Sombra.

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Naquela noite deixei que Allyson tivesse seu devido espaço, apenas deixei uma bandeja com o jantar na porta do quarto e enviei uma mensagem para que soubesse que eu não estava sendo uma péssima pessoa com ela, afinal estava preocupado com a mudança repentina da minha esposa.

Óbvio que fui ignorado, assim como nas mensagens de bom dia e boa noite dos dias seguintes, não estava encontrando com ela em nenhum horário do meu dia. Voltamos a dormir no mesmo quarto, quando chegava ela estava dormindo e quando acordava ela já havia saído. A relação ganhou um grande iceberg e com toda certeza dessa vez eu não sabia qual erro cometi em relação a nós dois.

Sobre o contrato: tudo estava mais confuso do que poderia chegar a imaginar. Nenhuma novidade boa ou ruim apareciam e isso deixava com que meus dias a frente da empresa fossem tomados por uma tensão incontrolável. No real momento alguns sócios, incluindo o pai de Annelyse, brigam em três idiomas diferentes deixando minha mente em ponto de ebulição.

— Queria fugir desse alvoroço todo por nada. — Annelyse comentou baixinho apenas para que eu escutasse sua reclamação.

— Queria poder não ter que lidar com a minha vida do jeito que ela se encontra. — Seus olhos me analisaram de cima abaixo como se quisesse ler minha alma e entender meus problemas, sabia que ela estava ciente ou até mesmo envolvida nesse filme de ação e suspense de Hollywood no qual estava envolvido da cabeça aos pés.

— Problemas no paraíso? — Questionou anotando algo em seu e-mail para relatório.

— Não seja inocente ou sonsa Annelyse, não combina com a sua personalidade forte. — Coloquei as cartas na mesa.  Aos poucos a sala foi ficando vazia e restou apenas nós dois. — Sei que você sabe de muito e que tem dedo nesse tormento todo. — Levantei da cadeira onde estava e caminhei até o vidro que dava vista para uma parte da cidade. — Esperava tudo menos sua falta de caráter.

Ao voltar meu olhar a ela vi que a raiva queimava em seus olhos, logo se pôs de pé e com os saltos prestes a perfurar o chão com os passos firmes caminhou até mim.

— Você não tem direito de me acusar por algo que eu não fiz Joel, não tem o direito de ser injusto.

— Não venha citar justiça, você não sabe o significado dessa palavras e de muitas outras que deveria usar para a vida Anne. — Me aproximei dela e não iria parar de ter aquela conversa até que por bem ou mal ela soltasse alguma dica sequer. — Não venha citar justiça se você sabe que não está sendo justa e honesta, pelo contrário. — A olhei com desprezo e era o que eu estava sentindo sobre ela. — Está sendo uma vadia egoísta e oportunista. Você e seu pai são a mesma espécie de ser humano: desprezível. Não me assusta que sua mãe tenha sumido da vida de vocês na primeira oportunidade.

O barulho que ecoou na sala e a ardência em meu rosto segundos depois deixou claro que os cinco dedos de Annelyse ficariam marcados em meu rosto. Quando levantou a mão para acertar o outro lado a segurei firme, sem palavras a arrastei até a saída da sala. O ser desprezível do pai dela estava passando e quando estava prestes a protestar pela filha a joguei em seus braços.

— Joel! Como ousa tratar minha filha dessa forma? Não seja petulante garoto, posso acabar com a sua vida e seu império em segundos. — Naquele momento soube que havia o corpo todo deles na história. Mas demonstrar fraqueza não estava em meu sangue.

— Não se eu acabar com a sua primeiro. — Dei as costas e fui até o elevador, por hoje havia sido suficiente.

Apertei o botão que me levaria para o estacionamento, o calor da situação fez com que meu terno começasse a incomodar, retirei antes que escorresse pelo cômodo. Naquela hora lembrei de Allyson, ela provavelmente estaria em horário de intervalo na faculdade e eu iria falar com ela a qualquer custo, não deixaria que meu casamento, por mais arranjado que tenha sido, fosse para o ralo, um papel não ia estragar os meses maravilhosos que tivemos.

O caminho que duraria meia hora em velocidade normal foi feito em quinze minutos, a entrada da faculdade estava repleta de pessoas indo e vindo. Sai do carro e fiquei a espera de ver aquele rosto angelical em algum lugar. Ansioso como sou retirei o celular do bolso na esperança de ver uma mensagem dela, e de praxe como os outros dias não havia nada, absolutamente nada.

Liguei um, duas, três, quando dei por conta já era a décima ligação e nada dela atender. Sem aguentar aquela agonia caminhei dentre as pessoas quando meu celular vibrou no bolso, o peguei e vi seu nome brilhar na tela.

"Vi seu carro na entrada, o que deu em você em vir aqui a essa hora?"

Poderia ter respondido com a palavra saudade, era o que eu sentia a cada passo distante que Allyson dava de mim.

"Vou levar você pra casa, seu carro está lá e você não voltará de uber, táxi ou qualquer outra coisa nem por um decreto."

"Okay"

Desejei que ela ligasse e brigasse pela insistência, ou mandasse qualquer outra coisa menos seca que um okay. Meia hora depois ela apareceu sorrindo, estava com o mesmo sorriso de quando nós estávamos em lua de mel, ou quando dançamos juntos na cozinha, ela mostrava o sorriso que é meu para outro homem e ele não sou eu. O sangue ferveu ao ver que por dias lutei fazendo o possível para receber um sorriso daqueles e agora ela se despedia o abraçando forte.

Dei a volta no carro e a esperei entrar, como das outras vezes ela entrou e jogou seus livros no banco de trás, colocou o cinto e ligou o rádio deixando alguma música desconhecida por mim tocar enquanto dava partida. O silêncio terrível consumiu o carro durante quase todo trajeto, apenas se desfez ao parar em um sinal qualquer e seus dedos gelados tocarem o lado que Annelyse havia deixado uma bela marca de dedos.

— O que aconteceu com seu rosto? — Continuou o caminho e só queria beijar sua mão e pedir que continuasse com a pequena proximidade. — Espero não ter caso com um sadomasoquista infiel. — Sorriu fraco ao terminar de pronunciar tamanho absurdo.

— Eu poderia dizer que tenho o mesmo medo sobre fidelidade depois de ver sua cena de filme adolescente se despedindo do rapaz da faculdade, sorrindo e conversando de uma forma que nem comigo você faz mais. — Seus dedos se afastaram do meu rosto, sua postura mudou de tranquila para tensa e seus olhos fitaram os meus buscando entender sobre o que estava falando. — Mas no entanto, isso é apenas resultado de ter falado algumas verdades para Annelyse e ela não ter gostado do que ouviu.

— Você me acusou de estar traindo você. — Disse olhando a rua como se fosse algo interessante. — Se eu fosse baixa igual ela já teria marcado o outro lado pela idiotice que disse agora.

— Pelo menos estaria demonstrando algo. — E nos calamos novamente. Nenhuma reclamação ou acusação, era frieza e indiferença que regava o ambiente.

Ao sair do carro já em casa peguei alguns papéis que estavam no banco de trás, diversos papéis e um deles não era meu e sim de Allyson. Na primeira página deixava claro ser um contrato de trabalho.

— Você vai começar a trabalhar e não me contou nada, Allyson. — Explodi na garagem batendo a porta do carro, dei a volta e esperei que ela saísse e assim o fez.

— Não é como se isso fosse algo do seu interesse, Joel. — Respondeu friamente fechando a porta atrás de si, sustentando meu olhar de indignação com o seu de calmaria.

— Allyson, tudo que envolve você é do meu interesse, absolutamente tudo. — Larguei os papéis, meu celular e casaco no chão, segurei ambos lados de seu rosto e aproximei nossos corpos a encurralando no carro.

— Eu me importo com você, querendo ou não nós estamos ligados Allyson, estamos juntos. — Rocei nossos narizes e lábios deixando meus olhos a vontade para fecharem com tamanha carga emocional entre nós ali.

— Joel, preciso cortar essa ligação que temos agora. — Suas palavras soaram como um soco no estômago. — Não quero depender do seu nome para conseguir algo, não quero e não vou ser sua sombra.

De forma delicada me afastou dando espaço para pegar o contrato no chão e seguir até a entrada da casa. Inconformado tentei pela última vez.

— É isso que você realmente quer, Allyson? — Seu corpo virou lentamente e mesmo de longe vi que não teria a melhor resposta.

— É o que realmente preciso, Joel.

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