Capítulo 19

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Os dias que se seguiram foram uma tortura. Mesmo apesar de ter vivido alguns dias sem a presença de André, aquela situação era diferente: todas as noites adormecia a pensar nas palavras proferidas por André e por vezes durante o dia sentia a sua presença. Ao fim de cerca de três semanas comecei a habituar-me á ausência dele – ou pelo menos mentalizar-me dessa situação pois antes de me encontrar com ele eu vivia com a esperança de que acabaríamos por encontra-lo e ele regressaria para casa.

Os meus dias passaram a ser totalmente preenchidos deixando-me sem quase tempo nenhum livre, eu precisava de ocupar a cabeça para não pensar no André; a escola era um bom apoio e nunca desejei tanto ter trabalhos de casa como naquela altura pois sabia que isso manteria a minha cabeça ocupada por mais algum tempo; o Tiago autorizou-me a utilizar o seu carro sempre que quisesse e por isso comecei a passar muito tempo no autódromo; a Ana também começou a passar mais tempo comigo, assim como a Leonor; e ainda tinha a Rosa com o seu namoro em vias de extinção – quase todos os dias ela chegava a casa com uma expressão triste, eu tentava fazer de tudo para a animar mas na maioria das vezes apenas lhe conseguia arrancar um sorriso que desaparecia logo de seguida. Resumindo eu tinha muita coisa para ocupar a minha cabeça durante o dia deixando apenas a noite torturar-me.

- Olá! – A Lara tinha-me ligado para saber se eu estava em casa, dizendo-me que queria falar comigo e por isso eu tinha-lhe dito para vir até minha casa. – Queria ver como estavas.

- Estou bem, obrigada. E tu?

- Também.

Ficámos em silêncio durante uns momentos, sinceramente eu tinha uma questão para lhe colocar mas estava a tentar arranjar coragem devido ao facto de ter a noção de que estaria a remexer numa ferida que de certeza ainda não tinha sarado.

- Posso fazer-te uma pergunta? Uma pergunta pessoal.

- Podes, claro que podes.

- O que é que se passou entre ti o Tiago? – Ela não respondeu limitando-se a fitar a parede - Não te censuro de não quiseres contar, é um assunto pessoal e eu sei que não tenho nada a ver com isso mas eu também sou amiga dele e vejo o quanto ele está triste.

- Olha que não parece.

- Não te deixes julgar pelas aparências, ele é um bom ator.

- Marta eu quase morri por causa dele, duvido que algum dia o conseguirei perdoar – ela viu a minha expressão ficar atónica e continuou – Há cinco anos atrás ele pediu-me para lhe fazer um favor. O Tiago tinha ficado encarregue de fazer uma troca entre dois gangues bastante poderosos, na nossa posse estavam uma elevada quantidade de droga e o seu respetivo pagamento e então ele pediu-me que levasse a um homem que se encontrava no Porto enquanto ele próprio fazia a entrega da droga. O problema foi que aqueles a quem eu tinha de entregar o dinheiro não eram pessoas da confiança do Tiago, aliás era a primeira vez que eles “negociavam” e mesmo assim ele mandou-me a mim; quando lá cheguei fiz tudo como combinado e encontrei-me com o homem porém assim que ele se apoderou do dinheiro um dos seus capangas agarrou-me e encostou uma faca ao meu pescoço enquanto o chefe dizia que iria ser obrigado a matar-me pois eu já tinha visto a cara dele. Senti muito medo, eu simplesmente não queria morrer – ela começou a chorar delicadamente – O Tiago sabia qual o modo de atuar daquele homem mas mesmo assim mandou-me a mim, com tanta gente mais forte que eu, com tantas estratégias que poderia ter adotado para a entrega do dinheiro decidiu que tinha de ser pessoalmente e que tinha de ser eu a fazer a entrega.

- Como é que….?

- Como é que sobrevivi? Não sei como nem porquê, o Tiago apareceu com mais alguns homens e deu-se início a um tiroteio e de repente o homem que me agarrava caiu para o lado com dois tiros nas costas, e os outros guarda-costas começaram a cair também, apenas o chefe e mais dois é que conseguiram escapar; também perdemos dois dos nossos homens. Depois de eles terem fugido o Tiago veio ter comigo e quando me tentou abraçar a minha primeira reação foi afastar-me dele, ele sabia o quão perigoso era aquele bando e mesmo assim essa informação não demoveu a ideia de me mandar a mim. A partir daquele momento nunca mais o deixei aproximar-se de mim e passadas umas semanas parti para o Algarve e fui viver com o meu pai…nunca mais falei com ele.

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