Um cavalheiro usa a biblioteca apenas para estudar.
Rothbury inalou o conhecido e leve aroma de limão. Imóvel, ignorou o zumbido de sensibilidade que o atingia e ficou à escuta de passos.
Apostaria um de seus premiados cavalos árabes que a intrusa era uma mulher jovem, mas que não se tratava de Cordélia. Ela sempre usava o perfume de rosas que no começo do curto caso de amor não o agradara e, naquela altura, o lembrava de que a mulher ligada a essa fragrância era tão aderente e espinhosa quanto a própria flor.
Tornou a inalar a fragrância que agora o rodeava e sentiu-se satisfeito, o que era um milagre. Tudo obque desejava era livrar-se das amarras, encontrar lady Gilton e torcer aquele pescoço elegante.
- Quem está aí? - ele perguntou em voz firme e baixa. Puxou os atilhos de seda que seguravam seus pulsos para trás e percebeu que finalmente começavam a rasgar-se. - Venha cá. - Usou o tom que empregava com cavalos ariscos. - Diga-me quem é.
Exceto um frufru de saias, silêncio total. Pôde ouvir e sentir que a jovem se aproximava. A modificação da atmosfera deu-lhe a certeza. A desconhecida estava diante dele.
Pela respiração da jovem, deduziu que ela tremia. Era até possível sentir na pele aquele tremor.
Quem estaria naquele recinto e por que se escondia?
Irritado e impaciebte, roçou os punhosum no outro e a seda começou a rasgar-se silenciosamente. Em mais um minuto, estaria livre.
Sentiu uma onda de calor diante de si e teve a impressão de que a mulher hesitava. Procurou manter-se imóvel, enquanto rompia ainda mais os fios da seda. Sua face contraiu-se ao sentir uma madeixa de cabelos roçar sua pele.
Os cabelos da estranha. A jovem deveria estar curvada sobre ele.
Rothbury entreabriu os lábios, mas não chegou a falar. Lábios rigidamente franzidos pressionaram os seus.
Na certa, uma estátua pregueada o beijava.
A jovem ingênua e desconhecida afastou-se antes de ele decidir se gostaria ou não de aprofundar o beijo.
Nisso, soltou uma das mãos e em seguida, a outra. Escutou-a sufocar um grito. O primeiro pensamento de Rothbury foi tirar a venda dos olhos, mas não queria dar à jovem a oportunidade de evasão.
Ele tateou às escuras e nada encontrou.
Ela estava fugindo.
Sem tempo para reagir, ele levantou-se e girou os ombros rígidos. Jogou-se na direção dos passo que se afastavam... e bateu o joelho no canto de uma mesa. Berrou de dor.
E pareceu estranho a jovem murmurar sua simpatia. Era como se ela estivesse indecisa entre prosseguir a fuga para fora do quarto ou voltar para ajudá-lo.
Para azar da moça, ele a localizou pelo som da voz. Encontrou-a, agarrou-a pela cintura e puxou-a de encontro a si.
-Ai! - Charlotte não podia acreditar em sua sorte ou na falta da mesma.
Ela gritou, tentando desvencilhar-se. Era evidente que Rothbury desejava imobilizá-la, permitindo a ele tirar a venda dos olhos e descobrir wuem tentara beijá- lo. Mas não estava disposta a permitir que ele conseguisse o objetivo. Ela se contorceu com maior empenho para que ele tivesse de usar as duas mãos para segurá-la.
Teve de ficar encostada na muralha daquele peito desnudo, mas tornou-se aparente que Rothbury estava igualmente determinado a não soltá-la e que precisava apenas de um braço para prendê-la. Enquanto ela se contorcia e tentava soltar-se, ele continuava imóvel e firme, segurando sua cintura como se fosse uma algema de veludo.
Ainda assim, conseguiu bater no cotovelo do oponente antes que ele pudesse puxar a venda.
- Pare de lutar, mulher, fique quieta!
- Solte-me - ela resmungou.
Em meio a disputa, os pés de Charlotte se emaranharam com uma parte do lençol que fora jogado sobre a mesa que Rothbury batera o joelho. Ela caiu para trás e a almofada de borlas que fora tirada do caminho serviu-lhe de proteção para a aterragem do treseiro.
Rothbury caiu sobre ela, e Charlotte suspeitou de que não fora por falta de equilíbrio, mas pelo simples fato de que ele não pretendia soltá-la.
Enredada no lençol e na almofada, ela arrastou-se para trás, usando os cotovelos e os calcanhares. Mas ele era muito rápido, mesmo de olhos vendados.
- Ah, não - ele afirmou, quase com humor negro. Engatinhou na direção de Charlotte com os cabelos soltos sobre o rosto, como se fosse uma pantera. - A senhora não vai a lugar nenhum antes de eu descobrir de quem se trata.
Ela sentiu-se paralisada por um segundo com o movimento dos músculos do peito desnudo. O conde era fascinante. Hesitando, teve de lembrar-se de que teria de escapar, mas em parte desejava ficar e ser agarrada por ele.
Rothbury segurou-lhe fortemente o tornozelo com uma das mãos e com a outra procurou remover a gravata que servia de venda.
Ela não conseguia livrar o tornozelo. Seu captor continuava a segurá-la sem demonstrar cansaço.
Como fora tola em pensar que ele fosse indefeso! Seu sexto sentido avisou-a de que teria de recorrer a uma ação alternativa. Usando o calcanhar do pé livre, Charlotte atingiu-o no ombro.
Rothbury gemeu de dor.
- Onde já se viu, sua pequena... - Em um movimento repentino e veloz ele jogou-se para a frente e cobriu o corpo dela com o seu.
Charlotte sentiu a respiração presa no peito por um segundo e foi imobilizada em um instante sob o peso de Rothbury, sentindo a coxa quente e firme entre as suas.
Arfante pelo esforço, sentiu uma vergonhosa língua de fogo invadir seu ventre. Rothbury juntou-lhe os pulsos e, com apenas uma das mãos, segurou-os acima da cabeça. Com os dedos da outra, acariciou-lhe as faces.
- Quem é você? - ele sussurrou.
A respiração de Charlotte foi puxada pela explosão de sentimentos e noções desconhecidas. Ele parecia tão dominador e belo por cima dela, como se tivesse nascido especificamente para sedução. Nem mesmo as mais ousadas imaginações a haviam preparado para a abundância de sentimentos que era detonada apenas com uma leve carícia no rosto.
Surpresa, entendeu que seu corpo se recusava a escutar as advertências da razão. Parou de se contorcer e começou a gostar da sensação do corpo longo, musculoso e elegante sobre o seu, o peito quente e desnudo pressionado em seu corpete, a coxa sólida que apertava seu sexo.
Olhou a boca de Rothbury que, parcialmente aberta, deixava entrever os dentes brancos e retos. Se arqueasse o pescoço para a frente, poderia beijá-lo.
Estremeceu, surpresa e envergonhada pela maneira como seu corpo reagia ao dele. Era preciso escapar dali antes que sua identidade fosse descoberta. Lutando para decidir entre o que era certo e as sensações maravilhosas que experimentava, seu bom-senso foi vencedor. Os anos de avisos aterradoresde seu pai pudico sobre os pecados da carne fizeram retornar um pouco de seu juízo.
- Saia de cima de mim - ela exigiu, embora sem a energia necessária.
- De maneira nenhuma - Rothbury resmungou e sua respiração passou pela boca, face e pescoço de Charlotte. - Não vou deixá-la sair daqui, antes que eu descubra de quem se trata. Queria experimentar, não é?
Aquelas palavras deixaram-na assustada. Ele pensava em possuí-la? Se quisesse, poderia fazê-lo facilmente, ela refletiu com preocupação crescente, lembrando-se dos romances góticos que lera no passado. Histórias de horror excitante, abraços apaixonados, homens que perdiam o autocontrole e sucumbiam às urgências primitivas.
Em parte desejava revelar que era Charlotte, sua amiga, mas se encontrava muito envergonhada pelo beijo roubado para admitir quem era. Teria de escapar a qualquer custo.
Torceu as mãos para se soltar, mas o conde era muito pesado sobre ela e, no mínimo, dez vezes mais forte. Ele a prendia debaixo de si apenas com seu peso e com uma das mãos, segurava-lhe os pulsos. Ela se encontrava totalmente indefesa.
Pelo menos ele desistira de tentar descobrir de quem se tratava pelo tato, o que lhe causava arrepios na espinha. No momento, ele usava os dedos para tirar a venda dos olhos.
Espere para ele ver quem você é, a consciência advertiu-a. Seria possivel alguém morrer de humilhação?
Ele sairá de cima, como se você fosse um galho seco.
E era o que ela desejava. Ou não? Céus, o que havia de errado com suas ideias? Desejava ficar ali para sempre? Afinal não tentava escapar havia poucos minutos?
Rothbury mexeu-se e resmungou. Ele queria apenas remover a maldita venda, mas era muito difícil conseguir o objetivo com apenas uma das mãos. Ainda mais estando por cima de uma mulher arfante e misteriosa.
Naquele momento, Charlotte deu um solavando e desequilibrou-o. O movimento permitiu a ela um pequeno espaço livre que foi aproveitado para erguer um joelho e atingi-lo na virilha.
Rothbury gemeu e caiu para o lado, encolhido em si mesmo.
- Na certa mereci isso - ele gritou em uma oitava mais alta do que o usual.
O som de passos rápidos veio em seguida. A porta foi aberta e fechada. A pequena ladra de beijos conseguira fugir.
Ele esperou diminuir o forte latejamento de dor e arrancou, com mãos impacientes, a venda que o cegava.
Afinal, o que fora tudo aquilo?, pensou, frustrado.
Levantou-se, pôs as mãos na cintura, esperou a respiração voltar ao normal e mirou a porta por algum tempo. Sacudiu a cabeça, decidiu vestir-se e encontrar a jovem misteriosa. Suas únicas pistas eram a fragrância e os lábios franzidos.
Abotoou a camisa com o cenho carregado. No momento deveria procurar lady Gilton. Mas o que importava isso? Sabia muito bem por que ela o amarrara e o deixara ali.
Ele se mostrara um participante ativo quando haviam iniciado o pequeno jogo na biblioteca, mas uma vez começada a brincadeira de cabra cega, a visão de Charlotte viera-lhe à mente. Não esperava que ela estivesse emboscada em suas memórias e tinha certeza de que esses pensamentos desapareceriam assim que a viscondessa pusesse nele as mãos ávidas. Não foi o que aconteceu. As imagens adquiriram mais brilho e tornaram-se vibrantes.
De repente, o que ele fazia e o qie pretendia fazer com Cordélia não lhe pareceu tão estimulante. A viscondessa sentira a diminuição óbvia de seu interesse, ficara irritada, ou talvez um pouco preocupada por estar perdendo a habilidade, e deixara-o ali para apodrecer.
Rothbury fez novamente o laço da gravata e atravessou o recinto. Estava a ponto de aproximar-se da porta quando a ponta de sua bota esbarrou em algo duro. Olhou para baixo e ficou atônito.
O aroma leve de limão.
Uma miríade de pensamentos passou por sua cabeça, enquanto permanecia imóvel olhando o cajado da pastora. Encontrava-se desnorteado. Chocado. Confuso. Descrente. E muito excitado, teve de admitir.
Deu um sorriso assimétrico e ergueu o bordão. Bom Deus, encontrara a mulher misteriosa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Conde Sedutor (Concluído)
RomanceInglaterra, 1813 Procura-se uma noiva... Adam Faramond, conde de Rothbury, precisa encontrar uma esposa o quanto antes, ou sua avó o deserdará. O problema é que Adam, um libertino incorrigível, só consegue pensar em se assentar com uma certa jovem...