Dois lados de uma moeda pentagonal

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  O vento que batia fortemente em seu rosto não lhe incomodava muito, pois as bochechas estavam quentes demais.

Quem ele pensa que é? Por que sempre me trata assim?

  Ela poderia chamar um táxi, entretanto preferia correr. Não aguentava mais. Podia correr um dia inteiro, destruir-se mais do que vinha fazendo nos últimos anos. Poderia gritar para o mundo seus pensamentos, deixar tudo de lado e ir embora novamente, entretanto o que realmente lhe faria feliz se fugisse? Ela não tinha nada. Nada que fosse realmente seu.

  O dinheiro de seu pai, era apenas dele. Sua mãe não tinha direito e sequer tentava ter, afinal perderia qualquer guerra travada com o marido, portanto se a genitora morresse, Hitch ainda não teria nada vindo dela. Seu pai não a queria, sempre desejou um filho homem e por isso ela se tornara uma criança indesejada ainda na barriga da mãe.

  O ódio por ela se tornou ainda maior quando o pai descobriu que a esposa ficara estéril após o parto, devido a algumas complicações.

  Hitch recebera apenas o sobrenome, pois o pai jamais aceitaria ser visto na mídia como alguém que cria uma filha fruto de uma traição, visto que era isso que ele queria alegar. Diria qualquer coisa para poder se separar da mulher sem dar-lhe nada e se casar com outra que lhe desse um filho homem que pudesse herdar seu “reinado” e propagar seu nome. Ele mudou de ideia pelo simples fato de que era uma pessoa saudável, ainda que estivesse quase nos quarenta anos, poderia lidar com sua fortuna por mais alguns anos. Assim poderia ver Hitch casar-se e ter filhos, levando assim o sangue e o nome da família adiante.

  Dessa forma, o Dreyse criou a filha coberta de luxos e mimos, fazendo de tudo para que ela fosse vaidosa e ficou satisfeito ao vê-la crescendo bonita e saudável, pois seria um chamariz para homens importantes que iriam querer desposá-la.  O homem jamais se importou em dar carinho ou esconder seus objetivos com relação à menina. Ela fora sempre como uma boneca que ele enfeitava e fazia as vontades apenas para que não o incomodasse e se mantivesse impecável.

  Como não tinha contato com pessoas que não fossem da alta sociedade ou os empregados de sua casa; no auge de sua rebeldia de jovem, Hitch decidiu sair em busca de distrações das quais os pais não teriam conhecimento, por isso deixou seu carro em casa e rumou dentro de um táxi para um bairro distante de onde residia. Ela passou a fazer isso algumas vezes e em um de seus passeios fez o taxista parar numa praça, onde um grupo de ballet itinerante se apresentava.

  Se tratava de ballet contemporâneo. As pessoas pareciam tão felizes, leves e sorridentes que Hitch considerou a dança a responsável por isso. Ela se encantou com os rodopios e movimentos longos. Seu interesse só aumentou quando ao fim das apresentações, o grupo se abraçava e gargalhava em polvorosa. Era quase palpável aquela felicidade.

  Ela nunca recebera esses carinhos de ninguém. Estava cercada de pessoas submissas ao seu pai, inclusive a própria mãe, enquanto ele era um mostro que se limitava a mandar nela e fazê-la frequentar salões, shoppings e clinicas estéticas, uma após a outra. Ela deveria ser a boneca perfeita. Não importava quantas cirurgias faria, as dietas, as roupas desconfortáveis e o dinheiro gasto; apenas sua aparência era importante.

  Hitch se apaixonou. Não exatamente pela dança, mas pelo estilo alegre e despojado das pessoas e passou a visitá-las. Dia após dia ela saía de casa com o destino em mente, ainda que não tivesse coragem de se aproximar. Era como uma droga que a jovem precisava injetar em suas veias todos os dias. Se sentia como um inseto voando sobre o fogo, sabia que poderia se queimar, mas não teve medo. A magia que emanava de todos aqueles movimentos e a euforia dos abraços e carinhos não sumiam quando ela ia embora, pois levava cada segundo em sua mente até o dia seguinte, quando finalmente podia retornar.

Nos passos do destino • EreriOnde histórias criam vida. Descubra agora