Um cavalheiro favorece a todos que o procuram.
- O que lhe parece? Mamãe Gansa ou Perdita?
- Perdita, sem dúvida. - Sorrindo, Rothbury fitou Charlotte, referindo-se a uma personagem de uma peça teatral.
- Ah, agora entendo - Tristan Everett Devine respondeu. Ele acabara de aproximar-se do amigo depois de sair do salão de jogos. - Ela trás um cajado de pastora.
Rothbury observou Charlotte com a facilidade de um homem que avaliava uma mulher e seu valor em segundos, desde as madeixas loiras que escapavam do chapéu entortado pelo excesso de fitas de renda até as sapatilhas de seda que apareciam sob a barra de babados.
- Ela parece mais um cordeirinho manso do que uma pastora - Tristan comentou com uma risada.
- Pode ser. - Rothbury viu-a olhar para trás, aparentemente querendo saber para quem ele sorria. - Não precisa procurar ninguém, doçura, estou olhando para Charlotte Greene - ele murmurou.
- O que disse? - Tristan perguntou, bem humorado. - Ela é muito agradável, bonita e loira.
Rothbury deu de ombros.
- Santo Deus - Tristan murmurou com desdém. - Isso está se tornando muito irritante, não é? Elas o estão seguindo como colegiais apaixonadas, observando seus menores movimentos.
Rothbury levantou uma sombrancelha em questionamento.
- Ali - Tristan indicou atrás de Rothbury com um gesto de cabeça.
Rothbury levou a taça aos lábios e olhou para trás com pouco-caso. Um pequeno grupo de jovens pestanejava, sorria timidamente e sussurrava atrás dos leques abertos. Ele inclinou a cabeça lentamente e com cortesia. Como de costume, elas coraram ao mesmo tempo e se dispersaram entre risinhos, sentindo-se culpadas por terem sido apanhadas olhando.
Rothbury deu um sorriso torto, levantou os ombros e sorriu para o amogo.
- Tem certeza de que os olhares não eram para você, agora sem compromisso? - provocou-o tomou o restante do conhaque e largou o cálice. Em uma pequena mesa lateral.
Estava acostumado a ver mulheres enrubescerem de boca aberta sempre que ele entrava em um recinto, mas também tinha por costume rotular sua beleza incomum a um incidente da natureza, sempre aborrecido. Para ser mais exato, uma praga que também estava se tornando ridícula.
- Lady Gilton o espera, milorde. - Um criado melancólico murmurou furtivamente, pôs um bilhete perfumado na mão de Rothbury e eclipsou-se depressa por entre as pessoas.
Rothbury deu um leve sorriso e deslizou a mesnagem para dentro do bolso do casaco. Por mais que estivesse ansioso para abandonar a festa e alegrar-se com uma noite de prazeres insaciáveis no local secreto especificado na mensagem, a adoravel condessa teria de esperar. Naquela noite ele tinha outras obrigações.
Teria de encontrar uma noiva e com urgência.
E não qualquer uma. Ela teria de ser substituível, pois não pretendia mantê-la. Na verdade, nem mesmo pretendia casar-se com ela. Precisava de uma noiva emprestada por algum tempo.
Dessa forma, dos fundos do recinto, ele considerou as mulheres solteiras com muita precisão, calculando as mais fracas e desprevenidas, como um leão atrás de gazelas.
Em lgum local daquela sala lotada, haveria ao menos uma mulher competente que pudesse ajuda-lo. Porém a noite prosseguia e suas opções estavam diminuindo.
Relutava, analisando as prováveis camdidatas. Seu olhar percrutador era direto e calculador. Tinha a paciência e a intuição requeridas, e até o entendimento das várias personalidades para discernir quem poderia ou não ser manipulada para obedecê-lo. Contudo, faltava- lhe tempo.
- Escolha qualquer uma - Tristan sugeriu, aparentemente lendo os pensamentos do amigo. - Sera bem fácil.
- Antes fosse.
- O que está procurando? O de costume? Quer uma mulher esplêndida? Voluptuosa?
- Nada disso importa, não é? - Rothbury respondeu com sarcasmo.
- E por que não?
Ela será temporária. - Rothbury encostou o ombro em uma coluna de mármore.
- Não seria preferível uma que te satisfizesse?
- Eu daria minha preferência a uma que fosse confiável - ele resmungou.
- Deixe-me ver - Tristan falou em voz baixa. - Ela teria de ser inteligente e astuta, não é?
- Não será necessário - Rothbury respondeu e fixou o olhar atento em mais um grupo de jovens e suas damas de companhia do outro lado do recinto. - Na verdade, prefiro que ela seja um pouco obtusa e reservada. Sob meu comando, quero dizer. Não quero que planeje atrair-me em um compromisso verdadeiro nem tenha a capacidade de chantagear-me até o fim da vida como recompensa.
- Entendi - Tristan respondeu. - Em que situação difícil se meteu, meu amigo. Eu escapei de ser enforcado e o vejo procuramdo por um patíbulo. - Ele riu, mas logo ficou sério diante do olhar penetrante de Rothbury. - Será que sua avó já não esqueceu que o neto querido disse ter uma noiva?
- Não foi o que aconteceu, embora eu desejasse muito isso.
Havia três dias, Rothbury fora a Aubry Park e encontrara a avó soluçando no jardim. Com muita paciência, conseguira saber o que a afligia. Em um de seus momentos de lucidez, seu juízo e sua memória haviam retornado. E nesse precioso pequeno momento, a velha senhora tinha entendido que emvelhecera e que estava com a mente quase sempre confusa. Além disso, seu único e mui amado neto não se casara nem encontrara uma noiva, a futura condessa.
Ele lhe assegurara que acabaria se casando, o que não era uma mentira, mas o fato a irritara e a deixara novamente confusa. Ela subora correndo a escada e exigira a presença do administrador. Um pouco depois, diante do velho rábula de pernas bambas e muito bem pago, ela assinou a permissão de benda de Aubry Park e do haras de mil e duzentos acres, se o neto não encontrasse uma noiva com urgência.
O parque não fazia parte da propriedade que não podia ser vendida, mas havia pertencido à mãe dela que fora uma amazona. E isso passaria de suas mãos para as da futura neta e mulheres da geração seguinte. Contudo a viúva não entendia que a maior parte do rendimento sobre qual o condado de Rothbury se apoiava era a fazenda de criação de cavalos. Sem esse lucro, mesmo que o conde fosse econômico, o condado acabaria destituído e incapaz de sustentar a parte da propriedade que não podia ser vendida e das famílias dos fazendeiros que dependiam dos ganhos para a conservação e reparos a serem feitos.
Rothbury tivera de mentir. Não havia escolha. E contara uma história enorme e inverídica. Dissera que tinha ficado noivo há pouco tempo e prometera trazer a jovem futura condessa a Aubry Park para que a avó a conhecesse.
Ele contara tudo aquilo, esperançoso que, em quinze minutos, ela já não lembrasse mais de nada, porém a avó se agarrara à mentira como se sua vida dependesse daquilo.
Pelo menos, ele conseguira evitar que a avó viesse a esse baile. O comportamento da viúva era extravagante ao extremo. Ultimamente ela se recusava a falar outro idioma que não fosse o francês de sua origem e era dada a ataques e crises de choro.
O que o deixava apenas com uma opção. Encontrar uma noiva falsa e indesejável.
- Não seria possível contratar alguém da aldeia próxima a Aubry Park? - Tristan procurava ajudar.
- Não se esqueça de que o tempo trabalha contra mim. - Rothbury fitou com olhar vigilante outro grupo de jovens. - Preciso de uma moça desesperada que possa ser facilmente manipulada. Alguém...
Ele se interrompeu ao enxergar uma profusão de rendas e laços brancos que se destacava entre os demais.
Srta. Charlotte Greene. Dócil e muito ingênua.
Afinal ela fora a culpada por toda essa tremenda confusão. Certo que a Charlotte não o forçara a mentir, mas se ela não houvesse entrado em sua casa çestanejando e pedindo para ele comparecer a esse baile, ele não teria deixado Londres para ir a Northhumberland, não teria ido a Aubry Park nem mentido para a avó senil.
Isso mesmo! Pelo menos em relação a ele, a culpa era de Charlotte.
Observou-a andar pelo salão, quase esquecendo de si mesmo e geitando uma advertência quando ela quase golpeou um criado na parte de trás da cabeça com o cajado. Para sua surpresa, ela se virou rapidamente e escapou da pequena catástrofe, mas acabou caindo no colo de lorde Asterley. Ela deu um pulo, sorriu para o homem idoso, derramou-se em desculpas, enquanto seu rosto e pescoço se cobriam de manchas vermelhas.
Nos últimos dois anos ela não recebera nenhum pedido de casamento. A maior proximidade de um matrimônio iminente fora para o baile, oferecido pelo duque de Wolverest em agosto último, com o intuito de escolher a noiva.
Para sua família fora um grande cumprimento ter a filha incluída no evento mais excitante da última temporada. Contudo, a onda de interesse acabou em um naufrágio, levando-a de volta ao comportamento excêntrico e tímido, esquecida por todos.
Como a propriedade dos Greene e o dinheiro assossiado eram inalienados, a prioridade passava a ser um bom casamento, caso contrário ela e a mãe poderiam enfrentar privações depois da morte do sr. Greene.
Pela primeira vez naquela noite, Rothbury deu um sorriso sincero.
- Não está pretendendo usar a srta. Greene, está? - Tristan surpreendeu-se ao supor qie o amigo pensava depois de acompanhar-lhe o olhar.
- E por que não?
Ninguém, nem mesmo Tristan, sabia que Rothbury e Charlotte eram amigos. Se havia conseguido manter isso em sigilo por tanto tempo, não havia dúvida de que poderiam guardar outros segredos.
- Pelo simples fato de ela... bem, de wla ser amoga da esposa de meu irmão e também por ela quase ter se tornado minha noiva.
Rothbury ergueu uma sombrancelha.
- Mas só foi quase.
- Não creio que a srta. Greene deveria ser envolvida, sob pena de deixar o coração dela destroçado.
Isso mesmo, tive provas de que o coração dela lhe importava muito.
- Rothbury, sei que ela é totalmente ingênua e muito compreensiva para tentar arrastá-lo a um compromisso verdadeiro. Mas Charlotte Greene é uma jovem de excelente família, de altas qualidades morais e...
- Ela é perfeita - Rothbury interroupeu-o.
E ainda eram amigos, mais do que Tristan poderia supor.
Claro que seria preciso de algum convencimento, mas estava convencido de que poderia levar a cabo um noivado fictício sem o menor problema. Afinal, seria apenas durante um dia.
- Creio que será um erro. Charlotte é um tanto impulsiva e eu não a subestimaria.
Determinado, Rothbury sentiu a tensão dos ombros diminuir. Gostaria de explicar seu plano imediatamente a Charlotte.
- Desejo-lhe sorte. - Tristan sacudiu a cabeça. - Vai precisar disso, ainda mais com sua reputação deteriorada com todas as histórias obscenas dos Rothbury masculinos do passado. Hawthorne me contou que não lhe permitem aproximar-se de Charlotte.
- E isso já me impediu de fazer alguma coisa antes?
- Não, mas o pai de Charlotte é um camarada maçante que se vangloria em ser um homem de valores morais inatacáveis. Ele mandaria executá-lo antes do famoso lorde Rothbury poder encostar em um fio dos cabelos de sua filha.
- Cale a boca. Tristan ou direi que está parecendo uma mãe superprotetora. E, se não me falha a memória, já toquei em um daqueles cachos. - Rothbury olhou de relance para Tristan, lembrando-se de sua promessa a Charlotte . - Vamos comigo para Aubry Park amanhã?
Tristan anuiu, resmungando.
- Dará certo, eu lhe asseguro. Na verdade, talvez nem seja necessário dizer-lhe nada. Eu apenas convidarei a srta. Greene e a mãe para um lanche. Ela não entenderá nada do qie minha avó disser e logo estará de volta a Londres, não mais impulsiva do que era antes.
- Por que não diz a verdade para sua avó?
E correr o risco de ela cumprir a ameaça? De maneira nenhuma. Precisava de tempo para escolher uma noiva, não queria agir com precipitação. Mas a insistência de sua avó não lhe deixava alternativa. E seu plano teria que ser com Charlotte. Ela jamais esperaria que fosse um compromisso sério. Ela rira com vontade quando ele mencionara essa possibilidade.
Todavia, antes que pudesse dar um passo em direçao de Charlotte, uma mão delgada e quente segurou-o pelo pulso. Os olhos berdes amendoados de uma dama o fitaram com expectativa, procurando roubar a atenção dele sobre Charlotte.
- Não recebeu minha mensagem, Rothbury? - Lady Gilton fez beicinho.
-Sim, claro - ele respondeu, ainda fitando Charlotte.
Lady Gilton sentiu a desatenção e foi para diante de Rothbury, bloqueando sua linha de visão.
- Teríamos de nos encontrar na biblioteca. - Corajosa como sempre, Lady Gilton cochichou na orelha dele algo que somente um eunuco poderia recusar.
Embora fizesse um ano desde que experimentara os encantos da viscondessa, lembrou-se de que eles costumavam cair facilmente na belha rotina.
- No fim do hall - ela cochichou sem o olha -, vire à direita e entre na segunda porta à esquerda. Lorde Gilton está no jardim com a harpista rechonchuda. Temos mo mínimo uma hora. - Ela passou por Rothbury com indiferença, dando aos outros a odeia de que simplesmente se afastava.
Ele não a seguiu de imediato. Continuou a observar Charlotte que tenyava passar entre um grupo compacto de pessoas e acabou colidindo com a srta. Hawthorne. A despeito de seu mau humor, riu baixo. Talvez houvesse errado em sugerir que Charlotte usasse óculos. Pelo menos com a visão pouco nítida, ela tomaria cuidado em atravessar o salão em vez de atirar-se para a grente com toda a velocidade. Seus músculos se retesaram novamente e ele foi acometido por uma apreensão estranha. E não era pela perspectiva de pedir a colaboração de Charlotte para enganar a avó.
Diabos! Será que ela concordaria?
Ou não?
O que faria se ela recusasse? Arrasar o coração de sua avó? Nem mesmo ele cometeria tal barbárie.
Não poderia correr o risco de Charlotte recusar-se a colaborar com o plano. Teria de atraí-la para uma visita a Aubry Park com a desculpa de conhecer sua avó. Não seria difícil. Afinal, manipular mulheres era o seu forte.
Então por que de repente se sentia como o último dos pecadores?
Afastou àquela ideia e pensou nos favores que o aguardavam. Era isso o que teria de fazer. Brincar um pouco com Cordélia resultaria em um alívio temporário das agruras em que se metera. Logo esqueceria dos problemas.
Apesar disso, enquanto percorria o corredor escuro rumo à biblioteca, não pôde deixar de desejar que Charlotte estivesse à sua espera.
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Um Conde Sedutor (Concluído)
RomanceInglaterra, 1813 Procura-se uma noiva... Adam Faramond, conde de Rothbury, precisa encontrar uma esposa o quanto antes, ou sua avó o deserdará. O problema é que Adam, um libertino incorrigível, só consegue pensar em se assentar com uma certa jovem...