Ruggero.

1.1K 99 53
                                    

As coisas estavam esquisitas, mas não era exatamente ruim; era um esquisito confortável, menos sufocante e até um pouco agradável.

Karol havia me abraçado e seu perfume ficara na minha camisa por horas a fio e isso deveria ter me incomodado, mas não incomodou; eu havia dito a ela que a partir de então seria melhor que ela ficasse apenas com o cargo de babá. Afinal Tomás a adorava e assim ela poderia fazer meu filho brincar e se divertir como uma criança comum.
Na medida do possível.

Ela não me contou o que havia acontecido e o motivo de suas lágrimas e soluços, ao invés disso ficamos abraçados no meio da biblioteca e eu me sentia profundamente útil e estranho. Era estranho abraçar outra mulher quando a única que abracei por anos estava morta.
Meu coração latejava no peito e meu sangue corria rápido demais por dentro das veias, mas meus braços não a soltavam e eu havia prometido que iria cuidar dela. E eu ia mesmo. Só não sabia como.

Já havia se passado dois dias desde o ocorrido e sempre que Karol passava por mim ela sorria um sorriso leve, tranquilo, quase como se dissesse 'guarde nosso segredo'. Eu também sorria de volta, um sorriso que dizia ' confie em mim '. E ela parecia confiar, pois não havia falado outra vez de ir embora para Santa Fé.

Sento-me na minha cadeira acolchoada e encaro a tela do meu celular que está tocando. Drica está ligando de novo.
Que diabo!

− Só mais um texto e eu prometo que não te ligo mais esse mês. - Ela vai dizendo assim que coloco o telefone no ouvido. - Aquele seu último texto nos rendeu várias ligações de mulheres apaixonadas. Elas amaram!

Drica havia publicado o texto na revista "Flor Latina" na qual ela trabalhava há anos, mesmo que fizesse 'bico' de editora. Mas eu não sei se gostava muito da ideia do meu nome circulando por ai numa revista tão popular; eu podia imaginar as pessoas torcendo o nariz e me associando a Cristina na mesma hora. Associando-me a morte de Cristina, no caso.

− Não consegui escrever mais nada, Drica.

E era verdade mesmo. Depois daquele dia nada mais aconteceu. Não conseguia. Simplesmente não conseguia escrever nem uma linha.

− Ruggero, qual é, eu sei que da mente que saiu um texto daquele há muito mais. Vamos lá, apenas sente sua bunda na cadeira e comece a digitar.

Reviro os olhos.

− Minha bunda está na cadeira agora e eu não vou digitar nada, porque simplesmente não há merda nenhuma para ser escrita. Não sou um robô.

Ouço-a estalar a língua.

− Manda a merda de um texto até amanhã e pronto. - Decreta em seu tom de mãe brava. - Não estou brincando, seja adulto.

Abro a boca para responder, porém ela desliga na minha cara e não me permite revidar suas palavras duras.
Encosto-me à cadeira enquanto tamborilo com os dedos na perna.
Ela tem razão.

----

Massageio as têmporas, mas a dor de cabeça continua a todo vapor.
Quanto mais encaro a tela do notebook mais sem idéias eu fico. Não consigo produzir nada, pois minha cabeça está vazia, oca e totalmente alheia.

Eu nunca andei tão distraído assim. Não sei o que está acontecendo.

Empurro a cadeira para trás e me levanto com muito custo. Estou com as costas doloridas e está fazendo muito calor hoje.
Vou até mesa das bebidas e encho um copo com um pouco de uísque, mas antes de entorná-lo ouço vozes alegres e isso chama minha atenção imediatamente.

Deixo o copo em cima da mesa e giro nos calcanhares para ir até janela que está com as cortinas fechadas, porém abro-as e afasto o vidro para o lado e ele escorrega silenciosamente pelo trilho. Uma brisa fresca e bem-vinda açoita meu rosto com certa gentileza e o perfume das rosas que podei ontem vem até mim como um sopro de vida.

Nos Seus Olhos (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora