Amor?

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— Como está se sentindo? — Joel comia algo do outro lado e ainda assim queria continuar aquela conversa, e realmente eu não sabia como responder sua pergunta.

— Nervosa, ansiosa, eu não sinto nada e ao mesmo tempo eu sinto tudo, faz sentido? — Falei enquanto encarava meu reflexo no espelho, havíamos feito um acordo a uma semana: não o veria até o dia do casamento.

Em minha defesa eu não queria que a ideia de desistir passasse pela minha cabeça e vendo ele todos os dias com certeza faria meu subconsciente gritar por isso alguma hora.

— Você não faz sentindo nem quando se esforça Allyson, mas dessa vez eu tenho que concordar com você, sinto o mesmo.

O silêncio se instalou na linha, não tinha o que falar e nem se quisesse conseguiria,  eu o veria de terno no altar, em questão de horas estaria casada com Joel. Mas o silêncio era algo que me incomodava profundamente e sabia que era algo incomodo para ele também.

— Ligou para ouvir minha respiração Joel? — Sorri com o comentário, mesmo sabendo a resposta grossa que viria a seguir.

— Liguei para que pudesse ouvir a minha também, querida. — Sabia que ele sorria em tom de deboche do outro lado.

— Eu não me importo com você e seus suspiros na madrugada, querido. — Me levantei e caminhei até a janela do quarto, a vista era linda e eu sentiria falta do meu espaço. — Podemos fazer um casamento moderno? Não quero morar na sua mansão. — Tentei pela última vez argumentar essa cláusula do contrato, gostava muito da minha casa, parte dos meus pais estava ali e eu não me sentia desamparada ao pensar sobre isso.

— Não Ally, não podemos. — Bufou demonstrando total irritação com meu comentário. — O que vão pensar se você morar em uma casa separada? Já imaginou o que vão falar? — Em verdade, não estava me importando com o que falariam. — Precisamos estar juntos, totalmente juntos, caso contrário sabe bem o que acontecerá e não deve ser o fim morar comigo Allyson, eu sou uma boa pessoa.

— Em momento algum não disse que não era. — Respondi diretamente. — Desculpe, eu não quis ser grossa ou algo do tipo, vamos fazer como combinado. — Senti que havia pesado o clima da conversa e não queria passar mais três dias com esse peso.

— Sem problemas, ficamos mais de seis horas conversando e já vai amanhecer. — Sua observação fez com que eu acordasse e lembrasse de mais uma infinidade de compromissos logo mais.

— Preciso dormir, tenho os últimos detalhes para acertar, o meu trabalho é o triplo do seu Joel, não quer trocar de lugar?

— Ficaria lindo até de noiva, seria um marco. — Caímos na gargalhada juntos, seria cômico Joel vestido de noiva com um buquê. Seria horrível.

— Allyson? — Sua voz estava preguiçosa, ele estava quase dormindo.

— Oi. — Não sei o motivo, mas as batidas do meu coração ganharam velocidade e eu não sabia o porquê.

— Espero você em 24 horas no altar, amor.
Não tive tempo de responder sua constatação, eu não compreendia Joel e realmente não queria compreender.

Amor. Essa palavra estava virando comum em nossas conversas e queria que não se tornasse presente, não em meus sentimentos.

Amor. Estávamos fazendo tudo sem amor, não há amor onde existe mentira, eles não andam lado a lado.

— Espero você no altar em 24 horas, Joel.
Joguei meu celular longe e me permiti cair em um sono profundo, precisava descansar.

Joel

— Você está lindo, meu filho. — Eleanor estava parada na porta do quarto, enquanto eu fazia os últimos ajustes no terno.

— Seria estranho dizer que estou nervoso, muito nervoso? — A olhei pedindo um pouco de misericórdia com o olhar. — É um casamento de mentira Eleanor, eu não deveria sentir nem um frio na barriga.

— Talvez a mentira esteja nos seus olhos, não em seu coração. — Dito isso ela desapareceu e eu fiquei sem entender o que ela queria dizer com aquilo. Ou tinha entendido errado. Espero ter entendido errado.

Já era tarde da noite quando o sono sumiu, havia revirado na cama em diversas posições e ainda assim não conseguia pregar os olhos, a imagem de minha mãe invadia meus pensamentos a todo instante.

Levantei e me vesti rapidamente, peguei as chaves do carro e segui ao único lugar em que precisava ir antes que tudo se concretizasse. Tracei diversas rotas mentalmente, busquei a mais longa, não queria chegar cedo ao cemitério, era algo que ainda doía profundamente.

Depois de quarenta minutos percorrendo Miami a coragem invadiu meu corpo em um estalo e quando dei por conta estava a caminho do túmulo de meus pais.

— Sei que em algum lugar você está olhando por mim, vocês dois na verdade. Espero que me perdoem pela pessoa que me tornei, pelas atitudes que tive e que ainda terei. — Meu peito apertava a cada palavra, aquela sensação de desarme se fez presente. — Allyson é adorável, vocês gostariam de conhece-la, sem dúvidas é a pessoa mais pura que verdadeira que conheci até hoje. Aposto que a chamariam de filha e cuidariam dela e de Sophie. Nessa tragédia eu tive a oportunidade de conhecer uma mulher incrível e por obra do destino vou me casar com ela, já deixo claro que é apenas para fins financeiros. — Ri do meu próprio comentário, ri descontente pois sabia o quão errado era usar uma pessoa por dinheiro.

Senti gostas grossas caindo em uma velocidade apavorante, uma tempestade estava começando o que fez com que despertasse e saísse da bolha que tinha criado naquele momento.

— Mãe, pai — junto às gotas permiti que minhas lágrimas escorressem — Amo vocês, amo mais do que minha própria vida e se eu soubesse que naquele dia perderia vocês para sempre, não teria deixado que saíssem de casa, mas eu não pude prever e aqui estou. — o choro que antes estava guardado por meses saiu em um piscar de olhos. Chorava como se fosse parte da chuva que caía naquele momento.

Deixei que toda angústia e medo saísse de mim, eu estava com medo. O medo era por Ally, pela mudança na sua vida e do peso que isso tudo teria daqui pra frente.  Juntei as forças e segui em direção ao carro, amanhã seria o grande dia, pelo menos esperava que fosse.

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