Capítulo XII

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Um cavalheiro admite a derrota com dignidade e galhardia.

- Sa poitrine est plate un flet.
Por milagre, Charlotte conseguiu manter o sorriso inalterado e cortês, o que representou um momento de orgulho para ela. Afinal, não era todo dia que se ouvia uma senhora idosa e miúda acusá-la de ter um peito chato como um linguado.
Bebeu um gole do chá e alisou uma prega inexistente do vestido com a outra mão. Era prioritário manter-se impassível, nem que fosse apenas para Rothbury não ficar sabendo que ela entendia tudo que a condessa viúva dizia.
Essa devia ter sido a razão de wle indagar se ela ou a mãe falavam o idioma nativo da avó. Ele as advertira mais de uma vez que a senilidade avançava e que, apesar de conhecer inglês, ela se recusava a conversar nesse idioma. Ainda assim, seu espírito crítico era espantoso, considerando-se que o comentário fora gratuito.
Até aquele minuto, imaginara que o encontro com a condessa correria às mil maravilhas.
Charlotte entrara no caramanchão de braço dado com Rothbury, onde fora recebida com entusiasmo por uma mulher de pequena estatura e grisalha, de olhar bondoso que não demonstrava nenhum sinal de instabilidade mental. Ela usava os cabelos crespos presos para cima sob uma touca de renda, com pequenos cachos aparecendo. O vestido rosa era simples, sem babados ou rwndas antiquados, porém os pequenos arcos cor-de-rosa costurados na bainha e no corpete davam a impressão de qie fora feito para uma mulher mais jovem. Os olhos eram ambarinos como os do neto, e ela exalava um aroma forte de lavanda.
A viúva pegara as mãos de Charlotte entre as suas que eram enrugadas, beijara-lhe as duas faces e declarara, em francês, que aquele era o melhor dia de sua vida. Insistira para que as Greene a chamassem de Louisette, seu nome de batismo, e pareceu, pelo menos naquele momento, estar com o raciocínio sobre controle.
E a partir daí a situação começou a se inverter. A condessa começou a falar depressa e com entusiasmo, a fazer muitas perguntas, a maioria sobre a família de Charlotte e sua educação. Rothbury traduzia com paciência as perguntas e quase se desculpava quando a avó fazia outra indagação antes de Charlotte ter tempo de rwaponder a anterior.
Hyacinth chegou meia hora após a filha, ainda zonza de sono. Louisette pareceu satisfeita em conhecer as Greene, falou da floresta mal-assombrada perto do pavilhão, sempre com a tradução de Rothbury. Charlotte supôs que Rothbury havia revelado para a avó a fixação de Hyacinth sobre o que era nebuloso.
Louisette prosseguiu contando detalhes horríveis sobre um assassinato que ocorrera durante a rebelião jacobina. Hyacinth não entendia nem uma só palavra que Louisette dizia, mas isso não teve importância. Após as apresentações e os cumprimentos, Hyacinth acomodou-se no banco próximo da mulher que se sentava ao lado da condessa.
A dama grisalha e alta era a srta. Drake, dama de companhia e cuidadora da viúva. E o mais interessante foi ela também ser entusiasta dos espectros. A srta. Drake não deixou de bordar, enquanto conversava com Hyacinth. As duas, muito animadas, lembravam colegiais que partilhavam as experiências com o mundo espiritual.Charlotte fitou Rothbury de viés. Na diagonal daquele pequeno grupo, ele estava sentado em uma cadeira ornamentada de jardim que parecia destinada especificamente para o belo traseiro de uma senhorita inglesa e não para o adulto de pernas compridas que no momento a ocupava. Na verdade, a cadeira dava a impressão de estar a pontode romper-se sob o peso dele.
Ela pressionou os lábios para não sorrir. Nada como a mobília delicada para fazer um homem parecer ainda mais másculo do que já era.
De maneira condizente com a juventude recalcitrante de Eton, o conde recostou-se na cadeira, cruzou os braços na altura do peito, fechou os olhos, esticou as pernas musculosas para a frente, enquanto balançava a cadeira perigosamente apenas nas pernas de trás.
- Adam, você quebrará minha cadeira. Sente-se como um cavalheiro - Louisette ordenou na linguagem familiar, levantou-se para bater na perna dele com o leque, antes de voltar a seu lugar defronte ao de Charlotte.
A jovem não evitou o desabrochar de um sorriso. Tanto pela avó usar o nome de batismo do neto como por advertir um adulto como de ele fosse uma criança.
Rothbury não se incomodou e deu um sorriso torto.
- Mas eu não sou um cavalheiro, grandmére - ele retrucou com insolência.
- Você poderia ser, se houvesse escutado a mim e não àquele idiota de cerebro estreito que era seu pai, isso sem mencionar seus tios inúteis.
Louisette mexeu-se no lugar, agitada, e voltou a atenção para Charlotte. Sem constrangimento, fitou-a da cintura para baixo.
- E onde estão os quadris, heim? - Louisette perguntou de repende.
A cadeira de Rothbury oscilou, seu equilíbrio e sua fisionimia impassível vacilaram diante da indiscrição. Contudo ele logo se recuperou, assim como foi restaurado o balanço da cadeira, seu rosto assumindo a expressão belíssima e devastadora de um aristocrata entediado.
Charlotte apenas piscara em reação ao assunto escolhido por Louisette. Embora não fosse o que esperava, teve de admitir que Rothbury a advertira sobre a avó.
- Não posso vê-los Adam, você pode? Como ela poderá gerar filhos? - Louisette continuou o interrogatório, depois de sorrir com inocência para Charlotte.
Ele murmurou qualquer coisa ininteligível e esfregou as têmporas.
- Então? - a avó o provocou. - Ela tem a forma de uma vara?
- Elle est bien roulée - Rothbury respondeu com calma.
- Ela tem belas curvas.
Charlotte endireitou-se, com a vontade de agradecê-lo na ponta da língua. Para evitar o deslize, tomou mais um gole de chá.
- Ela é bonita - Louisette admitiu em voz baixa.
- Ela é linda - ele respondeu em um fio de voz.
Charlotte virou o rosto, fingiu estar interessada na paisagem e lágrimas vieram-lhe aos olhos. Não sabia se Rothbury realmente estava sendo sincero ou se pretendia apenas agradar a avó. Independentemente do motivo, o pescoço de Charlotte começou a ficar vermelho.
São apenas palavras e ele diz esse tipo de coisas para muitas mulheres ao mesmo tempo. Os cumprimentos saem de sua boca com facilidade.
- Adam, não imaginei que você gostasse de loiras - Louisette prosseguiu- , sempre pensei que sua preferência fosse pelas morenas. Melindrosas e um tanto selvagens. Como seus cavalos.
Ele não respondeu.
- Adam, você gosta da família dela? Eles gostam de você?
- Não é cortês falar em outro idioma diante de visitas, vovó. - Ele suspirou.
- São elas que conversam outra linguagem, não eu.
Agora responda à minha pergunta.
- A senhora esta na Inglaterra - ele declarou, sem demonstrar a agitação crescente.
- Sei onde estou. Responda à minha pergunta, Adam.
As palavras estrangeiras pronunciadas por Rothbury eram fascinantes e a voz profunda encantava Charlotte.
- Só conheci a mãe dela recentemente. A senhora Greene não me permitia chegar perto da filha. Não sei como, mas de repente caí em suas boas graças. Seria interessante... se as coisas permanecessem como estão.
Havia algumas vantagens em ser subestimada, ainda mais em relação a Rothbury, e Charlotte sabia que ele a considerava ingênua. Era possível que ela o fosse, às vezes, mas isso não significava que não tivesse boa dose de astúcia. Também esperava que fingir a não compreensão do francês a levaria a conhecer as novas facetas do caráter de Rothbury. Seria uma maneira de ter informações sobre ele que o conhecimento superficial não lhe permitiria alcançar. Rothbury não expunha os pensamentos e com frequência escondia os verdadeiros sentimentos atrás de uma nuvem de sarcasmo e comentários cínicos. Mesmo se dizia algo que parecesse revelador, era impossível distinguir se falava sério ou não. Não havia dúvida de que esse era seu modo característico de ação.
- Você não o deixará, não é? - a condessa perguntou com olhos súplices.
Deixá-lo? Do que ela estava falando?, Charlotte quis perguntar, mas manteve a boca fechada.
- Não creio que Adam poderá suportar a dor uma segunda vez. Foi há muito tempo, mas alguns ferimentos são tão profundos que jamais cicatrizam. Adam não é como eles e nunca será. Mas sem a orientação dela, Adam caiu nas mãos e no modo de vida deles. Diga-me que não o deixará.
Charlotte fitou Rothbury. Os músculos do pescoço e do queixo dele se mexiam, mas os olhos permaneciam fechados. Ele parecia com raiva... ou pouco à vontade. Talvez as duas coisas.
- Milorde - Charlotte implorou -, por favor explique ao que sua avó está se referindo. Ela me parece muito séria e aguarda a minha resposta.
Rothbury entreabriu os olhos.
- Contente-se em sorrir e anuir, Cha... srta. Greene. Já lhe disse que ela fala absurdos.
O comentário mereceu um olhar cortante da avó que antes estivera tão simpática. Inesperadamente atirou nele o leque, mas errou o alvo e o punho de marfim retiniu no chão de pedras.
- Pois isso é muito significativo. - Louisette murmurou e fez um aceno na direção do neto. - Tenho fé de que você a deixará grávida em pleno verão até o dia 24 de junho.
Charlotte engasgou com o chá, lançou perdigotos na xícara e depois tossiu para limpar os pulmões.
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Um Conde Sedutor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora