Karol

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Desço do ônibus sentindo minhas pernas pesadas e doloridas da viagem.
A viagem tinha durado quase dois dias e parecia que meu corpo estava todo moído de vir sentada na mesma posição.
Assim que pego minha mala com um senhor barbudo, vou até um canto e me espreguiço completamente para tentar amenizar as dores chatas que despontam nas juntas dos meus braços e dos meus joelhos.

Vir de Santa Fé, lá no interior, até a capital não era moleza. Meus pais bem que disseram.

Ainda está tão cedinho, mas o frio parece ainda mais forte e avassalador, tanto que praticamente me escondo dentro do casaco que minha mãe havia conseguido comprar de uma vizinha. Um ótimo casaco, aliás.

− Karol! Karol!

Graças a Deus!

Pego minha mala e vou abrindo caminho pelas dezenas de pessoas que parecem tão cansadas quanto eu e vou seguindo a voz da minha madrinha que chama por mim e acena logo do outro lado da rodoviária.
Eu nem poderia agradecer a ela tudo que estava fazendo por mim. Principalmente pelo emprego que havia conseguido arrumar.

Consigo passar por um grupo de senhores que fala sobre algo relacionado a jogos e dou uma leve escorregada, pois o piso está molhado, mas consigo me equilibrar e continuo correndo enquanto seguro a alça da minha mochila que teima em escorregar no tecido liso do casaco.

Alcanço minha madrinha e ela, como um doce que é e sempre foi, me recebe de braços abertos e me puxa para um abraço quentinho de quem parece que nunca sentiu frio.
Minha madrinha era um anjo.

− Madrinha Margô, você não sabe como é bom te ver! – Digo beijando-a na bochecha corada.

Ela ajeita o lenço da cabeça e passa a mão pelo meu rosto.

− Minha querida, eu fico muito feliz por poder ajudá-la. Á você e a sua família.

Deixo minha mala no chão perto de nós duas e tento controlar as batidas do meu coração que estão bem descompassadas pela correria e a quase queda.
Mas, cair no meio desse monte de gente é algo que eu faria sem pensar duas vezes, pois não sei qual foi o momento da minha vida que não passei uma leve vergonha.

− Aqui na capital faz mais frio que lá no interior e... Bom, as pessoas são tão apressadas, ?

Ela sorri.

− É que aqui a vida acontece mais depressa; aqui as pessoas estão sempre indo atrás de mais e mais... Às vezes eu queria que elas parassem e reparassem mais umas nas outras. – Reflete e eu concordo plenamente com ela. – Mas, minha querida, vamos indo.

Assinto depressa e pego minha mala para ir acompanhado-a pelo saguão abarrotado de gente que passa por nós com suas malas, seus celulares e suas pressas.
Eu não entendo como podem ser assim, eles quase se esbarram, mas não trocam nem um olhar.
Que frieza, e nem estou falando do clima.

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Madrinha Margô me deixa dentro de um táxi e passa o endereço para o motorista.
Ela havia sugerido que eu fosse até sua loja para tomar um banho e comer algo antes de ir até a casa do tal viúvo para o qual eu iria trabalhar, mas eu achei melhor não.
Não quero me atrasar justo no primeiro dia.
De jeito nenhum.

Minha madrinha me abençoa pela janela do táxi e diz que eu aproveite essa nova fase da minha vida, pois provavelmente muita coisa boa está por vir e eu a agradeço, mesmo sem entender muito bem.

Fecho a janela e fico observando a cidade passar por nós como um borrão de tinta.
Aqui todo mundo vive fechado em gaiolas que eles mesmos construíram e se orgulham disso, mas me parece tão sufocante.
Lá na fazenda onde eu morava era tão aberto, puro e cheio de natureza, sem contar que eu andava a cavalo todos os dias e ainda podia colher frutas, mas aqui eu nem tinha visto árvores direito.

Nos Seus Olhos (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora