Capítulo 17

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Capítulo dezessete
Permanecer no desconhecido





— O que diabos? — meu corpo desabou na cama, e sentada, coloquei as mãos no rosto. Ali, no escuro, sem visão, pensei em tudo. O que estava acontecendo comigo?

Eu armei tudo sem nem perceber? O tempo todo aquela cena dramática estava programada. E eu sequer sabia que o tinha feito. Nunca fui tão mentirosa em toda minha vida.

Afastei as mãos do rosto, as olhando. Podia ver veneno escorrendo da ponta de minhas unhas. Uma risada oca e perversa dentro de mim ecoava.

— Oh meu Deus.



Corri pela floresta, para além e além. Com os braços afastava galhos rebeldes, sentindo pequenas farpas arranharem minha pele. Eu só queria ir embora dali, me jogar em qualquer lugar que trouxesse conforto e esquecer tudo.

Eu queria o Loster. Me encolher no abraço quente, revestido de selvageria e aromas de meu Capitão.

Quando finalmente alcancei a areia molhada da praia, o mar pareceu recuar. O vilão de tudo não era Peter, ou Gancho. Eu me tornei a vilã da história.

— Eu quero ir embora. — minha voz foi baixa ao ponto de ser inaudível por mim mesma. Rouca e cheia de soluços. Me ajoelhei no chão, como uma construção sentindo as fundações rangerem.

Sempre fui a mocinha, a vítima. E agora eu havia manipulado pessoas, havia mentido para mim mesma, e neguei meu destino.

Não, nunca fui uma Menina Perdida. Meu lugar nunca foi a Terra do Nunca, eu sequer tenho um lugar. Com os braços em frente aos joelhos, curvei o corpo, levando a testa para sobre as mãos. Minhas unhas afundaram na areia compactada, e as lágrimas que eu queria que caíssem, sequer avançavam. As ondas se aproximavam, sendo barradas por meus braços. Sentia a água os tocando, mas era como se elas não quisessem se aproximar de mim.

Suja, isso é o que eu me tornei.

Ergui a cabeça, olhando para o horizonte além.

— Eu não tenho nada. — meu corpo estremeceu perante as palavras que citei. — Meu apartamento não é meu. Minha família me deixou. Estraguei o relacionamento que tinha com as pessoas daqui.

Um sorriso em meus lábios se formou. Como se uma luz houvesse emergido em meio a escuridão que estava me tomando.

— Mas eu tenho Daisy. — minha voz se elevou, e risos saíram de mim. As lágrimas relutantes finalmente caíram. — A única coisa importante em todo o mundo.

Movi uma perna, cravando o pé na areia. Com o braço sobre a coxa, tomei impulso para ficar de pé.

— Ela me segue por onde eu for. Estará comigo onde eu estiver. — meus pés tomaram passos para trás sem que eu percebesse. — Minha filha. É o que sempre escolhi. O caminho que tomei.

Voltei a correr pela floresta, rindo sem notar. As palavras saíam de minha boca, pensamentos que faziam sentido fluindo por minha língua.

— Podemos esquecer tudo isso. Podemos deixar de lado. — atravessei a barreira do Reino das Tecelãs, ignorando completamente as fadas e as cores e a natureza a minha volta.

Atravessei a barreira novamente, indo para o norte. As lágrimas que caíam eram de euforia. Havia um modo de deixar tudo para trás. Esquecer John, Pan e Gancho.

Com freio violento, parei em frente a pequena, que me olhou confusa.

— O que foi, mamãe? — sorri para ela, e ela também sorriu. — Teve uma ideia?

— Sim. Sim Daisy, eu tive. — a abracei forte, a pequena apenas retribuiu, sem entender. — Vamos voltar para Londres. Encontrar a vovó e o vovô.

— O que? — me afastei dela, olhando em seus olhos negros. — É sério?

— Sim. — assenti, colocando seu cabelo atrás da orelha. — Nós vamos embora.

— Não pode simplesmente a levar porque quer. — ouvi a voz de Peter, e me virei, ficando de pé.

— Ela pode. É mãe. — Wendy apareceu, de braços cruzados.

— Wendy tem razão. — John também surgiu.

— Daisy gosta de nós, ela é feliz aqui. — Pan disse, gesticulando para tudo a seu redor. — Nos diga, Daisy. Era feliz em Londres?

Uma flecha, uma flecha que acertou meu coração em cheio. Levei a mão até aquela região que doía profundamente. Olhei para a pequena, abaixo ao meu lado. Não, não era.

— Sim. Eu era. — a pequena assentiu. Pisquei meus olhos freneticamente, processando. — Mas minha mãe, não.

— Meu amor, você não precisa... — falei baixo, e ela atou nossas mãos.

— Mas ela é muito mais infeliz aqui. — apertei sua mãozinha o forte. — Então eu quero ir embora. Não sou feliz se ela não for.

Todos em nosso redor ficaram surpresos.

— Nos leve embora. — a pequena disse com autoridade. Olhei nos olhos do que liderava por aquela ilha. Ele não queria que Daisy fosse.

— Não. — a voz de Peter era baixa.

— Nos leve embora! — ela soltou minha mão, e foi tão rápida que sequer pude a impedir de correr até ele. A pequena tocou suas pernas o olhando. Lágrimas que doeram em meu coração escorreram pelo rosto fino.

Ele negava lentamente com a cabeça, e Daisy continuou ali, pedindo. Até que ele me olhou, e vi algo em seus olhos. Dor, frio. Minha filha reviveu o Peter antes morto. Eu estava o matando. Mas seria suicídio permanecer aqui.

— Se despeça dos meninos. Charlotte, eu quero que venha comigo. — se virou, indo à floresta. Daisy se virou, com ar de dúvida, e apenas assenti.

Passei por ela, e segui Peter.


— Só há uma Daisy. E só há uma mãe para ela. — quando estávamos longe o suficiente da praia, falei.

— E só ela trouxe à tona o Peter que eu já desconhecia. — ele parou, cinco passos à minha frente. Eu também parei. — John me contou o suficiente para saber que aquela cidade é um inferno. Por que vai voltar? O que vai fazer?

— Consertar erros do passado. Reatar laços. — abracei a mim mesma, pensando no quão estranho seria ouvir a madeira antiquada ranger da mansão em que cresci, novamente. — Devia fazer isso com Wendy. Pode te fazer bem.

— Já o fiz. Nós transamos umas duas vezes enquanto você flertava com Gancho. — ao olhar por cima do ombro, sequer disfarçou o sorriso perverso em seus lábios. — Só pressionei um pouco, e Tinker confirmou minhas suspeitas.

— Eu fiz com ele o que Daisy fez com você. Mas eu fui mais fundo no poço. — se virou novamente, e vi algum tipo de chama se acendendo nos olhos semicerrados.

— Eu não sou o vilão da história dele. — ergueu o queixo franzindo o cenho, e eu levei meus olhos até um ponto aleatório atrás dele.

James chorava intensamente, e as lágrimas molhando meu pescoço e ombros me fizeram tocar a região seca. Saudade me inundou.

— Terra do Nunca é sinônimo de nunca ser feliz. — olhei Peter, que recebeu aquilo como um baque, mas não se permitiu exibir isso fisicamente. Ele se virou, e notei seus ombros erguidos punhos cerrados. O quanto essa frase deve ter o feito refletir.

— Talvez teria sido melhor se esse lugar permanecesse no desconhecido. — foi um comando indiscreto para que o assunto fosse encerrado. Apenas concordei silenciosamente.

Lost Boys [PETER PAN]Onde histórias criam vida. Descubra agora