquada que estava em sua cabeça à guisa de chapéu.  Era bastante improvável.
- A senhora tem de admitir - ela afirmou com um sorriso matreiro, antecipando a reação da mãe com o que diria - que milorde parece muito twntador esta noite.
- Charlotte! - A mãe enrubesceu e bateu levemente no colo da filha com o leque aberto. - Esse fato não deve ter a menor importância para você nem para mim. - Ela tornou a tossir. - Apenas prometa para sua querida mãe que ficará afastada de lorde Rothbury, está bem? Não faça nada que possa chamar a atenção daquele patife. Sua fantasia é bastante traiçoeira.
Hyacinth bocejou. Charlotte sorriu para tranquilizar a mãe e suspirou.
Aos vinte e dois anos, ela nem mais se incomodava em ser apontada como a jovem que tomava chá de cadeira de maneira constante. Não se envergonhava de ser mais uma observadora da vida do que sua participante, nem de em breve tornar- se uma solteirona. Não seria a única nessa situação.
A não ser quando se encontrava na companhia de Rothbury,  preferia ficar em segundo plano a tornar-se o centro das atenções. Ela sabia quem era e o que desejava da vida.
Ao avaliar a esplêndida estratégia da mãe em chamar a atenção para a fantasia, mas não a escolha, gostaria de tornar-se invisível naquela noite.
Pelo menos para uma pessoa em particular: o pavoroso visconde Witherby.
Em ocasiões como aquela, encontrar-se com ele era sempre uma preocupação em sua vida. Ele surgia em todos os eventos a que ela comparecia. Ou ele a seguia como um felino da florest ou Hyacinth Greene o supria de informações.
Estremeceu. Quem em seu juízo perfeito ficaria satisfeita em casar-se com um velho que cheirava a charutos cediços, tinha dentes amarelos e não tirava os olhos de seus seios sempre que a encontrava desacompanhada?
Para piorar, Witherby fazia parte de uma família antiga e muito amiga dos Greene. Era muito rico e não se cansava de esperar que ela abandonasse o sonho de encontrar o amor em um cavalheiro mais jovem.
Hyacinth, por outro lado, não perdia a esperança de que o viúvo idoso não demorasse em pedir a mão de sua filha para um matrimônio santificado, mas Charlotte sem dúvida preferia subir a bordo do primeiro barco que zarpasse para a China.
Na verdade, as temporadas não haviam sido um sucesso e quando começava a sentir o pânico da condição do celibato, agarrava-se à esperança de não ter de casar-se com o visconde Witherby e um dia encontrar o amor de sua vida.
Antecipava como seria seu verdadeiro amor. Bondoso, ponderado, atencioso e confiável.  Sorriria assim que ela entrasse em um recinto e prestaria atenção a cada palavra ou sílaba que ela pronunciasse. Jamais olharia para outra mulher. Um verdadeiro cavalheiro que sua mãe aprovaria de imediato. Alguém que a fizesse suspirar de prazer só em pensar nele...
Por pouco não gemeu ao pensar em lorde Tristan. Durante anos pensara que ele possuía muitos atributos além daqueles e tivera por ele uma paixonite de colegial. Toda vez que o encontrava cavalgando com elegância o baio no parque, comprando uma bugiganga para a irmã em uma loja, ou dirigindo o faetonte nas alamedas, ele sempre tocara na aba do chapéu e sorrira. Mesmo sem saber, ele encorajara as esperanças tolas, os desejos e as fantasias de Charlotte, uma jovem tímida destinada ao celibato.
Tudo isso pertencia ao passado. Naquela altura ela era uma mulher e jamais permitiria a si mesma acreditar que poderia atrair e prender a atenção de um dos solteiros mais requisitados da sociedade. Homens como Tristan tinhas falas melífluas para manipular emocionalmente as mulheres e era por isso que ela desejava executar a vingança.
- Onde ele está? - murmurou.
- Quem? - A mãe espantou-se.
- Ninguém - ela respondeu com inocência.
Hyacinth sentou-se na ponta da chaise-longue.
- Tive a impressão de vê-la perguntar: onde ele esta?
Charlotte sacudiu a cabeça com os lábios comprimidos.
- Não foi isso. Eu perguntei onde estava o chá?
- Ah! - Hyacinth recostou-se novamente, satisfeita.
Ela suspirou, aliviada. Ainda bem que sua mãe acreditara, ou sua pele ficaria com manchas vermelhas permanentes de tanto contar lorotas naquela noite. Na verdade, ser amiga de Rothbury dava trabalho.
Era preciso falar com ele naquele momento. Era preciso descobrir o que retinha Tristan e qual seria a próxima etapa do plano deles.
- Minha adorada, você está novamente com aquele olhar longínquo.  - Hyacinth bateu carinhosamente na mão da filha. - Seja uma boa menina e vamos para nossos aposentos na parte superior. Grande parte da noite já se foi e estou ficando cansada. Além disso, precisamos repousar. Seu pai escreveu que estamos fora há muito tempo e deseja que nos afastemos logo doa vícios e das impurezas. Deixaremos Londres pela manhã.
Tão cedo?
Desanimada, Charlotte deixou cair os ombros. Algumas vezes imaginava se sua mãe estaria, de fato, impedí-la de casar-se com qualquer outra pessoa que não fosse Witherby. Inspirou fundo e exalou um longo suspiro que lhe pareceu o som abafado de um sino que anunciava a morte de seus desejos mais profundos. Mordeu o lábio inferior.
- Posso perguntar aos Hawthorne se poderei subir depois com a Lizzie? A senhora não precisa se preocupar...
- De jeito nenhum. A última vez que deixei a mãe dela como dama de companhia, você só voltou às duas da manhã.
Charlotte suspirou de novo. Pais idosos se cansavam mais que os outros e iam dormir mais cedo, mesmo quando a noite começava a ficar interessante.
E aquele baile não era uma exceção. A rara aparição de lorde Rothbury estava causando um verdadeiro frisson.
Era preciso escapar da mãe apenas por um momento.
- A senhora me permitiria dar uma volta no terraço antes de subirmos? - Ela fitou a mãe, que evitou o olhar enquanto brincava com a renda do lenço, com o queixo resoluto.
Charlotte nascera quando seus pais já não eram tão jovens.
Mesmo sem falar na exuberância das temporadas londrinas, a azáfama da vida citadina, a infinidade de bailes, jantares e viagens para o campo se tornavam muito cansativos para eles. E o que mais a preocupava era o fato de aqiela temporada ser a última a que comparecia.
O entusiasmo de sua mãe pelo mercado matrimonial diminuira consideravelmente após o baile do duque. Charlotte suspeitava de que Hyacinth desejava que sua única filha cesssasse de lutar em uma batalha perdida e se acomodasse com Witherby.
- Ele é um filantropo, ama animais e pássaros e a vem adorando desde que você ainda era uma menina. Ele será seu porto seguro - a mãe dissera várias vezes, sempre se repetindo.
Witherby podia ser tudo isso, mas era também quatro décadas mais velho do que ela, mais adequado para casar-se com Hyacinth, Charlotte pensou com ousadia. A ideia de que o conhecia desde criança e desde aquela época era adorada por ele em nada a alegrava. Pensar em casar-se com ele ou... ela estremeceu... beijá-lo... dava-lhe urticária. Ele era praticamente seu tio.
Um ressonar ligeiro chamou-lhe a atenção. Olhou à direita e viu que a mãe novamente adormecera à vista de, no mínimo, oitenta pessoas. Piscou, mas não cedeu à vontade de cutucar a mãe para acordá-la.
Ela, assim como a maioria dos conhecidos, se acostumara aos cochilos inesperados de Hyacinth. Às vezes, como durante os cultos, aquilo se tornava embaraçoso.
Secretamente, adorava aquele hábito que lhe permitia raros momentos de liberdade, uma pausa abençoada de ar fresco e um tênue senso de independência. E dessa vez, pretendia escapulir de perto da mãe. Claro que acabaria acordando Hyacinth, pois era uma boa filha, mas aquele instante pretendia sair à procura de Rothbury.
O plano deles não funcionaria. Para começar, Tristan não punha a cabeça para fora do salão de jogos havia quase duas horas. E o mais importante era saber como Rothbury a ajudaria se não podia se aproximar dela? Alguma coisa teria de ser feita.
Charlotte levantou-se e imediatamente viu Rothbury que a fitava. Um zumbido de sensibilidade percorreu-lhe a espinha.
Esbanjando sensualidade, o conde estava encostado na parede e sua postura, como de costume, exsudava uma confiança indolente. O ar úmido da primavera no salão lotado fazia os cabelos dele se enrolarem nas pontas dos fios que escapavam da tira de veludo que os prendia na nuca. Ele não usava fantasia, nem máscara, não exigidas, mas chamava a atenção de qualquer mulher com sangue nas veia que estivesse em um raio de sessenta metros.
E não era um exagero. Ela escutava por toda parte suspiros de apreciação feminina e, embora achava aquilo umbtanto ridículo,  não podia culpá-las. Ele era simplesmente fascinante.
O casaco cinza-escuro de corte perfeito ajustava-se aos ombros largos e a gravata muito branca com babados elegantes enfatizava o queixo que parecia esculpido. A boca gloriosa, altiva e que sugeria depravação, curvava-se no sorriso sagaz swmpre presente. Deus, como seria experimentar o toque daqueles lábios?
Embebeu-se com a imagem sedutora e deu um suspiro de apreciação. Qualquer outro homem vestido com traje de noite desapareceria no meio das pessoas em um baile à fantasia. Mas não Rothbury.  De jeito nenhum! Isso só aumentava sua atração perigosa.
Ela apertou o queixo, preocupada porque a boca amolecera enquanto o fitava de longe. Ademais, desprezava o fato de começar a sentir-se como uma gata faminta a quem provocava com uma tigela de leite.
-Por Deus, menina - disse para si mesma -, trata-se apenas de um homem.
O que não era verdade. Ele era um vilão que tinha o pecado embutido no corpo. Um demônio sob o disfarce de um anjo, com o rosto e o corpo destinados a induzir as mais fracas a cair em tentação.
Céus, precisava parar de ler os romances de Minerva!
Com apenas um olhar lânguido sombreado por cílios espessos, Rothbury tinha o poder de fazer com que qualquer mulher ardesse de tanto corar, fosse ela jovem, idosa, casta ou desavergonhada. Todas as jovens, exceto Charlotte.
No entanto, em situações sociais com essas, ele a fitava como se ela fosse uma vidraça, consciente de sua presença, mas sem a focalizar, na certa porque o cenário além era muito mais interessante.
E era o que ele fazia de novo.
Um riso feminino rouco soou às suas costas e instigou-a a olhar por sobre o ombro.
Lady Rosalind, a beldade de cabelos negros, estava rodeada por um grupo de adoradores.
Anuiu para si mesma, sentindo-se envergonhada e enrubescida por ser ridícula. Também não era para menos. Rothbury não fitava a tímida Charlotte Greene, ele olhava a bela herdeira que estava atrás dela.
Com o mistério solucionado, ela deu um suspiro profundo, endireitou os óculos no nariz, abriu caminho com os ombros até Rothbury, rezando para não encontrar Witherby no trajeto.

Um Conde Sedutor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora