Ruggero

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Minha mão, que está embaixo da minha cabeça, está dormente e enquanto abro os olhos penso em como preciso sacodi-la para, enfim, voltar ao normal. Mas, quando meu corpo começa a tomar ciência de seus movimentos, me deparo com um peso leve e aceitável logo em cima da minha barriga e me detenho.
Uma cachoeira de cabelos castanhos está espalhada em cima do meu abdômen nu.

O cabelo dela. A cabeça dela. O cheiro dela.

Com o quê ela está sonhando?

Não me movo – não seria capaz de perturbar seu sono – e me contento em encarar o teto. Não importa se minha mão está dormente e que estamos no chão frio que cheira a bebida. Bem, quem está cheirando a destilaria sou eu, mas ela não parece se importar.

Eu pouco me lembro da noite passada, mas a dor de cabeça sugere que bebi mais que o normal e, logo em seguida, como uma paulada no cérebro, me surge as memórias das fotos que vi no meu antigo email. Sem contar nos emails que li e que foram jogados na lixeira da conta pessoal de gmail da Cristina.
Eu havia visto tudo.

Deitado aqui, encarando o teto branco e inalando o cheiro adocicado do xampu de Karol, me vejo completamente desorientado, porém menos abalado.
Pensei que iria sofrer mais. Muito mais.

Mas há apenas um buraco enorme dentro do meu peito que suga para si a sombra dos sorrisos que já dei, as palavras bonitas que já pronunciei e todos os dias alegres que vivi ao lado da minha ex-mulher.
Estou sendo sugado para dentro de mim por uma versão mais amargurada.

A versão que sobrou depois que Cristina se foi.

No fim das contas, eu morri um pouco naquele dia do acidente e desde então venho morrendo um pouco mais.

Suspiro profundamente e nesse momento Karol escorrega o braço sobre minha pele e abraça meu corpo como se eu fosse um urso de pelúcia, o qual ela faz questão de dormir abraçada.
Não queria ter que respirar e atrapalhar seu sono que parece tão profundo e merecido.
Ela dorme tão... Calma.
Fico imaginando como é dormir assim.

− Não! – Karol diz e eu me assusto. – Ruggero é inocente! Eu sei que é! – Ela ofega e eu paro de respirar. – Ele não é um assassino.

Depois disso ela se cala e então eu me dou conta que ela está sonhando.
Sonhando comigo.
Mordo o canto do lábio para prender qualquer palavra que queira sair, mas por dentro estou dividido entre alegria – por estar em seus sonhos – e tristeza por estar arrastando-a para minha amargura sem fim.

Karol é boa, eu finalmente consigo ver, e não merece estar na vida de um homem que só irá fazê-la mal.
Quanto tempo irá demorar até que ela seja apontada na rua e chamada de cúmplice do assassino?
Já basta que Tomás nem possa estudar em um colégio comum.
Meu filho tem aulas particulares desde o acidente, pois vinha sofrendo perseguições e bullyng.

Karol não merece passar pelo mesmo.

− Eu o amo.

Fico estático.

− O quê? – Murmuro, mas quase não me escuto.

− Eu estou amando Ruggero. – Ela repete e depois suspira. – Ruggero.

Engulo em seco uma, duas, três, quatro vezes e ainda estou lutando contra uma parte do meu cérebro que diz que foi um delírio meu.
Apenas um delírio fruto de uma mente com ressaca.

Ela não disse que me amava.
Disse?

Não. Não disse.
Claro que não disse.

Mas...

− Eles estão no chão, Marg! – A voz de Tomás preenche o quarto e reverbera por todos os lados fazendo com quê Karol se sobressalte e se afaste de mim. – Papai e Karol estavam dormindo no chão! – E então ouço-o sair correndo para fora do quarto.

Nos Seus Olhos (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora