Capítulo 20

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Capítulo vinte
Deus e Sofrimento


— Eu sabia que eles viriam aqui, mãe. E sabia que era parecido com a outra ilha. — estávamos sentadas, observando o mar. — Vi o vovô com uma foto daqui ontem.

— E por que quis vir aqui? — a olhei.

— Porque eu quero voltar, mãe. — um baque. Um tiro. Olhei para o mar novamente, calmo e sereno, para ao menos tentar ignorar a frase turbulenta.

— Eu também. — as memórias vieram à minha mente, e isso me perturbou. Mas... — Estamos em Julho, certo?

— Acho que sim. — ela me olhou, talvez nem soubesse o que é julho, mas assentiu percebendo meu sorriso e animação.

— James me disse que visita Londres exatamente nesse mês. — disse baixo, e olhei para minhas pernas envolvidas pelo tecido branco, fino e transparente do vestido que estava usando. Atei minhas mãos, relembrando o calor da mão coberta de calos de meu Capitão.


— Acha que vamos ver ele? — um tom sugestivo, incrivelmente cauteloso.

— É o que espero. — olhei para o mar novamente, e pude ver o Loster vindo em minha direção. Pude ver James com um dos braços em volta da sereia esculpida na proa, seu braço com o gancho pendurado ao lado do corpo, o vento em seu cabelo, e o sorriso que invadia meus sonhos toda noite.


A humanidade toda foi extinta, e restou apenas James e Daisy. Eram o que tomava meus pensamentos, meu ser. É a família a qual o destino preparou para mim. Ou Deus, talvez?







— Vamos à igreja da ilha, Charlotte. Eu sei que faz um tempo que não reza. Muito mais comigo. — disse minha mãe, se aproximando de mim e Daisy. Ergui minha cabeça para a olhar, estava em dúvida se deveria ir, mas, não importava. Minhas decisões se tornaram um completo “tanto faz” desde que deixei a única certeza da minha vida. Assenti, e me levantei. Meu pai pediu que a pequena ficasse com ele. Enquanto minha mãe me conduzia pela areia, olhei para trás, e vi a cena a qual nunca imaginei presenciar, mas que, no fundo, queria ver.


Os cabelos com mechas esbranquiçadas, arrepiados e molhados. O sorriso com rugas recentes acompanhado do sincero e ingênuo. Não tinham nenhuma semelhança, mas sim, avô e neta juntos. Como deveria ter sido desde o começo. Saltavam sobre as ondas de mãos dadas, ambos caindo de dois em dois pulos. Não pude não rir.

— Eles se dão muito melhor do que eu e ela. — minha mãe comentou. Não soube como responder, e tentei encontrar uma resposta formulada que não fosse grosseira.

— Ela sempre escolhe os homens. — foi apenas o que eu consegui dizer. Minha mãe riu, e eu ainda não encontrava a graça naquilo.

— Exatamente como você. Seu tio lhe desprezava, e sempre que minha irmã chegava, você corria para ele. Apesar de tentar te empurrar, ele te pegava no final. A mesma coisa comigo e com seu pai. E com seus avós. — a olhei de canto e abracei a mim mesma, tentando decifrar onde ela queria chegar com aquilo. — Ao menos não passou pela frustração dela sair correndo para o pai, e te deixar para trás.

Meus pés pararam, e mesmo que eu mandasse que andem, eu permaneci parada.

— Eu queria ter passado por essa frustração. — andei mais rápido, e passei dela. Ah, mas eu queria. — Não sabe o que é acordar noites seguidas para levar uma criança à um hospital particular, e fugir com ela por não ter como pagar. Dormir em edifícios com homens usando crack ao seu redor, enquanto a única coisa que você pode fazer é roubar fraldas para o bebê. Dormir em uma calçada enquanto neva, esperando que alguém tentasse te acolher. E ninguém nunca acolhia. Nunca.

Lost Boys [PETER PAN]Onde histórias criam vida. Descubra agora