Capítulo 39

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Uma queda. Uma queda enquanto lavava a garagem de minha casa alterou completamente a minha vida.

Havia muito pó e outras tralhas acumuladas na garagem e num sábado em que estava sozinha – os rapazes tinham decidido ir até ao autódromo para matar saudades – decidi fazer uma limpeza àquela parte da casa.

Organizei mais ou menos as coisas que era melhor guardar e depois peguei na mangueira para lavar o chão, e refrescar a divisão. Vestia uns calções e uma t-shirt e calçava umas havaianas. A certa altura escorreguei e caí desamparada ao chão, batendo com a cabeça numa caixa de madeira, ou melhor, batendo com a cabeça numa das pontas da caixa. Não sei como mas consegui levantar-me e entrei em casa, sabia que não podia adormecer mas o cansaço estava a levar a melhor. Então decidi ligar para o André e pedir-lhe ajuda.

Em poucos minutos ele chegou a casa e foi á minha procura, eu estava deitada no sofá a lutar contra o sono, quando me levantei vi que tinha sujado a almofada com sangue.

- O que é que se passou?

- Escorreguei e caí… - expliquei com algum custo – Desculpa ter-te ligado mas…

- Fizeste bem, agora deixa-me ver a tua cabeça. – Falou movendo vagarosamente a minha cabeça de modo a poder ver o ferimento.

- Tens de ir ao hospital.

- Não quero.

- Tu não tens querer nem meio querer, vais ao hospital e ponto final. – Afirmou pegando em mim e levando-me para o carro.

Levei cinco pontos.

O André ficou preocupado e falou com o médico sobre a possibilidade de eu me ter magoado a sério – eu sei porque ouvi a conversa – mas o médico tranquilizou-o dizendo que não era nada de grave e que eu podia regressar a casa.

Apesar do médico me ter dado alta as dores não passavam, sentei-me na secretária do meu quarto e tentei escrever numa tentativa de me abstrair do mundo e tentar esquecer a dor – até agora tem resultado mas o problema é que as dores que até agora consegui “esquecer” não eram físicas. Embora me doesse bastante continuava a tentar concentrar-me no papel e nas palavras que ia escrevendo, tem sido maravilhoso escrever os episódios mais marcantes da minha vida, relembrar o passado, reviver tudo, tanto os bons como os maus momentos.

A minha cabeça latejava mas não queria parar, ainda há muitas histórias para contar, as nossas aventuras loucas dentro destas quatro paredes, as nossas juras de amor, os nossos abraços, as nossas zaragatas,…, e um futuro para imaginar. Quero daqui a uns anos pegar neste diário e recomeçar a escreve-lo, quero escrever sobre os meus filhos; o seu nascimento, as suas brincadeiras, o seu crescimento, as suas manias, os seus medos e as suas aventuras amorosas; quero escrever sobre os meus netos e quem sabe bisnetos; quero poder sentar-me num alpendre bem juntinho do André e ler todas estas páginas…Quero manter a nossa história viva e para isso tinha de escrever.

De repente voltei á realidade, abandonei aquela dimensão paralela para a qual viajo cada vez que pego na caneta, e observei o papel que estava manchado. Era sangue. Perguntei-me de onde vinha? A resposta era óbvia. Do meu nariz. Estava a sangrar pelo nariz e não sabia porquê. Fiz tudo o que me ensinaram para tentar estancar o sangue mas ele continuava a cair.

- O almoço está.. – O André entrou no quarto e ficou parado a olhar para mim – O que é que se passa? Porque é que estás a sangrar?

- Não sei.

Ele também tentou mais umas quantas manobras para parar a constante saída de sangue mas sem sucesso e de novo levou-me para o hospital. Demorou até sermos atendidos, a dor de cabeça aumentava cada vez mais e a saída de sangue também não tinha parado, eu estava a ficar fraca e o André a entrar em desespero. Finalmente o médico decidiu dar sinais de vida mas quando me tentei levantar não consegui, não tinha força suficiente nos membros inferiores. Tiveram de me vir buscar numa cadeira de rodas, levaram-me para fazer alguns exames e conseguiram estancar o sangue, no entanto não pude regressar a casa.

- Os médicos estão preocupados contigo, por isso é que ainda não te deram alta. – Explicou André, mesmo sem que eu falasse. Ele já me conhecia e sabia perfeitamente o que eu estava a pensar.

- Pega na minha mala e tira de lá o caderno. – Falei.

Ele olhou-me curioso mas fez o que lhe pedi. Tinha o vício de guardar um caderno na mala pois havia situações em que a escrita era o único refúgio… e esta era uma delas.

O quarto do hospital é branco, do lado direito há mais três camas e no lado esquerdo há uma janela, cuja paisagem exterior é marcada pelo barulho do tráfego e pela construção de prédios.

Há horas que espero o resultado dos exames, detesto esta espera e principalmente detesto ver o André no estado angustiante em que está, ele sabe alguma coisa que não me quer dizer. Por vezes esqueço o papel e volto a minha atenção para ele que segura fortemente a minha mão e por vezes me beija no rosto, na testa, nos lábios. Quando ele se acalma eu regresso às palavras mas nunca dedicando-me totalmente como fazia no passado, agora a minha atenção é dividida entre as letras e o André.

Para toda a vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora