A Cabana

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De nada me importou a escuridão da noite que me rodeava ou o vento frio, que volta e meia soprava contra a pele, sem a devida proteção, arrepiando-a com o choque de temperatura. O inverno já havia dado seu adeus há certo tempo, mas, de alguma forma, aquela madrugada de primavera estava tão fria quanto qualquer uma estaria antes que uma tempestade de neve se apresentasse no dia seguinte.

Porém, não haveriam flocos gelados pairando pelo ar e pousando pelo chão de Storybrooke, assim que a cidade acordasse. Não. Ao contrário, o cheiro e o colorido das flores, como também a brisa amena da manhã, recepcionariam os que levantariam para encarar mais um dia qualquer. Sem terem a mínima noção de que aquele, não era um dia como os outros.

Assim como naquela noite, meus pés seguiram um caminho que eu conhecia como cada um dos meus sonhos e certezas da época. Envolto por orvalho, dispensei a razão e me deixei guiar pelos pensamentos conturbados que ecoavam pela mente, como uma trombeta em um vale rochoso vazio e deserto, e desapareci por entre as árvores daquela floresta, longe de casa e, principalmente, longe de Regina.

Meu coração gritava pelo contrário. Cada batimento clamava para que as pernas dessem meia volta e retornassem pelo chão de terra rumo aos braços do meu amor, mas, infelizmente, havia uma guerra de opostos em mim: uma luta, na qual a consciência pesada conduzia meus passos, parecendo ter seus próprios planos, que, consolidavam-se a cada vez que a fala de Belle era lembrada.

O que acontecia sempre. Em um loop constante, ininterrupto e cruel.

"Eu sinto nojo de você, Robin"

Palavras têm o poder de ferir mais que o metal de uma lâmina empunhada no peito, cravada na altura do coração, desejando alcança-lo a todo custo. Palavras causam dor, evocam memórias dolorosas e, ao contrário de um machucado físico, dificilmente seus efeitos são esquecidos ou apagados.

"Hipócrita"

Palavras queimam.

"Trair, mentir. Você é igualzinho a ele! Ou até pior, porque você foi além."

Palavras matam.

E Belle usou as palavras certas para atingir os lugares certos.

As mentiras de George, o infeliz que eu tenho o desprazer de chamar de pai, acobertavam uma vida de traições e transgressões que ele mantinha. Eram tantas e tão constantes que se tornaram naturais, meras banalidades. Sou prova viva disso, sou fruto de seu engano. Gerado como um erro e ignorado tais como os outros descuidos seus que, por infelicidade, acabaram vindo à tona. "O bastardo descoberto graças a morte da mulher que o deu à luz", eram esses os termos que saiam de sua boca bêbada e imunda ao se referir a mim. Sem compaixão, sem amor.

A única coisa boa que o homem fez por mim foi me levar para os braços de Ava. Ela, minha mãe, mesmo sabendo dos meios pelos quais nasci, do pecado que me concebeu, não me discriminou ou olhou torno, ao contrário, sempre me acolheu, protegeu e amou tanto como Daniel, Emma e Belle. Sua grandeza, bondade e luz não combinavam com a natureza suja de George, mas, mesmo assim, ele foi cínico o bastante para humilha-la e deixa-la chorando, sozinha, com quatro crianças para criar.

Era apenas um menino quando jurei nunca ser como ele.

Mas, a vida dá curvas e Isabelle tem razão, tornei-me alguém pior.

A culpa me anestesiou. O frio, cansaço ou a fisgada no recente machucado na barriga, eram indiferentes. Meus pés descalços que, volta e meia, pisavam em um galho seco ou folha morta, farfalhando pelo ar os indícios da minha presença na floresta, sentiam também a dor e desconforto que aquela caminhada desprotegida causava. Porém, não era algo que eu me importasse no momento.

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