Ruggero

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Eu preciso falar com Margarida, primeiro para mandá-la remendar a língua e depois para que ela me avise quando for contratar faxineiras destrambelhadas que correm o risco de quebrar meus objetos.
Era só o que me faltava agora.

A menina era bonita, isso era um fato, mas tinha olhos assustados e selvagens, como se fosse uma fera pronta para atacar se alguém sequer lhe tocasse. De onde ela tinha vindo?
Eu preciso mesmo ter uma conversa com a Marg.

Tiro o celular do bolso da calça e vejo o nome de Drica piscando na tela com mais uma de suas ligações matinais para saber dos contos que fiquei de mandar hoje cedo.
Eu não tenho conto nenhum, nem muito menos pretendo escrever.
Não consigo.

Aperto no botão verde e coloco o aparelho no ouvido.

− O que você quer? – Indago.

Ouço-a bufar do outro lado.

− Bom dia para você também, Ruggero. – Graceja, mas não vejo graça alguma. – Então, eu abri meu email e não vi os seus contos. Onde estão?

Olho para as rosas que eu havia podado na noite anterior que não consegui dormir e observo que elas precisam de água.
Volto a me concentrar na voz de Drica e tento pensar em uma boa resposta, porém não há.

− Não escrevi nada, não consegui. – Respondo.

Um pássaro passa voando por mim e uma brisa leve sopra meu rosto. Está frio demais.

− Ruggero, eu estou tentando manter seu contrato com a editora, mas não vou puder fazer isso por muito tempo, você precisa me mandar algo, qualquer coisa, pelo menos para acalmar o editor-chefe que não para de perguntar pelos manuscritos.

Olho para o céu acinzentado e pisco os olhos varias vezes.
Eu sabia que Drica estava fazendo o possível e o impossível, mas eu não podia fazer nada se não conseguia escrever uma linha sequer.

− E o que você quer que eu faça? Não posso fazer qualquer merda e mandar! Estou tão fodido que não produzo nada a não ser umas linhas que ninguém vai querer ler.

Drica odiava quando eu falava palavrões e eu podia imaginá-la revirando os olhos e batucando na mesa com sua caneta colorida.

− Dane-se! Eu quero qualquer coisa que você consiga escrever. Me ajude a te ajudar ou já era. Bom dia. – E então desliga na minha cara, como sempre fazia.

Fico olhando a tela do celular por alguns segundos e algumas notificações aparecem anunciando que meu nome foi citado em mais alguma matéria de merda.
Aquele maldito do Cláudio Guerra não desistia. Fofoqueiro miserável.

Alguns pingos de chuva começam a cair e salpicar meu rosto causando arrepios no meu corpo todo.
Eu costumava adorar a chuva; era quando eu mais escrevia, principalmente porque depois que eu acabava o capítulo, Cristina entrava na biblioteca com um copo de leite quente e me pedia para ler o que eu tinha escrito. Ela nunca achava defeitos e isso me aborrecia um pouco, mas eu sabia que ela me amava tanto que seria incapaz de me desanimar, mesmo que depois eu mandasse para Drica e ficasse sabendo que tinha escrito algo muito ruim.

Cristina era boa demais para encontrar defeitos em algo.

Dou meia volta e subo os degraus para entrar quando ouço o barulho de flash de câmera e meu pescoço esquenta com a já familiar fúria.
Isso de novo não!
Olho por cima do ombro e vejo um vulto desaparecer por trás do muro; corro atravessando o jardim e abro o portão com mais força que o necessário e vejo uma escada escorada no muro e, mais a frente, há um homem magro com uma câmera na mão enquanto digita algo no celular com a mão livre.

Avanço na direção dele com o coração pulsando atrás da orelha e empurro-o com tanta força que ele cai no chão e seu celular vai parar longe. Ele me olha com os olhos arregalados e tenta dizer algo, mas eu me abaixo e seguro seu colarinho.

−Me dá a câmera. – Exijo.

−Calma, eu só...

Aperto seu colarinho com mais força e o sujeito engole em seco, mas não larga a maldita câmera.

− Quem te mandou aqui? Quem?! – Grito.

Alguns carros passam, mas eu nem me importo que todos vejam. Já estou cheio. Não sou um mico de circo.
Sou gente e mereço respeito.

− Por favor, eu só estou fazendo meu trabalho, eu não queria te fazer raiva, mas é meu trabalho!

Travo o maxilar com o ódio latente nas minhas veias.
Eu poderia socá-lo na cara agora mesmo até que ele parasse de me olhar com aquela cara de peixe morto, mas não posso fazer isso. Meus advogados já disseram que mais um vacilo e dessa vez eles não conseguirão me livrar da cadeia.
A contragosto solto o colarinho dele, mas arranco a câmera de sua mão.

− Nunca mais pise na minha casa, muito menos tire fotos minha, entendeu? – Digo mostrando a câmera para ele que ainda está no chão. – Diga ao seu chefe, seja lá quem for, que eu não sou atração circense e que vou processá-lo. E isso aqui – Ergo a câmera. – já era.

Jogo a câmera no chão e ela estala se quebrando em vários pedaços, não contente começo a pisar várias e várias vezes até que não reste nada mais do quê cacos sem sentido.
Acabou a palhaçada.

− Senhor, era meu material de trabalho, vão me demitir! – O Sujeito diz recolhendo os cacos do chão. – O senhor não tem coração?

Enxugo o suor que escorre pela lateral da minha testa e esboço um sorriso frio para ele.

− Espero que morra de fome e não arrume trabalho nenhum que é para aprender a respeitar os outros.

Dito isto, viro-me e entro pelo portão escancarado e, antes de fechá-lo, encaro nos olhos o homem desesperado que tenta a todo custo remontar algo que não tem mais conserto.

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Oi, amores! 

Bom domingo e obrigada por tanto carinho <3 Beijo na bunda!

Nos Seus Olhos (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora