Karol

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Faz cinco dias que comecei a trabalhar na mansão Pasquarelli, mas ainda me sinto um corpo estranho que foi jogado aqui dentro para viver numa prisão. A casa é enorme, elegante, cheira bem e está repleta de quadros bonitos, mas... Está faltando algo, algo que dê vida e luz.
Sinto-me sufocada por essas paredes de cores tão neutras e mórbidas.

Sinto também saudade de Mike e de seu sorriso gostoso que eu via toda manhã. Queria que ele estivesse aqui, do meu lado, segurando minha mão e falando sobre nossos planos; ele adorava fazer planos.
Talvez eu até consiga entender um pouco o meu patrão, afinal também tenho um amor distante.

Hoje, pelo que Margarida me falou, é aniversário do Tomás. Sete anos. Meu pequenino sorridente está completando mais um ciclo e nem sabe. Parece que ninguém comemora o aniversário dele desde que sua mãe morrera, mas esse ano eu quero surpreender ele.
Decidi fazer um bolo. Um bolo bem gostoso de chocolate com baunilha que eu sei que ele ama.

Só preciso fazer isso em silêncio, sem alardes, se não é bem capaz de Ruggero me varrer da casa com bolo e tudo.
Mas, mesmo que ele tire meu coro com reclamações, eu vou fazer. Toda criança merece um bolo de comemoração.

Hoje também é a folga de Marg e até onde sei, ela vai para a casa de uma sobrinha que mora aqui perto, então Tomás e eu teremos boa parte da casa para brincar e se empanturrar de bolo. Pelo menos essa era a parte boa do patrão viver dentro da biblioteca o dia inteiro.
Eu não o via fazia dias, desde aquela noite que nos encontramos no corredor e ele me fez prender o ar.
Não dava para negar, ele tinha um corpo muito atraente que não consegui desviar os olhos. Quase bati na minha própria testa por ser tão óbvia. Tenho um noivo.
Só tenho que me lembrar disso.

− Querida, já estou indo, tá? Já falei com o menino Tomás e ele ficou tomando banho, então, se quiser, pode descansar também, dia de domingo é sempre mais tranquilo. – Marg diz entrando na cozinha com uma sacola na mão. – Eu volto lá pelas seis da tarde, certo?

Assinto enquanto enxugo as mãos molhadas com um pano de prato.

− Vai com Deus, até mais tarde, Marg! – Vou até ela com os braços abertos e beijo-a na bochecha.

Ela me aperta forte contra seu corpo e quase me deixa sem ar, depois dá um beijo estalado na minha testa.

− Adoro quando me chamam de Marg! Até mais, querida!

Lhe dou tchau e observo-a sair pela porta da cozinha em direção a saída da casa; enfim, posso começar a fazer o bolo!

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A dispensa é enorme e há uma infinidade de ingredientes que eu poderia colocar na cobertura do bolo e deixá-lo ainda mais saboroso. Talvez eu colocasse morangos, mas não sabia se Tomás gostava de morangos...
Decido então ir buscá-lo no quarto e explico que farei um bolo delicioso, porém não menciono que é aniversário dele, vai que ele fica triste por causa de um pai que não comemora.

− Bolo?! A gente nunca come bolo. – Ele diz todo animado enfiando a cabeça pela gola da camisa, todo atabalhoado. – Bolo de quê, Karol? Eu gosto de chocolate!

Ajoelho-me no chão e fecho os três botões de sua camisa pólo, depois ajeito sua bermuda enquanto ele enxuga o pescoço que está todo molhado por causa do cabelo que está escorrendo.

− Chocolate com morango, o que acha?

Esfrego a toalha em seu rosto úmido e ele ri, porque os fiozinhos da toalha fazem cócegas em seu nariz. Depois estende os braços para que eu o coloque no meu colo, e eu o faço.

− Papai ama morango, sabia? Acho que a gente devia dar um pedaço de bolo para ele, Karol.

Balanço a cabeça, pensativa.
Não tenho nenhuma boa sensação em relação a isso. Da última vez que levei algo para ele, quase fui demitida.

− Não sei se é uma boa idéia, Tomás. – Passo pela porta com ele no colo e a fecho. – Você quer me ajudar fazer o bolo?

Ele bate palmas todo feliz.

− Eu quero quebrar os ovos e colocar a farinha, posso?

− Tudo bem, mas não deixa a casca do ovo cair dentro da massa, certo?

Ele assente.

− Oba! Karol, eu te amo! – E então envolve seus bracinhos ao redor do meu pescoço e me abraça muito forte. – Te amo muitoooo! Daqui até as estrelas.

Um nó se forma na minha garganta e eu não quero chorar, mas acabo chorando.
Eu também amo esse menininho lindo e só dele dizer isso meu amor só cresce. Lhe abraço de volta com ainda mais força e beijo seu pescoçinho cheiroso.

− Eu também te amo. Te amo muito, meu pequenino. – Murmuro entre um cheiro e outro. – Meu menino cheiroso!

Ele ri muito sentindo cócegas e se contorce nos meus braços tentando evitar os beijos, mas ao mesmo tempo adorando e eu começo a rir mais ainda. Estamos rindo alto, gargalhando na verdade, e eu o coloco no chão para que tentemos ser menos escandalosos, mas mesmo assim continuamos rindo enquanto caminhamos lado a lado até a cozinha.

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Eu já havia esvaziado toda a ilha e deixado bastante espaço para colocar todos os ingredientes e tudo que podíamos usar como cobertura.
Tinha balas, bolachas, M&Ms, barra de chocolate... Enfim, tudo de doce que eu encontrei. Seria um bolo bem peculiar, mas isso parecia divertir Tomás, já que ele insinuou que queria colocar tudo aquilo em cima do bolo.

Coloco uma tigela grande em cima da ilha e peço para que Tomás despeje as duas xícaras de farinha de trigo dentro da tigela e em seguida peço os ovos, o leite e manteiga. Como bom ajudante que é, Tomás me lembra que eu havia prometido deixá-lo quebrar os ovos, e eu logo me arrependo ao ver que ele não tem a menor noção de como se faz.

Ele bate o ovo na borda da tigela, porém é com tanta força que o dito cujo se quebra dentro de sua mãozinha e as cascas caem dentro da massa.

Droga!

− Ops! – Ele diz, sorrindo muito, achando graça da minha expressão de total desespero. – Foi sem querer.

Estreito os olhos para ele fingindo estar irritada, mas por dentro morrendo de vontade de rir.
Ele está todo sujo de ovo, massa e tem chocolate em sua bochecha, pois ele estava beliscando os M&Ms.

− Mocinho, agora vai ter vingança! – Finjo um tom ameaçador e vou na direção dele com a mão toda suja de farinha. – Eu vou ter que me vingar de você!

− Não! – Ele grita sorrindo e sai correndo pelo outro lado da ilha e eu vou atrás; nós escorregamos, pois o chão está cheio de massa e quase caímos, mas ele não desiste, continua correndo e dizendo que eu não vou conseguir pegar ele.

Que espertinho!

Por fim, consigo encurralá-lo entre a porta da cozinha e parede e me agacho para fazer muita cócega nele e lambuzo seu rosto com massa de bolo e ele cai por cima de mim; ambos saímos rolando no chão distribuindo cócegas e gargalhadas.

− Você mexeu com o bolo da pessoa errada, mocinho! – Digo ficando de joelhos e fazendo mais e mais cócegas nele que está deitado no chão espalhando massa para todo lado. – Você vai ver só como eu sou vingativa... Seu...Menino...Fofo!

− Karol.... – Gargalhadas. – .... Eu vou enfiar as mãos na massa... – Mais gargalhadas. – E vou quebrar os outros ovos... e comer...os M&Ms... Karol... – E continua rindo mais e mais até que ficamos ambos sem forças e eu acabo caindo do lado dele. – Obrigado. – Ele diz.

Viro o rosto para o lado e o encaro.

− Obrigado? – Repito, ofegante.

Ele segura minha mão que está sobre a barriga.

− Você foi a única que lembrou do meu aniversário.

Na mesma hora o sorriso se desfaz no meu rosto.
Ele se lembrava... Ele sabia que era o aniversário dele.
Será que todos esses anos ele aguentou tudo calado? Fingindo que não sabia de nada? O quanto essa criança já sofreu? Eu não poderia nem dimensionar.

Puxo-o para cima de mim e lhe dou vários beijinhos.

− Eu te amo, ?

Ele beija minha bochecha suja.

− Eu também amo você.

Nos Seus Olhos (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora