Ruggero

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Abro os olhos lentamente e sinto minha cabeça latejar bem perto da nuca.
Mais uma noite péssima para a conta.
Me levanto devagar e empurro os lençóis para o lado. Ouço risadas. Risadas não. São gargalhadas eufóricas.

Há tanto tempo ninguém gargalhava aqui.

Jogo as pernas para fora da cama e franzo o cenho estranhando aquilo tudo. Hoje é domingo, a casa geralmente ficar em completo silêncio, afinal é a folga de Marg e até onde sei, Tomás passa o dia inteiro assistindo em sua televisão.

Não há motivos para tantos risos estrondosos.

Visto uma camisa qualquer que encontro no chão perto da cama e calço as sandálias.
Está fazendo muito calor então ligo o ar-condicionado antes de abrir a porta e sair para o corredor.
Ponho os pés fora do quarto e não vejo nada, porém continuo ouvindo as risadas. Duas pessoas gargalhando. Gargalhando muito, muito alto.

− Que diabo está acontecendo? – Me pergunto enquanto arrasto os pés até a saída do corredor que irá me levar até a cozinha que é de onde vem as vozes e os risos.

Passo pela sala e a TV está desligada. Estranho. Geralmente Tomás está assistindo algum desenho animado, a não ser que esteja fazendo isso no quarto.
Vou andando em silêncio e sinto minha cabeça latejar ainda mais a cada passo que dou e penso comigo mesmo que vou mandar quem quer que seja calar a maldita boca.

É cedo demais para esse escarcéu todo.
Que inferno!

Porém, ao chegar à soleira da porta da cozinha, observo Karol correndo atrás de Tomás como duas crianças. Eles escorregam vez ou outra e isso os fazem rir ainda mais e, de certa forma, acabo sorrindo junto.
Ela consegue, por fim, encurralá-lo e o enche de cócegas fazendo com que ele caia em cima dela e ambos vão rolando pelo chão que está cheio de massa.

Ergo os olhos até tigela que está em cima da ilha e posso deduzir que estão fazendo bolo; depois volto a olhá-los, porém, de onde estou eles não podem me ver.
Encosto a cabeça na parede e fico olhando como eles dois se divertem juntos. Nunca vi meu filho rindo e se divertindo tanto.
Ele está com tanta vida...

Eu sou um péssimo pai.

Tem um nó do tamanho de uma laranja na minha garganta e eu tento engoli-lo, mas está envolto em muita auto-decepção.
Me curvo um pouco para frente e ouço quando meu filho diz que Karol foi a única que se lembrou de seu aniversário.
Mas não é verdade, eu jamais esqueci o dia do seu nascimento. Jamais.

Hoje ele estava completando sete anos e era o menino mais bonito e inteligente e... Paro no meio do pensamento ao ouvi-lo dizer que ama Karol.
Ele disse que a ama.
Tomás nunca disse que me ama.
Ela diz que ama ele também.
Eles se declaram.

Abaixo o olhar e enxugo uma maldita lágrima que cai.
Balanço a cabeça e giro nos calcanhares para sair dali, mas sou pego no flagra pelo meu filho e ele chama meu nome, eufórico.

− Garoto, eu... – Pigarreio. – Vocês estão fazendo muito barulho.

Karol abaixo a cabeça e limpa a blusa que está imunda de tanta massa e algo que deve ser gema de ovo.

− Perdão, eu só queria fazer um bolo, mas eu juro que já vou limpar tudo. Vai ficar tudo brilhando. – Ela diz.

Nego com a cabeça e olho para meu filho que está com um olhar apreensivo no rosto.

− Não tem problema. Faça o bolo. – Falo. – Parece que vai ficar muito gostoso.

Os dois me encaram totalmente pasmos e até eu me surpreendo com meu tom ameno. Mas... Eu não quero que eles parem de gargalhar. Era algo tão novo e bem-vindo.
Era bom ver meu filho sorrindo, mesmo que eu não conseguisse falar.
Falar era difícil para mim.

Nos Seus Olhos (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora