Não quero que fique fora do meu caminho. Por favor.
Aquelas palavras iam e vinham na minha cabeça, como se quanto mais eu tentasse expulsá-las para longe, mais elas grudassem nas minhas memórias.
Rolo na cama para o lado e encaro o relógio no criado mudo que está marcando quatro e quinze da manhã.
Eu não dormi nada a noite inteira.O dia de ontem havia sido tumultuado e eu precisei acalmar Tomás quando voltei da rua, sem contar que o bolo queimou então acabamos nos escondendo no quarto dele e comendo o que deu para salvar daquele amontoado de cascões pretos que ficara grudado na forma.
Tudo tinha ido por água abaixo. Foi um péssimo dia.E quando finalmente consegui pôr Tomás para dormir, me esgueirei pela sala escura e tateei a mesinha de canto em busca do interruptor do abajur. Eu precisava ligar para Mike, só de ouvir a voz dele eu já sabia que o mundo voltaria ao normal e tudo ficaria bem, porém ele não atendeu. Nenhuma das minhas três ligações foi atendida.
Eu estava frustrada, esgotada e com muita raiva de Ruggero.
Aliás, tudo que eu mais sentia era raiva, mas era uma raiva que se alastrava pelo meu corpo só de pensar no quão estúpido aquele homem pode ser.
Ele era maldoso, mas não apenas maldoso, ele era também perigoso, sombrio e, acima de tudo, amargurado. E conseguia arrastar todos para sua amargura.Decidi então ligar para Valentina, a única amiga que eu tinha. Valu e eu nos conhecíamos da época da escola, porém ela havia conseguido acabar os estudos, já eu, não. Mas eu adorava ir até a fazenda dela e fofocar sobre as coisas que aconteciam na cidade, sem contar que ela dizia sempre que queria muito que eu fosse feliz.
A única coisa que não concordávamos era com meu relacionamento com Michael. Pois Valentina sempre achou que eu merecia mais. Ela dizia que amor não pode ser esse marasmo que era meu relacionamento com Mike – palavras dela, lógico – e que um verdadeiro amor nos tira dos eixos, faz nosso corpo arder e nosso coração vibrar – novamente, palavras dela –, portanto, meu namoro com Mike não passava de mero comodismo.
Sempre que ela falava assim eu me irritava.Mas eu precisava desabafar com alguém, por isso fico muito feliz quando ela atende no segundo toque.
− Valu? Sou eu, a Karol.
− Amiga é você? Meu Deus! Eu estou com tanta saudade de você! – Ela guincha do outro lado da linha. – Você me faz tanta falta.
Sento-me no chão e encosto as costas na mesa.
− Também sinto muito a sua falta. Sua e do Mike.
Ela parece murmurar algo, mas eu não ouço, logo depois escuto um barulho de porta batendo e por fim ela fala:
− Do Mike? Eu pensei que você tinha finalmente tomado juízo e dado um pé na bunda dele.
Sinto o casco da minha cabeça pinicar e estreito os olhos.
Não gosto do tom que ela fala. Parece que perdi algo.− Como assim? Do quê está falando?
− Karol, o Michael estava beijando a Giovanna na quermesse, na frente de todo mundo, não parecia nem um pouco comprometido, por isso pensei que você tivesse acabado tudo. Eu achei que meus conselhos tinham sido ouvidos.
Meus dedos afrouxam em torno do fone e ele cai em cima das minhas pernas cruzadas.
Minha visão fica embaçada com as lágrimas que brotam imediatamente e eu contorço a boca.Mike.
Meu Mike.
Não, o Mike não era meu.Nego com a cabeça como se Valentina pudesse me ver negando a traição, mas ela não pode ver e eu não consigo falar. Não consigo dizer nada. Nada.
Não sei se conseguirei falar um dia.
A decepção forma uma bola de neve dentro do meu estômago e vai subindo rápido o suficiente para eu ter a sensação que irei vomitar ali mesmo, por isso me levanto depressa e corro até o banheiro; me ajoelho em frente o vaso e vomito tudo que comi e espero que esteja vomitando meu coração também, pois ele está dilacerado. Podre.
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Nos Seus Olhos (Volume 1)
FanfictionAcusado da morte da esposa a quem tanto amava, recluso em sua mansão, dependente de álcool e remédios para dormir e um pai relapso, é isso que Ruggero Pasquarelli se tornou desde o falecimento da esposa; Desde que sua mulher desaparecera ao cair do...