Quando eu começo?

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Hoje era um daqueles dias em que eu não sabia como encontrar forças para começar o dia. Faziam apenas três dias que mamãe e papai faleceram e Soph estava tão abatida que eu me sentia na obrigação de tomar as rédeas da situação, porque na verdade eu era obrigada a isso. Sophie tem quinze anos e eu vinte e um, então eu realmente era obrigada a ser madura o suficiente para lidar com a situação e tentar deixar minha irmã menos triste. Se isso fosse possível.

Trabalho em um pub desde os dezoito anos para bancar minha faculdade porque minha família não tinha condições pra isso, e por conta do acidente de carro, as contas se multiplicaram e eu precisei trancar o meu curso. Também aceitei um turno a mais para conseguir mais dinheiro e não sacrificar Soph e nem a estrutura de vida que ela está acostumada, e por isso estava indo trabalhar mais cedo e apenas setenta e duas horas depois de todo o caos que minha vida se tornou.

Deixei Soph na escola, já que era caminho para o meu trabalho, e continuei caminhando a pé até chegar ao local. Meu chefe não era um dos melhores, mas nunca foi o pior também, então quando adentrei o pub, o cumprimentei e logo tratei de ir até a dispensa e pegar meu avental. Sou garçonete e nunca me envergonhei disso, afinal era um trabalho como todos os outros.

O local estava cheio e isso me surpreendeu porque pensei que o turno da noite - o qual eu já trabalho - era o mais movimentado, mas pelo visto eu estava enganada. Depois de apenas algumas horas, eu já estava perdida e completamente confusa com os pratos.

Já tinha trocado pelo menos dez pratos e o que me pediam, eu anotava errado. Não era culpa de ninguém, mas meu interior não estava preparado para retomar minha vida. Eu não havia passado por nenhum momento de luto, eu apenas liguei o automático e tratei de transparecer que eu estava bem, quando na verdade eu não estava. Infelizmente, o meu tiro no pé foi quando, sem querer, esbarrei em um dos outros garçons e me desequilibrei, derramando todos os sucos e drinks que eu estava carregando na bandeja.

Meu chefe caminhou até mim com cara de poucos amigos depois de eu ter ouvido muito da senhora que havia ficado ensopada e que cheirava a morango com vodka e me chamou para ir até a dispensa, e foi lá que o que não poderia acontecer, aconteceu.

— Allyson, imagino tudo que você está passando e eu queria poder te ajudar, e por isso te dei outro turno quando você pediu, mesmo não fazendo isso com frequência. Mas você não pode chegar aqui com a cabeça nas nuvens e trocar pedidos, esbarrar nas pessoa e deixar os clientes furisos. — John, meu chefe, dizia calmamente - Sei que as coisas vão melhorar, mas não consigo continuar com você aqui.

— Espera, John! Você não pode estar falando sério! — Me desesperei —Eu preciso do dinheiro! Tenho as contas de casa e as que minha mãe e meu pai deixaram, preciso fazer uma compra urgentemente porque não temos quase nada na dispensa! Tenho a Sophie... — Nesse momento, eu já chorava sem ao menos perceber.

— Eu não volto atrás nas minhas decisões, Allyson. Passe na administração e acerte os dias que você trabalhou. —Disse friamente, e quando estava quase desaparecendo da minha visão, deu alguns passos para trás e meu coração se encheu de esperança, mas logo foi amassado outra vez — Deixe o seu avental na dispensa, por favor.

Depois de alguns minutos sentada em posição fetal e chorando sem parar, desbloqueei meu celular e vi as horas. Levantei rapidamente pois já estava quase na hora de Sophie chegar em casa. Enxuguei minhas lágrimas, deixei o maldito avental jogado no chão e caminhei de volta ao salão, que ainda estava lotado. Fui em direção a administração e após alguns minutos, recebi uma quantia mínima que não duraria nem uma semana. Suspirei profundamente e quando estava quase saindo, ouvi uma voz me chamando.

Garota! —Ela gritava. Olhei para trás e não encontrei ninguém conhecido, então ignorei —É você mesmo! - Olhei novamente e encontrei uma senhora de pelo menos cinquenta anos vindo em minha direção — Vi toda a situação que aconteceu com você e pela sua cara acho que você foi demitida, certo?— Permaneci quieta, não estava entendendo onde ela queria chegar — Bom, se você realmente precisar de um emprego para bancar seus luxos, sua faculdade ou qualquer outra coisa, eu tenho um em mente para você.

— A senhora não me conhece — Falei em tom desconfiado — Que tipo de trabalho é esse?

— Desde quando preciso conhecer alguém para a oferecer algum trabalho? — Questionou. Ela estava certa — Trabalho de governanta em uma mansão em Coral Gables e todas as empregadas que tínhamos, se demitiram. Então por que não nos ajudarmos?!

— Coral Gables? Uau —Conhecia o bairro apenas de nome mas sabia que ele era um dos mais nobres da cidade— E elas se demitiram por que...?

— Digamos que o nosso patrão não é muito educado, mas ele raramente está em casa. — Respondeu sem fazer rodeios — Bom, eu preciso ir mas vou te deixar meu cartão caso você mude de ideia e queira o emprego.

Ela me entregou o cartão e eu assenti, o guardando no bolso da minha calça jeans. A volta para casa pareceu durar uma eternidade e tudo o que eu mais queria era tomar um banho relaxante, porém antes disso passei em uma pizzaria e comprei uma das favoritas de Soph.

Quando cheguei em casa, encontrei Soph sentada na mesa de jantar fazendo sua lição de casa e perguntei como tinha sido o seu dia, se sentando ao lado dela e colocando a caixa de pizza em cima da mesa.

— Foi normal, Ally. Estou com uma duvida na lição de matemática e normalmente papai me ajudava, mas...

— Eu te ajudo. — Respondi, tentando cortar o assunto — Alguma novidade?

— Chegaram algumas cartas, acho que a maioria conta para pagar. E ah, recebemos uma ligação da assistente social.

— Ah, não. - Coloquei as mãos na cabeça — E o que ela disse?

— Que vai vir aqui na próxima semana. Te pediu alguns documentos também, anotei em um papel ao lado do telefone.

Caminhei até uma mesinha no corredor e peguei o papel que Soph tinha anotado os documentos, e foi só passar meu olho por cima que um documento me deixou apreensiva: carteira de trabalho devidamente assinada e empregada.

Não iria falar com Sophie sobre isso de jeito nenhum. Tentei pensar em mil soluções e nenhuma parecia ser suficiente para que eu conseguisse permanecer com a guarda da minha irmã pois eu sabia que sem ter renda fixa, ela não poderia ficar comigo.

— Ally? - Ela chamou — Está tudo bem?

— Sim, meu amor. Eu já vou!

Como um estalo, lembrei da conversa mais cedo que tive no pub. Coloquei a mão no bolso de trás da minha calça e achei o cartão que a senhora havia me entregue. Peguei meu celular, disquei o número e quando ouvi o alô na linha, fui direto ao ponto.

— Quando eu começo?

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