A melhor cunhada

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Meu pensamento estava vagando por diferentes momentos de minha vida enquanto dirigia a nenhum lugar definido. Minhas memórias se faziam presentes, como se eu estivesse vendo um filme sobre minha vida.

Minha mãe e meu pai sempre tentaram ser os melhores pais possíveis, mesmo falhando em alguns momentos. É natural, é humano falhar. Só consegui dar o devido valor aos dois quando os perdi. O pior dia da minha vida, tenho certeza que nada depois disso me deixará tão triste assim. Mantive minha postura firme, ninguém sabia o quanto eu estava despedaçado por dentro. Sentia meu corpo doer, não existia ânimo para nada. Pensei que nunca voltaria a sorrir da mesma maneira de antes.

Mas então Allyson chegou despretenciosamente, devagar e em seu tempo. Não acreditava em destino até conhecê-la. Pensando agora, depois de todos esses meses, entendo que alguma força maior percebeu o quanto eu estava debilitado e precisando de alguém exatamente como ela. Com sua leveza, seu humor fora do comum, sua risada contagiante, sua maneira de encarar a vida e ver nas pessoas o seu melhor, mesmo quando não há melhor algum.

Allyson acreditava que toda energia que ela emana para o universo volta para si, então tenta ser a melhor Allyson possível todos os dias. Tenta sorrir mais, ser mais educada, mesmo que isso seja impossível, é prestativa e se caso alguma coisa dê errado ela procura a melhor saída.

Porém, quando o assunto em questão é nosso casamento, nem ela nem eu sabemos lidar muito bem. O amor em nossos corações chegou naturalmente. Ninguém procurou por isso, eu nem ao menos tinha pensado em amá-la dessa maneira.

A verdade é que Allyson me completava. O que faltava em mim, eu encontrava nela. Minha paz, minha calmaria e em alguns dias minha confusão, mas era a minha confusão favorita. Mesmo no caos, eu sentia que nada podia me fazer amá-la menos. E realmente, não existe.

Ainda dirigindo, volto a pensar em Allyson chorando na minha frente assinando o papel do divórcio. Por Deus, estávamos recebendo as mesmas ameaças e mantivemos segredo disso, porque tínhamos medo do que poderia acontecer. A questão de tudo isso é que o pior já aconteceu. Nós estamos separados, legalmente falando. Não somos mais casados.

Eu nunca quis tanto estar casado assim como agora, nesse exato momento em que vago por Miami. Sinto falta de seus beijos, abraços, seu carinho ou como ela conseguia me surpreender dia após dia. Sinto falta também de como sou quando ela está por perto.

Mal percebi que havia estacionado na frente de um prédio em reforma. Desliguei o carro e abaixei a cabeça, encostando no volante com as duas mãos na cabeça. Fechei os olhos e, como de praxe, tudo o que eu conseguia ver era Allyson.

Voltei a olhar para frente e percebi onde estava. Nunca tinha ido ali, na verdade, mas eu sabia o que significava.

No mesmo dia que Allyson e Sophie se mudaram de casa, a menor enviou uma mensagem com o endereço de onde ficariam com o pretexto de que caso tivesse esquecido algo, era para eu mandar alguém entregar lá. Mas eu sabia que não era bem esse o motivo, só não quis criar caso.

Passei naquela rua no mesmo dia que recebi o endereço, só para checar onde elas estavam morando. Passei bem lentamente na frente, mas o trânsito estava caótico e não consegui ver muita coisa.

Olho mais uma vez para o prédio e então entendo o que vim fazer ali. Abro a porta do carro e atravesso a rua, em direção ao edifício. O porteiro não me conhece, mas acho que estava entretido demais em seu rádio que só me cumprimentou. Fui até o elevador e apertei o botão de número cinco.

Eu parecia um adolescente indo encontrar a garota por qual é apaixonado. Minhas mãos estavam gélidas e eu podia jurar que se alguém em visse naquele estado perceberia o quão rápido meu coração está batendo.

A porta se abriu e com passos pequenos vou até a porta com o número quinhentos e cinquenta e três. Aperto a campainha e dou um passo para trás, só para manter uma distância adequada caso Allyson esteja irritada demais.

Minha decepção chegou segundos depois.

— Joel? — Soph abriu a porta. Estava com um penteado engraçado, um coque em cada lado da cabeça. Vi alguns fios roxos caídos e pensei como ela conseguiu pintar o cabelo se ficamos praticamente apenas dois dias sem nos ver. Depois me dei conta que estava falando de Sophie, a garota mais aleatória que existe.

— Oi, Soph. — respondi tentando disfarçar a decepção — Como está?

— Ugh, chega de formalidade, você foi meu cunhado por longos meses — ela mostrou a língua e me abraçou, envolvendo seus braços finos em meu corpo e aninhando sua cabeça em meu peito. Correspondi, é claro. Ela tinha se tornado minha irmã também, alguém que me preocupo integralmente, que amo e que zelo.

— Também senti saudades, chatinha — respondi a provocação e ela, ainda me abraçando, olhou para cima e semicerrou os olhos, fingindo cara de brava.

— Entre, entre, a casa é sua — falou se desvencilhando do abraço — Sinto lhe informar, mas aqui não é igual sua mansão. O apartamento veio mobiliado, então temos a maioria dos móveis, mas tirando isso...

— É um bom lugar para se morar. — falei analisando o local.

— Um bom lugar para se morar é onde existe amor, Joel. — retrucou na hora, me pegando de surpresa. A olhei e entendi sobre o que ela quis dizer — Minha irmã viajou.

Minha decepção foi duplicada. Tentei disfarçar, mas dessa vez foi em vão.

— Ela está bem? — foi tudo o que consegui perguntar. Estava olhando para a janela da sala, tinha uma vista muito bonita da cidade.

— Está ficando bem, eu acho. Ela tenta disfarçar, mas eu conheço ela bem demais.

Antes que pudesse responder, Soph me atropelou nas palavras e voltou a dizer.

— Ela foi visitar minha tia em Tampa. Ela já está bem velhinha e Ally achou uma boa passar dois dias lá.

— Só dois? — questionei — Então ela volta amanhã?

— Não, volta hoje. — esclareceu a menor, batendo no sofá para que eu me sentasse — Ela viajou horas depois de chegarmos aqui no apartamento. Precisava espairecer. Eu só não fui porque estou em semanas de prova.

— Soph, eu...

— Eu sei — respondeu sem nem ao menos esperar eu completar a frase.

— Eu falo de verdade. Não foi a intenção machucá-la, mas se te serve de consolo, eu estou igual ou ainda pior que ela. Descobri algumas coisas e... — passei as mãos no cabelo por me lembrar de tudo que Sebastian e Annelyse provocaram em minha vida — E descobri algumas coisas hoje. Coisas que esclareceram porque eu e sua irmã estávamos tão distantes um do outro. Por isso nós brigamos, por isso pedi a droga do divórcio. Por causa de outras pessoas que interferiram na minha vida e na vida de Allyson. — despejei tudo o que estava sentindo.

Sophie me olhava atentamente, analisando cada detalhe. Minha respiração acelerada, o modo como eu mexia nos dedos da mão sem parar. Estava me sentindo em um psicanalista.

— E as coisas vão continuar assim? — indagou, parecendo falar o que eu deveria ter adivinhado há tempos — Você descobriu essas coisas — ela fez aspas — Coisas que foram o motivo para vocês se separarem, e vai deixar tudo como está? Se você fizer isso, vou ter que rever meus conceitos sobre você.

— Você mesmo disse que ela está viajando. Eu queria ir atrás dela, mas não posso, não agora. A empresa está uma confusão e se eu me ausentar um único dia, aquilo explode.

Ela rolou os olhos e deu um tapa na minha testa, me pegando de surpresa. Olhei feio e ela soltou uma gargalhada.

— Ela volta hoje, Joel! — empurrou meu ombro para trás — As oito, para ser mais exata.

Olhei no relógio do meu pulso e faltavam ainda uma hora. Um sorriso de canto se instalou em my rosto e no momento seguinte estava esmagando Sophie em um abraço apertado.

— Você é a melhor cunhada que alguém poderia ter — falei me levantando do sofá — Mesmo que seja chata as vezes. — mostrei a língua enquanto fechava a porta e vi ela me mostrando o dedo do meio em resposta.

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