Capítulo 16

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Depois de lhe ter contado, pessoalmente, o que se estava a passar André tornou-se ainda mais protetor em relação a mim. As explicações tornaram-se diárias, fazendo com que ele tivesse um motivo para me ir buscar á escola, mantivemos esta rotina durante duas semanas, ou seja, estávamos todos os dias juntos. Mas numa tarde, quando me foi buscar, notei que ele estava diferente, algo ansioso. Perguntei-lhe se estava tudo bem mas para variar ele disse que sim e levou-me a casa. Nesse dia as explicações não correram tão bem como nos dias anteriores – visto que eu estava mais preocupada em saber o que se passava com ele do que em decorar o que são funções trigonométricas.

 - O que é que tu tens? – Perguntei.

- Não é nada, não te preocupes – Limitou-se a responder desviando de novo a sua atenção para o meu livro.

Observei-o durante bastante tempo, sabia que ele se sentia incomodado com o meu olhar mas era a única maneira de o fazer falar – pelo menos era o que eu pensava pois ele não cedeu mantendo-se fixo no livro.

- Tenho pena que não confies em mim – Declarei.

- Como tu confiaste em mim? – Atacou.

- Já te expliquei o porquê da minha atitude – Respondi num tom zangado.

- Desculpa.

Encolhi os ombros e regressei de novo á trigonometria. Estudámos mais uma hora até sermos interrompidos pelo aparecimento da minha mãe com um lanche que dava para alimentar meio batalhão, mas o melhor é ninguém a contestar no que diz respeito ao modo e á quantidade que comemos.

Lanchámos em silêncio, algo invulgar pois temos sempre tema de conversa, nem que seja sobre o tempo, há sempre algo para conversar. Notei que ele trazia no seu pulso um relógio novo e bastante bonito e por isso decidi usá-lo como tema de conversa.

- Gosto do teu relógio.

Ele olhou para o relógio e sorriu mas não disse nada. A minha tentativa de iniciar uma conversa foi em vão. Ao fim de algum tempo já tinha esgotado todas as minhas ideias para começar um diálogo com ele.

Foi então que inesperado aconteceu. Antes de se ir embora tirou o relógio e colocou-o no meu pulso.

- O que é que tu estás a fazer?

- Não disseste que gostavas dele?

- E gosto mas…

- Mas nada. – Interrompeu.

Ele colocou lentamente o relógio no meu pulso, agarrando depois a minha mão de um modo suave, entrelaçou os nossos dedos e deu um dócil beijo na minha mão. Eu sorri-lhe, nunca o imaginei tão cavalheiro apesar de, nos últimos tempos, ele me mostrar uma faceta nobre.

Olhou-me nos olhos, como se estes transmitissem a resposta de algum dilema. A intensidade do seu olhar provocava-me arrepios e eu tinha de me controlar para não lhe demonstrar esse facto. Baixou o olhar até aos meus lábios e fez o mesmo com as nossas mãos, deixando-as suspensas. Apertou com força a minha mão, aproximou-se de mim e beijou-me. Fiquei sem reação, nunca pensei nele daquela maneira, é verdade e toda a gente via que sentia – e ainda sinto – um carinho muito especial por ele. Acho que facto de estarmos praticamente todos os dias juntos fez com que a nossa amizade criasse laços fortes, pois tínhamo-nos conhecido no verão passado. Também é verdade que sempre apreciei a sua companhia e que me magoava o facto de saber que ele corria perigo constantemente mas nunca pensei que isso eram sinais de paixão.

- Quero que fiques com ele. – Falou apontando para o relógio e em seguida foi-se embora.

Sentei-me na cama e fiquei a olhar para o relógio.

- Marta o jantar está pronto, vens? – Perguntou a minha mãe.

Olhei-a um pouco desnorteada, tinha passado muito tempo a fixar o relógio, durante muito tempo a minha mente esteve vazia e custou-me compreender o que a minha mãe tinha dito.

- O jantar está pronto. – Repetiu – Marta está tudo bem?

Assenti e segui-a até á cozinha.

- Posso falar contigo? – Perguntou a Rosa entrando no meu quarto depois do jantar.

- Claro – Respondo afastando-me de modo a deixá-la sentar-se ao meu lado – Então?! Está tudo bem?

- Melhor que bem – ela sorriu – Estou muito feliz.

Notei uma pequena relutância na sua resposta. Olhei para ela e vi que estava a sorrir, mas será que ela sabia o que era ser feliz, será que ela sabia exatamente o que é a felicidade num relacionamento?

Senti-me tentada a fazer-lhe estas perguntas mas eu não sou ninguém para pôr em causa a sua felicidade nem a sua palavra. Até então nunca tido nenhum relacionamento e mesmo que vivesse de perto, às vezes até demasiado de perto, os relacionamentos dos meus amigos isso não fazia de mim uma expert no assunto.

- Ele ainda não me deu nenhum beijo – Confessou após alguns minutos de silêncio. Levantei-me e fiquei a olhar para ela deixando-a continuar a sua confidência: - Raros são os momentos em que conseguimos estar sozinhos. As minhas amigas tentam juntar-nos mas mesmo assim nunca conseguimos estar mais de cinco minutos sozinhos. Ainda por cima… - Ela vacilou – Ele é muito gozado pelos rapazes da minha turma…

- Gozado?

- Sim, todos dizem que ele é gay e por isso volta e meia ouve-se um comentário maldoso mas mesmo assim ele não se afasta de quem goza com ele. Marta – ela voltou-se para mim com a tristeza nos seus olhos – o que é que eu faço? Eu gosto dele.

Não lhe sabia responder e por isso limitei-me a abraçá-la. E minutos depois adormeceu no meu colo.

- Está tudo bem? – Perguntou a minha mãe entrando no quarto.

Assenti com a cabeça.

- Desgosto amoroso? – Continuou. Tal pergunta fez com que olhasse para ela curiosa – Queres saber como é que eu sei que ela está apaixonada? Oh minha querida, eu sou vossa mãe e conheço-vos melhor que ninguém e sei perfeitamente que o coraçãozinho dela foi roubado.

Eu sorri e encostei a cabeça á cabeceira da cama.

- E tu?

- Eu o quê?

- O que é que se passa contigo? Sei que há algo de errado.

- É só impressão sua.

Para toda a vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora