Benefício da Dúvida

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Fiona. O nome da figura esguia, vestida com a mesma tonalidade de trevas que existia em seus olhos sombrios, não era estranho aos meus ouvidos. A junção incomum de letras pela qual era chamada causava um misto de emoções sob minha pele. Um arrepio vindo de um tremor interno avisava-me de que algo estava errado, no presente ou no futuro, como um pressagio anunciado pela mera presença da pessoa à minha frente, e, somado a ele, ainda havia a inquietação de não saber em qual ocasião o nome em questão havia sido mencionado anteriormente.

Percorri a mente em busca de conversas ou apresentações – tanto dos primeiros encontros com Daniel em Nova Iorque, nossos meses de namoro e então noivado, até, quanto dos dias passados com Robin nessa pequena cidade no meio do Maine – que pudessem justificar a presença daquela mulher ali, tão intimamente próxima à cama, onde o homem que um dia amei vegetava, porém, não encontrei nada. Nenhuma lembrança sequer. Meus pensamentos haviam sido varridos por aqueles imensos olhos escuros, que não deixavam de me encarar.

― Então, você conhece Daniel? ― questionei pigarreando, desviando da mirada enigmática dela e movendo-me para dentro do quarto.

Caminhei até a maca, onde meu noivo continuava prostrado. Os olhos abertos sem foco e as piscadas lentas, salientavam uma automaticidade do corpo em contraste com o vazio que existia na razão, Daniel estava exatamente da mesma forma que o encontrei nas outras visitas. Em um torpor que não o permitia cair em um estado mais crítico, mas que também não o guiava para a melhora.

― Oi ― disse baixinho, quando cheguei ao lado dele. A esperança de uma resposta sempre existia, mas morria um pouquinho mais ao passo que nada acontecia. Daniel sequer deixava de olhar o branco da parede para encontrar meus olhos frustrados. Sorri resignada e beijei suavemente sua testa, passando, depois, os dedos nos fios castanhos claro do cabelo para arruma-los e deixar um carinho simbólico, que nem sei se ele poderia sentir.

O silêncio, quebrado unicamente pelas máquinas hospitalares ligadas à ele e o som do aparelho de ar-condicionado, fez-me virar para a mulher prostrada à poucos metros de distância nos encarando.

― Você o conhece? ― inquiri novamente, com o semblante sério e a sobrancelha erguida. A pergunta, obviamente, estava clara e não precisava de respostas, todavia, tanto eu quanto ela sabíamos que o que realmente estava implícito ali eram duas outras questões: Como? Quando?

As linhas da boca de Fiona curvaram-se em um sorriso cínico e falso. Suas mãos moveram-se em gestos leves no ar enquanto ela dava um passo em frente e articulava a minha resposta.

― O conheço de toda a vida ― usando um tom atrevido, ela me desafiava a entrar em um jogo de provocações, que tinha a certeza de ter a vantagem ―, assim como todos os seus irmãos. Na verdade, os Locksley e eu crescemos juntos. Sou uma grande amiga de infância.

O sorriso dissimulado que encurvava sua boca, despontou na minha. Se ela pensava que era a única que sabia dar as cartas, estava enganada.

― Entendo ― pontuei, suavizando minhas expressões ―, sinto muito não ter lhe reconhecido logo, é que durante todos esses dias que passei com eles na mansão Locksley, ninguém me falou da Fiona, a grande amiga de infância ― a curva em seus lábios caiu um pouco, mas ela continuou mantendo o sorriso falso no rosto. ― Puff, adultos e seus problemas de memória.

Fiona encarou meus olhos como se pudesse entrar neles e desvendar todos os meus segredos, temores e cada um dos detalhes da minha vida. E pela forma como sorriu em seguida, sua busca parece ter alcançado algum tipo de resultado.

― Oh! Não se preocupe, Regina ― deu três passos em minha direção e olhou rumo à cama hospitalar. ― Não precisa ficar com ciúme, querida. Daniel e eu somos apenas amigos de longa data.

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