Ferida Aberta

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Não podia mais ficar ali.

As paredes gastas de madeira empoeirada pareciam se aproximar, fechando-me em uma emboscada sem ar e vazia. As recordações eram tão vivas que sentia, com a maior certeza do mundo, que podiam me tocar e eu jamais poderia deixar que me tocassem. Não, novamente.

Reviver aquele dia foi um erro. Mais de dez anos não foram capazes de curar a ferida aberta em meu peito, que, talvez, nunca pudesse ser cicatrizada.

Percorri os poucos metros da cabana com a maior rapidez que pude. Afobado, aflito e sem ar, corri para longe como se a construção que deixava para trás fosse o monstro que assolava meus pesadelos infantis. Mas, não chegava nem perto, porque era muito pior.

Entrar naquela cabana era mergulhar em recordações que doíam. Lembranças de um momento que mudou para sempre a forma como eu via o mundo e como o encarava. Em segundos, enterrei o Robin sonhador e apaixonado para receber uma versão amarga e triste. Alguém que viveu os anos seguintes em um limbo cinza, sem cor, frio e desacreditado em tudo que era bonito.

Regina me devolveu o arco-íris.

Seu amor encheu meu peito de calor, ternura e com ela, percebi que sorrir não era mais um ato forçado. Regina me devolveu a vida.

Porém, qual era o preço?

Eu poderia fechar os olhos e ser guiado unicamente pelo nosso amor, sem sentir culpa por tudo? Poderia encarar sua mirada cor de mel e lhe entregar tudo o que ela merecia, mesmo me sentindo o pior dos homens? Poderia beijar seus lábios e proferir todas as declarações de amor que meu coração dizia, sem ver os fantasmas de Daniel e George rindo de mim por ter me transformado em uma versão pior que eles?

Não. Não poderia.

Regina não merece.

Regina não me merece.

Correr para longe da cabana não impedia que os piores pensamentos me seguissem, como sombras presas ao corpo. Eles estavam ali. Entranhados na pele, gritando na mente. Desesperados para falar, inquietos depois de dias adormecidos. Ecoando e ecoando em uma constante tortura.

Só percebi o que se passava ao meu redor, quando diminuí o passo. Estava longe da construção amaldiçoada, perdido em algum lugar intocado daquela floresta. Envolto apenas por árvores, mato e orvalho.

Meus pulmões queimavam, lutando para conseguir um pouco de oxigênio depois do esforço físico repentino. O ferimento na barriga começou a latejar, arder. O que eu sabia que não era um bom sinal. As recomendações médicas foram claras: eu poderia andar, mas nunca correr durante o tempo de recuperação.

Ofegante e suando, mesmo sentindo muito frio, levei a mão até a altura do ferimento. O contato entre as peles me fez estremecer, tanto pela dor fina que se alastrou, tanto por sentir algo molhado entre os dedos. Não precisava olhar para saber do que se tratava.

Olhei ao meu redor, procurando algum ponto de referência, mas tudo o que achei foi o céu. Mais precisamente, sua coloração. O que para mim havia se tratado de meros instantes, para o mundo foram longos minutos em que o tempo seguiu seu curso normal. Empurrando a escuridão da noite para longe e dando boas-vindas aos primeiros raios de sol daquela manhã nublada.

Naquele momento, o nascer do sol era meu guia. Minha bussola para fora da floresta.

Caminhei por um bom tempo entre os galhos secos, folhas mortas e troncos cheios de musgos verdes, até, por fim, achar o primeiro pedaço de asfalto: a rodovia principal. A única rota de entrada e saída de Storybrooke, e a mesma que já testemunhou muitas das tragédias sobre minha família.

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