Um

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Ainda era escuro, mas dava para ver a paisagem cinza e fria pelo vidro da janela do táxi. As nuvens carregadas de chuva e neve havia dado uma pausa, mas não seria por muito tempo. Dei mais uma olhada no meu relógio de pulso que marcava 5:45AM. Eu estava um pouco nervosa, minhas mãos soavam geladas por dentro das mangas do meu casaco de moletom vermelho. Estava indo para o meu primeiro dia de emprego de babá de uma garotinha de sete anos. Eu não tinha muita experiência com crianças, mas isso não impossibilitava que eu gostasse delas. Eu amava crianças.

O táxi virou mais outra rua, e a paisagem agora tomou outro cenário, as casas que via antes foram substituídas por uma floresta de pinheiros cobertas pela neve. Podia se ver algumas árvores espalhadas, mas só os galhos, pois às folhas haviam caído, dando uma espécie de cenário sombrio de um filme de mistérios. E por um segundo eu me perguntei, o que diabos eu estava fazendo ali. Eu havia largado tudo. Havia largado a minha faculdade, a minha família, as minhas amigas, a minha vida... foi num momento de surto, ajuntei minhas roupas, raspei a minha caderneta e fugi daquela minha vida que havia se tornado estranha e sem sentido depois que acordei de um acidente misterioso que me fez perder parte de minhas memórias, excepcionalmente dois anos dela.

Juro que depois disso eu tentei voltar a minha vida normal, tentei ser a mesma Sakura de antes, mas algo faltava. Aqueles dois anos não podiam ser preenchidos a menos que eu lembrasse o que havia acontecido de tão terrível que havia deixado meus pais superprotetores de uma hora para outra, e minhas amigas estranhamente cautelosas comigo. Eu havia percebido naquele momento que eu não pertenciamais aquele lugar. Aquela vida não pertencia mais a mim.

Eu não era mais aquela Sakura.

- Chegamos.

A voz do taxista havia me tirado de meus devaneios. Ultimamente eu me perdia em meus pensamentos sem ao menos perceber.

Fitei o motorista, em seguida meus olhos focaram no portão de ferro a frente. Podia ver um pouco da mansão que insistia em ser ocultada pelo nevoeiro. O cenário era bem gótico.

- Quanto é? – perguntei enquanto pegava minha carteira da minha mochila.

- Cinquenta pratas.

Entreguei duas notas de vinte e uma de dez para ele e abri a porta, mas a sua voz me fez parar no processo:

- Você quer um conselho?

- Conselho?

- Seja lá o que você vai fazer nessa mansão, não é uma boa ideia.

O meu sensor de proteção entrou em alerta. Franzi o cenho.

- Por que você está dizendo isso para mim?

- É por que eu já ouvi estórias, muitas estórias desse lugar e nenhuma delas teve um final feliz.

Podia sentir a bile subir em minha garganta, e um sentimento de que estava pisando em área proibida havia se apossado de todo o meu corpo. Aquilo deveria ser um sinal de que eu havia feito uma coisa idiota. Ainda dava tempo de desistir, certo? Mas se desistir agora, talvez eu não consiga outro emprego a tempo, pois todo o dinheiro que eu tinha era só vinte e cinco pratas agora. E voltar para a casa de meus pais estava fora de cogitação.

Reuni toda a minha coragem que existia e coloquei o pé para fora do táxi.

- Obrigada pelo conselho. – agradeci ao taxista antes de fechar a porta do carro. E seja lá o que Deus quiser.

O táxi deu a ré, fazendo a curva e desceu a colina, desaparecendo pelo nevoeiro, me deixando sozinha em frente ao enorme portão de ferro, e o frio que congelava da ponta do meu nariz até a ponta do meu dedão do pé.

The SecretOnde histórias criam vida. Descubra agora