Capítulo 34

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A Andreia fazia três anos e decidimos organizar-lhe uma festa, ela ficou toda entusiasmada e convidou todas as amigas da creche onde ela andava, consequência: a casa do André parecia um autêntico infantário, mas apesar disso era muito reconfortante vê-la sorrir, á quase dois anos que não via a mãe e nem tinha notícias dela, aquela criança tinha passados os últimos tempos “sozinha”, ora dormia comigo em minha casa, ora “obrigava-me” a dormir com ela em casa do André ou então ela dormia só com o André. Nós amávamo-la e fazíamos de tudo para cuidar bem dela mas nós não éramos os pais dela e fazíamos questão de falar várias vezes na Ana porque receávamos que ela recusasse a mãe quando esta regressasse, mas a questão era: quando é que ela vai regressar?

- Está tudo bem? – Perguntou André sentando-se ao meu lado.

- Sim, porquê?

- Estás muito pensativa.

- Estava a pensar na Ana – desviei o meu olhar do pequeno grupo de crianças que corriam atrás da Andreia – Onde é que achas que ela está? E quando é que achas que ela tenciona regressar? Não sou ninguém para a julgar mas acho que estava na altura dela regressar, ela simplesmente está a perder os melhores anos da vida da filha, ela era quem devia estar aqui a cuidar a filha, a vê-la brincar com os amigos, a vê-la soprar as vela e a sujar-se toda com o bolo.

- Não sei.

- Ela é que é a mãe, não somos nós. Não penses que estou a ser egoísta, eu amo aquela rapariga mas também sou amiga da Ana e não me agrada a ideia de que ela esteja a perder estes momentos da filha.

- Eu sei que só estás preocupada mas a Ana é que sabe o que está a fazer, o único que nos resta é cuidar da Andreia.

Suspirei e encostei a minha cabeça no seu ombro e ele abraçou-me. A tarde passou num instante e por volta das sete horas a casa tinha voltado ao sossego normal e enquanto o André ia limpando a casa – parecia que tinha passado por ali um furacão – eu fui dar banho á Andreia. Até nos estávamos a divertir mas de repente ela fez-me uma pergunta que ainda hoje está bem presente na minha memória.

- Mata, a mamã está no céu?

Fiquei sem reação, onde é que ela tinha ido buscar aquela ideia?

- Uma amiga minha disse que a mamã dela estava no céu e por isso é que ela já não a visitava, a minha mamã também foi para o céu?

- Não, claro que não minha querida.

- Mas então porque é que não me vem visitar? Ela não gosta de mim? – Esta última pergunta foi feita já com lágrimas nos olhos, já não era a primeira vez que ela perguntava pela mãe mas nunca tinha utilizado esta pergunta como um possível motivo para a ausência de mãe.

- É claro que gosta – tentei acalmá-la e abracei-a – A mamã gosta muito de ti, ela só não te pode vir buscar porque está longe mas assim que chegar a Portugal vem logo, logo buscar-te.

- Tu gostas de mim?

- Gosto minha querida, gosto muito de ti.

Vesti-a e levei-a para o quarto, adormeceu de imediato, aquela tarde tinha-lhe consumido toda a energia. Ainda fiquei uns minutos a vê-la dormir, parecia um anjo, ali deitada com o seu peluche preferido e a sua manta branca. Onde é que tu estás, Ana? A tua filha precisa de ti.

Quando comecei a sentir as lágrimas a cair saí do quarto e regressei á casa de banho, demorei uma eternidade a limpá-la, isto porque estava a tentar recompor-me.

- Precisas de ajuda? – Perguntei enquanto entrava na cozinha.

- Dava algum jeito.

Peguei numa vassoura e comecei a varrer, pela primeira estávamos os dois em silêncio, já se tornava habitual eu ajudá-lo nas tarefas de casa mas nunca as fazíamos em silêncio, mesmo quando a Andreia estava a fazer a sesta nós falávamos um com o outro, mas naquele dia estava tudo silencioso, em poucos minutos aquela casa passou de uma feira para uma sala de meditação. O silêncio permite-nos ouvir os nossos pensamentos e emoções e naquele dia a única coisa que conseguia ouvir era “ Mata, a mamã está no céu? Ela não gosta de mim?”

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